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João Moreira
João Moreira, CEO da Abaco Consulting (Foto: Divulgação)

“Este ‘recomeço’ será diferente daquilo que as empresas conheciam” – João Moreira

Depois do desconfinamento, assistimos agora a uma mudança pós-Covid-19 que parece estar a tornar-se na nova realidade das empresas. João Moreira, CEO da Ábaco Consulting, fala das mudanças que ocorreram, abordando ainda de que forma as empresas e os seus líderes lhes podem dar resposta.

PME Magazine – Quais as mudanças mais evidentes a destacar na realidade pós-pandemia, relativamente à forma como as organizações funcionam?

João Moreira – Nada será como antes e isso é um facto. Por isso, penso que a principal prioridade é não nos focarmos em voltar ao que era antes, mas sim adaptar-nos a uma nova realidade, com novas exigências, sendo que o importante é continuarmos a entregar aos nossos clientes o nosso trabalho com o mesmo nível de qualidade. É possível que as principais mudanças que iremos sentir sejam no modo como as empresas se irão relacionar, quer com clientes, parceiros, ou com colaboradores. Acho que já conseguimos todos perceber que somos igualmente eficientes em modo remoto. O facto de haver menos deslocações (menos tempo em viagens) vai permitir um aumento de interações diárias e o ritmo com que tomamos (ou recebemos) decisões irá acelerar. Perspetivo alguma pressão na capacidade de entrega e na necessidade de existirem ferramentas que nos permitam acompanhar esse ritmo. Na mesma linha, julgo que o teletrabalho aumentará consideravelmente e assistiremos a uma diminuição do espaço útil de trabalho nos escritórios. A segurança nas redes e nas aplicações passa a ser uma preocupação e uma das principais prioridades para as empresas, assim como a sua capacidade para gerir o tráfego de grandes quantidades de informação. As ferramentas de monitorização e acompanhamento de saúde e segurança no trabalho vão definitivamente entrar na agenda, pois é necessário reagir rápido se acontecer uma situação semelhante. No entanto, acho que a principal mudança está relacionada com o nosso alcance a nível de mercado. O modelo descentralizado de trabalhar e de negociar vai permitir que o nosso mercado passe efetivamente a ser global, uma vez que iremos fazer negócio de igual modo com um cliente português ou com um cliente em qualquer parte do mundo, uma vez que a transformação digital chegou a todos ao mesmo tempo. Por outro lado, sem dúvida que é importante continuar a inovar, uma vez que constatamos hoje que a velocidade de transformação do negócio dos nossos clientes, e do mercado, em geral, já não se coaduna com modelos de inovação fechados, exigindo uma abertura disruptiva como forma de acelerar este processo, apostando em redes e clusters que envolvem universidades, startups, fornecedores e clientes. Só assim poderemos acompanhar o ritmo e continuar a gerar valor para os nossos clientes na implementação de projetos a nível nacional e internacional.

PME Mag. – Quais as estratégias adotadas para lidar com o impacto da pandemia?

J. M. – A Ábaco, por inerência dos serviços que presta, já tinha, desde sempre, equipas a trabalhar no escritório, ligadas remotamente a alguns dos seus clientes, bem como alguns colaboradores já trabalhavam a partir de casa, em atividades de suporte num modelo nearshore. Por isso, já dispúnhamos de algumas ferramentas de software, sistemas e infraestruturas de comunicação para apoio a trabalho remoto, o que nos permitiu encarar esta situação de uma forma mais rápida e proativa, colocando de imediato os nossos colaboradores em home office. No entanto, aplicar esse modelo a toda a organização, rapidamente, e sem preparação, apesar de estarmos habituados a conviver com processos de mudança, foi necessário suprir algumas dificuldades criadas por esta situação de emergência, por exemplo, foi necessário disponibilizar alguns computadores portáteis para as crianças poderem continuar a ter aulas remotamente, apoiando assim alguns colaboradores que estavam em casa com os seus filhos a cargo. Por outro lado, sentimos também a necessidade de aumentar a comunicação entre as equipas: encontrar metodologias de trabalho que ajudem na coordenação, visibilidade e apoio no desenvolvimento das tarefas de cada um. Ainda a nível interno, sabendo que esta é uma situação de emergência, procurar a desmaterialização de todos os processos na empresa em que tal seja possível, foi outro desafio que tivemos de procurar ultrapassar, mas para o qual a colaboração dos nossos clientes e parceiros foi essencial (100% de faturação eletrónica, 100% de fluxos financeiros digitais, 100% de digitalização de despesas, etc). A nível pessoal, procurei manter exatamente as mesmas rotinas e os mesmos horários que teria num contexto normal, mas em casa. O que alterou foram as reuniões de comité executivo que passaram de semanais para três vezes por semana, atendendo ao contexto de crise pandémica, e passámos a ter uma reunião semanal com todos os colaboradores, remotamente claro. Consideramos que, nesta fase, e atendendo a que estamos todos longe uns dos outros, é importante fazer uma reunião com todos os colaboradores em simultâneo para partilharmos as experiências, dificuldades e desafios neste novo contexto.

