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Hélder Rosalino
Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal (Fonte Divulgação)

Euro digital: “Será um meio de pagamento digital simples, sem risco e confiável” – Hélder Rosalino

Por: Ana Vieira

 

Uma moeda digital à disposição de empresas e particulares, acessível e aceite em toda a área do Euro e, claro, apoiada pelo Banco Central Europeu. Se chegar a ser emitido, o euro digital “não perderá o seu valor nominal, ou seja, um euro valerá sempre um euro”, como explica à PME Magazine Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal.

Num mundo cada vez mais digital, as Pequenas e Médias Empresas terão assim uma “alternativa adicional para a aceitação de pagamentos, conferindo maior poder de escolha aos comerciantes e, consequentemente, uma possível redução de custos”, acrescenta Hélder Rosalino.

Quatro anos após o lançamento do projeto, a proposta de Regulamento encontra-se atualmente em discussão no Conselho da União Europeia, não sendo previsível uma data para a sua decisão. Caso a proposta seja adotada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, será o Banco Central Europeu a decidir se, e quando, emitirá o euro digital.


PME Magazine (PME Mag.) – Em janeiro de 2020, o Banco Central Europeu iniciou um projeto para a criação de uma moeda digital do Banco Central, o euro digital. De acordo com a proposta de regulamento, apresentada em junho de 2023, como funcionará esta moeda?
Hélder Rosalino (H. R.) – O euro digital será uma moeda digital de banco central a disponibilizar ao público em geral para utilização nos pagamentos de retalho, ou seja, nos nossos pagamentos do dia-a-dia.

Consistirá numa outra forma de oferecer euros que visa complementar, ao invés de substituir, as outras formas de moeda, nomeadamente o numerário. Será um meio de pagamento digital simples, sem risco e confiável, porque será emitido pelo Banco Central Europeu.

A proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação do euro digital, publicada em 28 de junho de 2023, constitui a base legal para a eventual emissão do euro digital. De acordo com a proposta de Regulamento, o euro digital terá curso legal, ou seja, será de aceitação obrigatória, pelo seu valor nominal e com poder liberatório. A detenção de euro digital estará sujeita a limites, para desincentivar a sua utilização enquanto reserva de valor e mitigar eventuais riscos para a estabilidade financeira.

O euro digital será distribuído através sistema bancário. Assim, instituições bancárias poderão distribuir e prestar serviços de pagamento em euro digital a pessoas singulares e coletivas, como, por exemplo, abrir contas em euro digital, possibilitar o cumprimento de obrigações pecuniárias ou iniciar e/ou receber pagamentos.

A proposta de Regulamento prevê ainda, entre outros aspetos, a existência de uma lista de serviços mínimos de pagamento em euro digital que deverão ser prestados de forma gratuita, tais como a abertura e manutenção de contas de euro digital e os respetivos funding e defunding (isto é, a conversão de moeda de banco comercial em euro digital e vice-versa). Além disso, o euro digital deverá estar disponível para transações de pagamento em euros digitais, tanto offline como online.

A proposta de Regulamento encontra-se atualmente em discussão no Conselho da União Europeia, não sendo ainda possível antever uma data para a sua publicação. Caso a proposta seja adotada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, caberá ao Banco Central Europeu decidir se, e quando, emitirá o euro digital.

 

PME Mag. – Como é que o euro digital poderá ser mais atrativo, especificamente para pequenas e médias empresas portuguesas, e quais os riscos à sua utilização.
H.R. – Serão várias as vantagens do euro digital, para os diferentes intervenientes.

Por exemplo, para os consumidores:
• O euro digital poderá ser usado para vários tipos de pagamentos e de modo harmonizado, em toda a área do euro, simplificando a vida aos cidadãos no momento de pagar. Terá utilização universal em toda a área do euro, como acontece atualmente com as notas e moedas.
• Será um meio de pagamento digital com as vantagens do numerário. Permitirá efetuar pagamentos em moeda de banco central quando o numerário não é opção (por exemplo, no comércio eletrónico e em pagamentos remotos pessoa a pessoa), com elevado grau de privacidade, utilização gratuita para serviços básicos e disponibilidade offline.
• Será inclusivo e de fácil utilização. O euro digital estará à disposição de todos e será de fácil utilização em pagamentos em lojas físicas, no comércio online e entre pessoas.

Para os comerciantes e para as pequenas e médias empresas, o euro digital:
• Constituirá uma alternativa adicional para a aceitação de pagamentos, conferindo maior poder de escolha aos comerciantes e, consequentemente, uma possível redução de custos;
• Por ser mais uma forma de pagamento ao dispor do consumidor, permitirá uma maior taxa de concretização de vendas. Esta vantagem revela-se particularmente relevante no comércio eletrónico.
• Adicionalmente, o euro digital permitirá aos comerciantes receber imediatamente os fundos na sua conta. Será um instrumento de pagamento sem risco de liquidez ou de solvência, por se tratar de moeda de banco central.

 

PME Mag. – O euro digital vai recorrer a tecnologia de registo descentralizado, como por exemplo, a blockchain?
H. R. – Não foram ainda tomadas decisões pelo Banco Central Europeu quanto à infraestrutura e à tecnologia subjacente ao euro digital. Contudo, foram realizadas experimentações e desenvolvidos protótipos nas diferentes fases do projeto, que permitiram concluir pela viabilidade técnica de diferentes alternativas para a emissão de um euro digital com as caraterísticas pretendidas.

A prossecução de trabalhos de experimentação é um dos entregáveis da primeira parte da fase de preparação, que se encontra agora em curso, trabalhos estes que permitirão decidir quanto à tecnologia subjacente à infraestrutura do euro digital.

