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Tech4covid19 na PME Magazine
João Figueirinhas Costa, co-fundador do movimento Tech4Covid19

“Somos uma incubadora de projetos voluntários para mitigar a Covid-19” – João Figueirinhas Costa

Por: Rita Justo

Foto: Tech4covid19

Um conjunto de empresários portugueses criou um movimento para desenvolver soluções tecnológicas que ajudassem a mitigar a Covid-19. Hoje, são já mais de cinco mil os voluntários. O empresário João Figueirinhas Costa é um dos fundadores, responsável pela coordenação das diversas equipas transversais do movimento, e falou à PME Magazine sobre a essência do Tech4Covid19.

PME Magazine – Como começou este movimento? 

João Figueirinhas Costa – O Tech4Covid19 é um movimento informal e começou num grupo do Whatsapp que já existia, de uma comunidade de fundadores de startups. Antes da quarentena oficial, começou a surgir a discussão informal sobre o que é que poderíamos fazer. Esta discussão foi evoluindo no grupo do Whatsapp e esse grupo passou para um grupo de Slack, mais estruturado, num espaço de horas. Logo na primeira tarde chegámos às 300, 400 pessoas. Dividimos o grupo em canais de discussão de ideias e o movimento ganhou uma força e uma vida própria que não foi planeada, com o passa a palavra, com as equipas das empresas dos fundadores a começarem a querer integrar e participar. Muito rapidamente chegámos aos 3000, 4000 voluntários e, neste momento, somos mais de 5300. O movimento é uma espécie de incubadora de projetos que têm contribuído, de alguma forma, para mitigar resultados, diretos ou indiretos, da pandemia. As áreas de atuação não são aleatórias, há aqui áreas mais claras e o projeto tem de ser não comercial e não lucrativo. Não quer dizer que não haja dinheiro a circular, há alguns projetos que o implicam, pela sua natureza, mas não há comissão, lucro, nem margem. Há projetos que saem de empresas, mas esses são produtos já existentes e que são adaptados e que, por uma questão de patentes, são as próprias empresas que gerem. Genericamente, somos uma espécie de incubadora de projetos voluntários, tendencialmente de base tecnológica para mitigar os efeitos da Covid-19 e deste contexto de pandemia.

PME Mag. – Como é que asseguram esta tendência não comercial? 

J. F. C. – Aquilo que fizemos foi criar equipas de organização interna. Temos uma equipa de comunicação interna, uma equipa de recrutamento que, olhando para os voluntários que existem, tenta alocá-los a projetos em função das suas competências, disponibilidade e das necessidades dos projetos. Temos uma equipa de project management que dá acompanhamento estrutural aos projetos. Há um sítio onde as ideias são discutidas, assim que ganham um pouco de tração, essas pessoas criam um canal e vão desenvolvendo essa ideia. A partir daí, a equipa da organização interna vai acompanhando o projeto de forma mais regular e o project leader, que é, ou quem teve a ideia, ou alguém que pega na ideia e a leva para a frente. Quem se assumir como project leader tem esse acompanhamento e aí vamos garantindo que o código de conduta do movimento é mantido. O código de conduta tem os termos mais gerais, como todo o código desenvolvido do zero no contexto do movimento tem de ser aberto e não pode ser propriedade de ninguém. As pessoas são livres de fazerem os projetos que quiserem. Qualquer pessoa pode entrar no movimento, mas há um conjunto de serviços, parcerias e coisas que temos acesso e os projetos só têm acesso a esses serviços se estiverem alinhados com os termos e condições que vinculam o espírito do movimento, que é o não ser comercial, ser voluntário, genericamente universal, não haver barreiras à participação…

PME Mag. – Não há nenhum registo de patentes associado? 

J. F. C. – Não. Os produtos que foram adaptados de empresas já existentes obviamente já tinham uma propriedade antes, mas todo o código feito, voluntariamente, por voluntários no contexto do movimento deve ser código aberto. Não pode ser propriedade de ninguém e não é propriedade do movimento.

PME Mag. – Quantos projetos têm em curso? 

