Por: Gabriel Augusto, diretor da FLAG
Durante anos, a criatividade foi vista como um extra, um detalhe que tornava as empresas mais inovadoras e diferenciadas. Mas o jogo mudou. Hoje, a questão já não é se a criatividade traz vantagens, mas sim se uma empresa consegue sequer sobreviver sem ela. Será que ainda faz sentido vê-la como a cereja no topo do bolo ou, na verdade, estamos a falar do próprio bolo, sem o qual nada se sustenta?
A automação e a digitalização estão a transformar a forma como trabalhamos. A eficiência, por si só, já não chega. Qualquer empresa pode comprar tecnologia ou copiar modelos de sucesso, mas sem criatividade ficará condenada a seguir os outros, com margem inexistente para definir o seu próprio caminho. Durante décadas, cortar custos e otimizar processos eram as grandes prioridades. Mas o que acontece quando o mercado já não valoriza apenas a eficiência e exige constante adaptação? Como dizia Alvin Toffler, “os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender”.
A criatividade não é só um motor de inovação – é essencial para resolver problemas, reagir a mudanças e construir equipas resilientes. As empresas que se destacam hoje não são apenas as que têm mais tecnologia ou capital, antes as que conseguem questionar padrões, explorar novas abordagens e encontrar oportunidades onde outros só veem obstáculos.
No entanto, muitas organizações continuam a tratar esta capacidade como algo secundário. Criam processos rígidos, evitam riscos e penalizam erros, como se a inovação fosse um evento isolado e previsível. Mas a capacidade de pensar e fazer de forma diferenciada não se liga e desliga à vontade. Precisa de um ambiente que incentive a experimentação, a troca de ideias e a liberdade para testar soluções sem medo do fracasso.
O lado positivo? Este não é um dom inato, mas, antes, uma competência que pode ser desenvolvida. Tal como qualquer outra skill, exige prática, estímulo e um contexto favorável. Empresas que investem na formação criativa dos seus colaboradores não estão apenas a melhorar a sua cultura interna, estão a construir um diferencial competitivo real. Equipas mais criativas encontram soluções com maior rapidez, antecipam desafios e respondem melhor às incertezas do mercado. Estudos mostram que empresas com culturas fortemente criativas obtêm melhores resultados financeiros, maior retenção de talento e mais capacidade de inovação.
Ainda assim, desenvolver a criatividade nas organizações não acontece de forma espontânea. Muitas equipas foram treinadas para seguir regras e evitar erros, o que dificulta a adoção de um pensamento mais exploratório. Criar um ambiente que a estimule exige um compromisso da liderança, maior aceitação do risco e incentivos à diversidade de pensamento. O maior obstáculo não é a falta de criatividade, é mesmo a falta de condições para que ela possa florescer.
Se continuarmos a vê-la como a cereja no topo do bolo – um detalhe bonito, mas dispensável –, estaremos sempre a tratar a inovação como algo acessório. Mas se aceitarmos que a criatividade é o próprio bolo, ou seja, a base que sustenta um negócio relevante e sustentável, então estaremos muito mais preparados para os desafios do futuro.
Porque, no final, a verdadeira questão não é se a criatividade pode melhorar uma empresa. A questão é: sem criatividade, ainda há bolo?