 

PME Mag. – Sendo o euro digital emitido pelo Eurosistema, poderá comparar-se a um criptoativo? Ou seja, será possível perder o acesso ao ativo?
H. R. – A resposta é não a ambas as perguntas. Os criptoativos (como a bitcoin) são representações digitais de valores ou de direitos que podem ser transferidos e armazenados eletronicamente. Apesar de poderem, efetivamente, ser usados para efeitos de pagamentos, e serem muitas vezes chamados de moedas virtuais, os criptoativos não podem ser considerados verdadeiras moedas e distinguem-se claramente dos meios de pagamento em vários aspetos, desde logo porque, dada a sua elevada volatilidade, não permitem estabelecer um preço para os bens, nem preservar o poder de compra. Esta caraterística faz com que, na prática, os criptoativos sejam, atualmente, mais utilizados para efeitos de investimento.

Adicionalmente, os criptoativos não são, por norma, passivos de nenhuma entidade, nem são, atualmente, emitidos por instituições supervisionadas. Não são garantidos pelo Banco de Portugal, nem por qualquer outra autoridade nacional ou europeia e não existe qualquer proteção legal que confira direitos de reembolso ao consumidor.

Ao contrário dos criptoativos, o euro digital, tratando-se de uma moeda digital de banco central, será uma verdadeira moeda. O euro digital será garantido pelo Banco Central Europeu, pelo que não terá riscos de liquidez nem de solvência. Não perderá o seu valor nominal, ou seja, um euro valerá sempre um euro.

 

PME Mag. – Desde o dia 1 de novembro de 2023 que o desenvolvimento da moeda digital do Banco Central entrou em fase de preparação. Em que consiste esta fase e quando saberemos se a criação do euro digital será efetiva?
H. R. – O projeto do euro digital encontra-se já na sua terceira fase: a fase de preparação. O projeto do euro digital teve início em 2020, com uma reflexão sobre os seus requisitos, os cenários em que se justificaria a sua emissão, os potenciais impactos dessa emissão e alternativas de implementação técnica. Foi ainda conduzida uma consulta pública e, paralelamente, o BCE e os bancos centrais nacionais da área do euro conduziram trabalhos de experimentação para avaliar a viabilidade tecnológica de alternativas de implementação do euro digital.

Entre outubro de 2021 e outubro de 2023, decorreu a fase de investigação, durante a qual o Banco Central Europeu decidiu sobre os casos de uso prioritários, o desenho técnico e funcional do euro digital, o modo como este será distribuído e o papel dos intermediários, tendo em consideração as necessidades dos utilizadores. O desenho do euro digital teve por base a análise do impacto que este poderá ter no mercado, garantindo que é atrativo para cidadãos, empresas e intermediários e para a economia em geral, e assegurando a correta mitigação dos riscos.

Em 18 de outubro de 2023, o Conselho do BCE aprovou a passagem para a fase de preparação do projeto do euro digital. O objetivo desta fase é garantir que o Banco Central Europeu estará preparado para emitir o euro digital assim que o Conselho do BCE decida avançar com a sua emissão e que a legislação relacionada se encontre devidamente adotada.

A fase de preparação do projeto do euro digital será constituída por duas partes:
A primeira parte, que se encontra em curso desde 1 de novembro de 2023, deverá ter uma duração de 24 meses. Neste período, será finalizado o scheme rulebook do euro digital (que define as regras, standards e procedimentos que assegurarão uma implementação harmonizada do euro digital em toda a área do euro); serão selecionados os prestadores de serviço que estarão envolvidos na implementação da infraestrutura do euro digital; e serão desenvolvidas atividades adicionais de experimentação e análises relacionadas com o desenho do euro digital, a experiência do utilizador, inclusão financeira e a pegada ecológica do euro digital.

A segunda parte deverá ter início após nova aprovação pelo Conselho do BCE. Nesta segunda parte, prevê-se a realização de atividades relacionadas com a implementação do scheme rulebook, o desenvolvimento das componentes pelos prestadores de serviço contratados e o lançamento de pilotos.
Não se encontra ainda definida a duração desta segunda parte da fase de preparação nem qualquer data quanto à eventual tomada de decisão quanto à emissão do euro digital.

 

PME Mag. – Caso o euro digital avance, está prevista alguma campanha informativa e de esclarecimento no nosso país?
H. R. – O Banco de Portugal tem uma estratégia de comunicação relativa ao euro digital alinhada com a que foi definida pelo Banco Central Europeu. Esta estratégia prevê diferentes abordagens, consoante as diferentes etapas do projeto, com iniciativas dirigidas aos diversos stakeholders relevantes.

Nesta fase, e para além de diversas intervenções públicas em que o Banco de Portugal apresenta o projeto do euro digital, bem como iniciativas de esclarecimento realizadas por solicitação de algumas entidades públicas e privadas, o Banco de Portugal criou, em outubro de 2023, no seu site, uma área dedicada ao euro digital, onde partilha todas as informações relevantes sobre o projeto.

Finalmente, para apoiar a sua participação no projeto do euro digital, o Banco de Portugal criou, em abril de 2022, o Grupo de Contacto com o Mercado sobre o euro digital, com o intuito de recolher as visões de diferentes setores da sociedade quanto às opções de desenho e distribuição do euro digital e quanto às oportunidades que a sua emissão poderá trazer para os vários intervenientes (consumidores, comerciantes, prestadores de serviços de pagamentos e fornecedores de infraestrutura de aceitação de pagamentos). Os membros deste grupo foram selecionados pelo Banco de Portugal com base na sua experiência profissional e relevância para o sistema financeiro e, em particular, no setor dos pagamentos.