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Vítor Bento
Vítor Bento, vice-presidente da PWN Lisbon (Fonte Divulgação)

O mundo é melhor do que parece

Por: Vítor Bento, vice-presidente da PWN Lisbon

 

Vivem-se hoje tempos de ansiedade, face a um mundo conturbado, onde muitos vêem emergir ameaças à estabilidade social que todos desejam como norma. Para as gerações mais novas, ou para as menos novas cuja memória vai retendo mais do que é próximo que do que fica distante, este contexto pode parecer inusitado e, por isso, perturbador. Mas não é assim. A História contemporânea, mesmo quando prossegue uma trilha de progresso e prosperidade sociais, foi sempre pontuada por sobressaltos, mais ou menos duradouros, mais ou menos intensos, ameaçadores da tranquilidade social. Basta regredir pouco mais de 20 anos, para lembrar a súbita ansiedade, incerteza e sensação de vulnerabilidade que o derrube das torres gémeas, no coração do “guarda-chuva” da segurança do mundo ocidental provocou nesta parte do mundo. Ou uma dúzia de anos, até à grande crise, onde toda uma arquitectura financeira que todos tinham como inabalável e a percepção de riqueza que nela assentava, de repente se desmantelam, corroendo a confiança no sistema e desesperando do futuro. Ou, ainda, quatro anos, até à pandemia que trouxe à mente de muitos cenários de fim do mundo, reminiscentes das séries distópicas que as TVs vão regularmente vão intercalando na sua oferta. Tudo isso, porém, foi superado pela engenhosa capacidade humana, deixando praticamente ininterrupta a senda de prosperidade e relativa tranquilidade em que sucessivas gerações têm vivido.

Mas, reconheço, a ansiedade actual apoia-se num espectro de incertezas mais vasto, que passa pelas guerras que decorrem na Ucrânia e no Médio Oriente, pelo confronto estratégico entre as grandes potências mundiais, dotadas de armas nucleares, por ameaças terroristas mais ou menos próximas, pelas ameaças à sustentabilidade ambiental, pelo crescente radicalismo e extremismo políticos e pelos anúncios de degradação das condições sociais, com crescente desigualdade social. Entre outras coisas. No entanto, e mais uma vez, se colocarmos este cenário complexo numa perspectiva histórica, veremos haver condições para amainar a ansiedade.

Como celebramos este ano os cinquenta anos do 25 de Abril, proponho recorrer ao DMC DeLorean transformado, de Doc Emmet Brown e Marty McFly, para nos transportar até cinco décadas atrás e ver como era o mundo por que passou uma geração ainda viva das que convivem no nosso presente.

Em termos de conflitos bélicos, decorria a Guerra do Vietnam, que durou cerca de uma década e terá custado cerca de 1.3 milhões de vidas (Wikipedia); Israel fora atacado (1973) por uma coligação de países árabes, que acabaria por derrotar, expandindo o território sob o seu controlo, num prolongado conflito, cuja descrição gráfica se parece com a de uma montanha russa; Portugal mantinha, desde 1961, uma guerra em três frentes africanas; a União Soviética invadia o Afeganistão em 1979. Entre vários outros. E vivia-se a guerra fria, com a permanente ameaça de um confronto nuclear entre os EUA e a URSS, cujo receio, entre outras coisas, levou vários países a desenvolver programas de criação de abrigos subterrâneos para abrigar a população.

Movimentos terroristas ou conflitos internos na Europa, havia vários. Desde a Irlanda, que viveu anos a ferro e fogo, a Espanha, com o terrorismo da ETA, a Alemanha, com o grupo Baader-Meinhof, que fez explodir várias bombas e levou a cabo uma série de raptos, assassinatos e assaltos a bancos durante quase três décadas; a Itália, com as Brigadas Vermelhas, que, entre outras acções terroristas, raptaram e assassinaram um ex-primeiro ministro; ou Portugal, com o movimento FP 25, que, entre outras acções terroristas, perpetrou vários assassinatos.

Em termos de radicalismos político-ideológicos, vivia-se o auge da influência comunista no mundo ocidental, que mobilizava a juventude universitária contra a ordem liberal e democrática, fomentava os movimentos terroristas, e teve profundo efeito no processo descolonizador português.

No que diz respeito à sustentabilidade ambiental, foi publicado em 1972 o assustador relatório do Clube de Roma , intitulado “Limites do Crescimento”, que, entre outras extrapolações, apontava para que em menos de um século se atingisse o limite do potencial de crescimento económico, de que muito provavelmente resultaria um súbito e descontrolado declínio da população e da capacidade industrial. Estamos, entretanto, a meio do caminho, e, desde então, a população mundial mais do que duplicou, enquanto o PIB mais do que quadruplicou, com o consequente aumento da prosperidade.

Quanto às desigualdades de rendimento, os indicadores do World Inequality Report apontam para um período de subida, que terá durado, até um pouco antes do virar do século, mas que, desde aí, entrou num caminho consideravelmente declinante. A desigualdade de rendimentos entre países, cujo pico terá sido atingido algures em 1980, tem, desde então, visto o caminho rapidamente invertido no sentido da maior igualdade. Mas, talvez mais significativo, a percentagem da população mundial a viver em situação de pobreza extrema (com menos de 2,15 dólares por dia) que, em 1990, era 38%, reduziu-se, entretanto, para 9%.

Para só citar alguns factores da intranquilidade passada.

Portanto e voltando ao futuro desse passado, que é o nosso presente, talvez tenhamos mais razões para nos sentir tranquilos e confiantes do que inseguros e ansiosos. Tudo aquilo que terá parecido catastrófico ou inultrapassável no passado acabou por ser superado com o engenho humano e a senda de prosperidade, que nos trouxe até aqui, tem mantido o seu rumo, por entre os alvoroços do caminho. E assim deverá continuar. Apesar dos riscos, não creio que exista verdadeiramente uma ameaça de guerra na Europa, a não ser que o bom senso meta férias prolongadas – o que, sendo uma possibilidade, é pouco provável. As sociedades políticas acabarão, com mais ou menos agitação, por convergir para soluções razoáveis e limitar os extremismos. E as outras dificuldades, que hoje nos assustam, não deixarão de ser superadas pelo génio e ponderação da acção humana.