J. F. C. – O número redondo é de 40 projetos, dos quais cerca de 15 já estão em execução. Os primeiros projetos que surgiram, um foi para recolher fundos e encomendar material hospitalar e garantir que chegava a Portugal. Percebemos logo que a linha Saúde24 ia estourar e pensámos como podíamos utilizar um chatbot para mitigar essa carga, acabou por não avançar com o SNS e por ser integrado na Segurança Social. Começámos com uma aplicação de survey para as pessoas darem os seus sintomas e podermos mapear o país em termos de sintomas, o Covidografia. Depois, naturalmente, foi evoluindo para as necessidades do mercado, como a educação. Nasce, então, o Tools4edu, que ajuda professores e pais a aprenderem a ir para plataformas, porque a grande parte dos professores nunca usou um Teams, ou um Zoom, ou o Google Hangouts. E o segundo passo era como é que se ensina um professor que sempre deu aulas numa sala a ensinar numcontexto online, onde a dinâmica é diferente. O segundo projeto é o Student Keep que foi recolher computadores de pessoas que já não precisam para alunos que não têm material informático. O terceiro patamar é a economia local e o melhor exemplo será o Preserve, que permite que qualquer pessoa compre vouchers nos seus estabelecimentos preferidos: o valor é injetado no estabelecimento e a pessoa pode utilizar durante dois anos.

PME Mag. – Que setores estão representados entre os voluntários? 

J. F. C. – Se calhar, as primeiras mil pessoas eram fundadores ou trabalhadores de startups. Depois, naturalmente, foi-se abrindo o leque. Temos pessoas de todas as áreas e com todo o tipo de competências e de experiências.

PME Mag. – Até quando vão manter o movimento? 

J. F. C. – O espírito do movimento é mitigar os desafios criados no contexto de pandemia. É consensual que a pandemia não acabou. Enquanto os projetos fizerem sentido, o movimento irá continuar. Há diferentes opiniões e como temos sido tendencialmente democráticos, a ideia é irmos vendo. Quando acharmos que faz sentido tomar uma decisão sobre o movimento também o faremos. 

PME Mag. – Qual é a grande mais-valia deste movimento para as empresas? 

J. F. C. – O que as empresas retiram do projeto é pouco relevante no sentido em que desde o início que fizemos um esforço grande para retirar as empresas da equação. Claro que temos empresas que estão a disponibilizar trabalhadores quase a full time em projetos do movimento.  É uma questão de consciência de participação cívica. Há aprendizagens naturais que se retiram deste contexto, como repensar os modelos de trabalho, os horários fixos, o termos de estar no escritório o tempo todo, isso é uma questão que vai ter de surgir e vai ter de ser debatida nas organizações. E não apenas daqui a dez anos se tivermos outra pandemia e tivermos de nos ajustar à pressa. Outra coisa importante é que temos imensas empresas que não têm um site, um email, uma aplicação, que não usam uma ferramenta de colaboração. Seja qual for o contexto da empresa, hoje, não faz sentido que as empresas sejam totalmente analógicas. A forma como criámos o movimento demonstra o valor de termos uma estrutura ágil. Montámos 500 pessoas num grupo de Slack rapidamente não porque as pessoas são génios, mas porque já conhecem o Slack e já usam Slack e sabem trabalhar de forma ágil.  

PME Mag. – Quantas pessoas já impactaram? 

J. F. C. – Já foram muitas. Em casos muito concretos: há 1000 crianças que já receberam computadores, há 11 mil pessoas que acederam ao Tools4edu e que interagiram com conteúdo; há 700 profissionais de saúde que têm alojamento garantido através do Rooms Against Covid – um projeto que junta hotéis e alojamento local vazios com profissionais de saúde que não querem ir para casa e que, juntamente com o Turismo de Portugal, que financia, garantimos que têm um alojamento próximo do hospital. Mandámos vir cerca de 250 mil máscaras… Quero acreditar que milhares de pessoas foram já impactadas por algum dos nossos projetos.

Artigo originalmente publicado na edição de Julho de 2020