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Luís Gonçalves, psicólogo clínico e psicoterapeuta (Foto: Divulgaçáo)

Teletrabalho: dez dicas para zelar pela saúde mental dos seus trabalhadores

Por: Luís Gonçalves, psicólogo clínico e psicoterapeuta na Psinove

Trabalhar remotamente a partir de casa, ou outro local, tem-se vindo a tornar uma prática cada vez mais presente no mundo laboral, altamente estimulada pelo contexto da atual pandemia. Assim, enquanto para muitos manteve-se o teletrabalho que já realizavam, para muitos outros surgiu a necessidade de se adaptarem rapidamente a esta forma de trabalhar.

Antes da pandemia, diversas empresas já caminhavam no sentido da flexibilidade entre trabalho presencial e teletrabalho. E com resultados promissores. Parece-me que, a pouco e pouco, vai caindo também a ideia de que as pessoas em casa trabalham menos ou pior. E, nesse sentido, quem gere vai também aceitando que a eventual/aparente perda de controlo sobre os colaboradores (por não estarem no escritório) não levará, necessariamente, a uma perda de organização, produtividade ou hierarquia.

Penso até que chegámos a um ponto de não retorno: tanto em cenário de pandemia como sem a mesma, muitas pessoas preferem continuar em teletrabalho pelas vantagens que sentem, tanto a nível pessoal como profissional. O momento de pausa forçada que o período de confinamento nos levou a ter contribuiu para que muitos de nós tivéssemos uma maior perceção do que nos faz mal e do que nos faz bem. Mais em baixo, veremos alguns dos efeitos mais nocivos que o teletrabalho pode ter, mas ninguém poderá ficar indiferente às vantagens de não se estar em filas de trânsito, de não se depender dos transportes públicos, tantas vezes, insuficientes para as necessidades das pessoas, de se poder gerir diversas tarefas familiares, de se trabalhar comodamente no nosso próprio espaço e com o conforto resultante, de se ter por perto quem nos é mais querido, de se estar mais longe de relações tóxicas no local de trabalho ou de se estar menos exposto à influência de diversos riscos psicossociais. No essencial, falo de mais tempo disponível para o essencial da vida, menos stress, mais proximidade, menos piloto-automático, maior controlo da pessoa sobre o seu quotidiano. Melhor qualidade de vida.

“Chegámos a um ponto de não retorno: tanto em cenário de pandemia como sem a mesma, muitas pessoas preferem continuar em teletrabalho pelas vantagens que sentem, tanto a nível pessoal como profissional.”

No entanto, o teletrabalho traz também consigo diversos aspetos que precisam de ser acautelados. A sobreposição da vida pessoal como a profissional, no mesmo espaço, poderá impedir o “desligar” da mente entre responsabilidade e lazer/prazer. No fundo, é como se o nosso cérebro ficasse permanentemente ligado ao “modo de trabalho”, podendo afetar e muito a nossa saúde mental.

O teletrabalho está agora tão presente graças ao uso de diversas plataformas e programas que nos possibilitam um sem número de opções de contacto, de reunião, de planeamento, de trabalho em equipa, de execução. Ou seja, o trabalho remoto aumenta tremendamente as formas como podemos ser contactados e contactar – parecendo ser mais difícil colocarmos limites e estrutura na nossa atividade profissional. Nestes meses, muitas pessoas mencionaram-me a junção que agora sentem na sua casa, em que o lado pessoal e profissional estão agora complemente fundidos. Por exemplo, estarem a partilhar uma refeição em família enquanto respondem a “só mais este email”. Ou estarem a cuidar dos seus filhos enquanto resolvem ao telemóvel “aquele assunto urgente”. Se voltarmos atrás no tempo, este tipo de sobreposições já acontecia. Porém, a pandemia tem aumentado muito este cenário.