PME Mag. – Qual a nova realidade que devemos esperar? É expectável que tenha longa duração?

J. M. – Sim, sem dúvida. Para muitas empresas, este ‘recomeço’ será bastante diferente daquilo que conheciam. É um facto que a Covid-19 veio impulsionar e, até mesmo, acelerar a transformação digital de muitas empresas e, neste sentido, tornou-se essencial que estas tenham capacidade para reinventar os seus processos e apostar ainda mais na transformação digital dos seus negócios, pois só assim conseguirão ultrapassar esta crise com que nos deparamos. O desafio agora é conseguirem definir e implementar medidas, de forma a adaptarem-se a esta nova realidade, fazendo evoluir os seus modelos de negócio e construindo soluções que não apenas sobrevivam, mas que também prosperem no novo cenário de negócios que irá advir.

PME Mag. – Perante a nova realidade, que outras abordagens podem ser adotadas, de forma a lidar com o impacto da pandemia?

J. M. – Este ‘recomeço’ que agora se está a erguer será, sem dúvida, mais digital, quer na forma de fazermos negócios, quer nos processos organizacionais, sendo que a tecnologia desempenhará um papel ainda mais preponderante na vida das organizações. Apesar da evolução tecnológica que tem ocorrido nos últimos anos, ainda existem muitos entraves que limitam a nossa ação e que, na verdade, sempre fizeram parte do nosso dia-a-dia, pelo que nem paramos para pensar neles. Só agora, com as limitações que todos tivemos por causa da pandemia, é que realmente percebemos o quanto o digital é importante. Por exemplo, um simples pagamento por cheque obriga à deslocação de pessoas de duas entidades às suas empresas (e de uma delas ao banco), quando, na verdade, já utilizamos transferências bancárias há dezenas de anos. Isto para dizer que é urgente eliminar tudo o que não seja ágil, de forma a que nos permita ter um modelo de negócio rápido a reagir. É essencial que as empresas se prepararem para serem digitais desde o processo de venda até ao início da expedição, desde a compra da matéria-prima até ao planeamento da produção, desde o recrutamento até aos modelos de compensação e progressão na carreira.   

PME Mag. – De que forma devem os líderes agir perante esta nova realidade?

J. M. – Todos os gestores empresariais enfrentam, neste momento, escolhas bastante difíceis na resposta a este novo “normal”. Numa primeira fase, focaram-se nas consequências da crise do coronavírus, bem como em pôr em prática todos os mecanismos necessários para que as organizações se adaptassem à situação e conseguissem tirar o maior partido de tudo o que estávamos a viver. Agora, é essencial focarmo-nos no pós-pandemia. É natural que, em tempos de crise, os líderes das organizações se concentrem essencialmente no aqui e no agora. Mas não podemos nunca perder de vista olhar para o futuro e perspetivar que caminho queremos que a nossa organização siga daqui em diante. Saber antever novas mudanças, problemas, ser flexível, transparente e estar preparado para possíveis imprevistos. Sobreviver a uma crise com uma boa liderança não é apenas apoiar os resultados ou minimizar o impacto económico nos negócios.  Acredito que o que faz uma boa liderança é a forma transparente e verdadeira como comunicamos, em qualquer circunstância. Nesta fase em particular, é importante manter a calma e confiança no futuro. É igualmente importante apontar um caminho, mobilizar, motivar e materializar em ações cada passo que damos para seguir nesse rumo. Nesta fase, mais do que nos reinventarmos, temos de nos redescobrir e encontrar novas formas de criar valor para os nossos clientes, parceiros e colaboradores. Considero que o mais importante continua a ser a comunicação com estes. Neste momento, é importante que se continue a dar primazia à comunicação interna e se passem mensagens que incentivem a tranquilidade e o respeito pelas regras impostas. Agora, mais do que nunca, é importante demonstrarmos aos nossos colaboradores que, para nós, o mais importante são as pessoas e o seu bem-estar. É igualmente importante que entre cliente e fornecedor, parceiro e concorrente se estabeleçam laços de solidariedade ao invés de cada um procurar estratégias de sobrevivência individual. O sucesso na superação desta crise só pode ser coletivo. É um facto que os tempos de crise acabam sempre por diminuir e a vida volta ao normal – mesmo que esse “normal” pareça um pouco diferente. E, por isso, em algum momento, como já assistimos ao longo da história, uma nova crise, provavelmente, surgirá de forma inesperada, tal como aconteceu agora. Perante este contexto, o desafio dos CEO enquanto líderes de negócios é manterem-se preparados para a próxima crise, que pode inevitavelmente surgir.