“Nestes meses, muitas pessoas mencionaram-me a junção que agora sentem na sua casa, em que o lado pessoal e profissional estão agora complemente fundidos. Por exemplo, estarem a partilhar uma refeição em família enquanto respondem a ‘só mais este email’.”

Para além da dificuldade em se “desligar do trabalho”, importa também trazer à tona os efeitos estudados que resultam da exposição prolongada a ecrãs. Mesmo com filtros ativados, estes tendem a mexer com alguns processos do nosso corpo como, por exemplo, o sono. Este tipo de estimulação poderá dificultar a produção de melatonina, uma hormona com um papel de destaque na indução do estado de maior relaxamento precursor do sono. E se o sono não cumpre a sua função, a nossa mente e corpo sentem os efeitos. Além disso, e como foquei em cima, a constante chegada de estímulos digitais ao nosso cérebro contribui para o aumento da ansiedade se não conseguirmos ter momentos de pausa, em que estamos plenamente no momento presente.

Se nos focarmos na saúde mental das pessoas, o teletrabalho poderá contribuir para ansiedade, depressão, burnout, problemas de sono, perturbações alimentares e do controlo de impulsos, conflitos conjugais e familiares, entre outros. Nessa sequência, forma-se um contexto específico que se vai alargando progressivamente: trabalhar-se remotamente pode ativar fatores de risco psicológico que, se tiverem uma frequência e intensidade constantes, irão causar sofrimento psicológico dado que a pessoa não preenche satisfatoriamente as suas necessidades psicológicas.

Então o que podem as empresas fazer para defender a saúde mental dos seus colaboradores? Deixo alguns pontos a considerar:

1. Favorecer o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional do colaborador, tornando-o uma prioridade aos olhos de todos na organização e criando medidas e incentivos para esse efeito;

2. Ajudar o colaborador a ter um horário de trabalho definido, nem maior nem menor do que o esperado para executar a sua função;

3. Ter ferramentas de devolução de feedback regular, contribuindo tanto para a sua produtividade como para a redução do stress ocupacional;

4. O teletrabalho conduz, invariavelmente, a uma dispersão dos elementos de uma equipa e, muitas vezes, ao aumento das solicitações que o responsável de equipa recebe, ficando sobrecarregado. É assim importante o estímulo contínuo da união e trabalho em equipa, tanto através de momentos online como presenciais.;

5. Todos sabemos que demasiadas horas de trabalho não se refletem em melhor e mais trabalho. Os momentos de pausa (por breves minutos que sejam) têm um impacto estudado na prevenção do burnout e é responsabilidade de todos serem postos em prática;

6. Investir na saúde mental dos colaboradores traz consigo resultados inegáveis. Por exemplo, as despesas com baixas e processos de recrutamento podem ser bastante reduzidas se promovermos locais de trabalho onde a saúde mental é prioridade. Formação especializada (online e presencial), apoio psicológico e psicoterapêutico disponível para os colaboradores e executivos e que deve ser adaptado à realidade específica da empresa e dos seus recursos humanos;

7. Marcação de atividades, online ou presenciais, para a prática em grupo de mindfulness e outras intervenções estudadas para a promoção da saúde mental. E que podem também ser grupos mais abertos, permitindo aos colaboradores a partilha dos seus processos emocionais, cognitivos, comportamentais, conquistas e dificuldades;

8. Evitar-se a marcação de tarefas, reuniões e projetos fora do horário de trabalho dos colaboradores. De igual modo, deve evitar-se a comunicação ligada ao trabalho nesses períodos;

9. Incentivar a proximidade de quem gere perante os seus colaboradores e vice-versa. Os dados existentes demonstram bem o quanto a proximidade sentida e percecionada pelas pessoas, contribui para a sua produtividade e saúde emocional;

10. Combater o estigma ainda existente de quem procura ajuda para lidar com o sofrimento psicológico. Na realidade, não se trata de fraqueza ou incapacidade. Trata-se sim de humanidade.