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Paula Costa
Paula Costa, especialista em Finanças Pessoais (Fonte Divulgação)

Loud Budgeting: que tendência é esta que invadiu o Tik Tok?

Por: Paula Costa, especialista em Finanças Pessoais


Vamos começar pelo princípio…
Lembram-se do tempo em que as redes sociais eram uma espécie de irmandade, onde reencontrávamos amigos e parentes a quem tínhamos perdido o rasto? Pois bem, isso é coisa do século passado. A geração que candidamente apelido de “geração abelha Maia” (entendedores, entenderão), e que sociologicamente se classifica como geração X , ainda tem memória de estar no Facebook como numa “segunda casa”, sem fotogenia nem filtros, distribuindo “gostos” e “comentários”. Os emojis vieram muito mais tarde… Éramos ingénuos.

Os nossos filhos migraram do Facebook para outras redes sociais, porque não queriam estar no mesmo sítio onde os pais, e respetivos amigos, faziam figuras tristes e cuscavam a vida uns dos outros. Inevitavelmente, fomos também impelidos a explorar outras plataformas, onde a imagem substituía a palavra, se multiplicavam os vídeos com banda sonora, e nos entravam pelos olhos adentro conteúdos de gente que não conhecíamos e que, a bem dizer, não mereciam sequer dois minutos da nossa atenção.
#soquenao, como diz um dos hashtags com que agora nos expressamos.

Aderimos a outras redes, sérias e adultas como o Twitter (agora X) ou o LinkedIn, de entretenimento, como o YouTube, de mixórdias de temáticas, como o Pinterest ou o Instagram, e mais tarde o Tik Tok. Sem nos apercebemos, entramos num mundo paralelo de conteúdos curiosos, criativos, informativos, disparatados, ousados, cómicos, instrutivos, vazios de assunto ou repletos de mensagens motivacionais. Começamos a desabituar-nos daquela coisa antiga que era ler um texto com mais de cinco linhas, e ficamos viciados no consumo fácil da imagem e da locução.

A ingenuidade foi-se. Achamos nós.
Temos uma noção elementar do que são os algoritmos, e percebemos que muitas das sugestões que nos são servidas têm a ver com as preferências que vamos revelando a cada deslizar do dedo, mas que não confessamos aos que nos são mais próximos.

Atualmente, estamos nas redes sociais como seres forjados por filtros, recebendo infinitamente mais informação do que aquela que partilhamos ou conseguimos processar. A mera adesão a uma plataforma é um consentimento tácito para que celebridades, marcas, empresas, anónimos com milhares de seguidores, ou gente estranha com quem o algoritmo encontra afinidade, nos saturem com estímulos descarados, que alteram a nossa forma de estar, de vestir, de comer, de viajar, de pensar e até de comprar.

Os tempos mudaram.
Levamos uma vidinha mais ou menos, interrompida por um brunch (quem sabia o que isto era há 5 anos?), ou por uma refeição num sítio com comida tão bonita que merece reportagem fotográfica. Ansiamos por fins-de-semana em hotéis boutique (mais um conceito novo) ou por férias em resorts topo de gama, mas percebemos que o nosso ordenado não cresceu na mesma proporção que o rendimento dos influencers, que exibem um estilo de vida inacessível ao comum dos mortais.

E é aqui que introduzo a questão do dinheiro.
As marcas perceberam que a publicidade através de pessoas comuns – enquadradas no conceito de “user-generated content ” -, é tão ou mais credível do que a recomendação da melhor amiga, ou do que a dica da amiga da prima de outra amiga.

Pasmem-se com os números: mais de um terço das pessoas pertencentes à geração Z exploram oportunidades para ganhar dinheiro nas redes sociais, e mais de uma em cada dez consegue efetivamente gerar rendimentos em uma ou mais plataformas.

A isto chama-se “monetização de talento”.
Para muitos miúdos o maior projeto de vida não é entrar na faculdade ou trabalhar numa multinacional, mas sim descobrir uma habilidade que lhes permita ganhar dinheiro no mundo virtual. Na maior parte dos casos, a palavra “talento” é uma hipérbole, uma vez que há pessoas a ganhar dinheiro a jogar PlayStation, a demonstrar como se traça um risco perfeito com eyeliner, ou a preparar panquecas com aveia e banana.

A geração Z ampliou o sentido da expressão “ganhar dinheiro”, acrescentando-lhe atividades que não têm nada a ver com empregos, part-times ou biscates. Coincidentemente, esta é também a geração que tem mais dificuldade em encontrar emprego, ou em encontrar um trabalho cujo salário corresponda ao seu nível de formação (a melhor de sempre, segundo consta). Alguns destes criadores de conteúdos usufruem de rendimentos superiores aos dos respetivos pais, demonstrando uma maturidade financeira orientada para a poupança e para o investimento, que não aprenderam em casa, mas sim nas redes sociais.

Na minha missão de consultora em finanças pessoais, deparo-me com pessoas maduras que querem fazer planos para a reforma, que têm noção do seu sobre-endividamento e dos gastos excessivos, mas que persistem em proporcionar aos filhos um estilo de vida que não corresponde ao real poder de compra do agregado familiar.

Fomos educados em circunstâncias em que o dinheiro era um tema tabu, tão ou mais inibidor do que o sexo, e perpetuamos essa cultura na educação dos nossos filhos. A diferença em relação aos nossos pais é que substituímos o hábito da poupança pelo hábito de viver acima das possibilidades.

…e depois queixámos-mos da iliteracia financeira…
O conceito de “Loud Budgeting”, surgiu no TikTok num vídeo com pouco mais de um minuto, publicado no dia 30 de Dezembro de 2023, no qual um miúdo imberbe comenta que o chamado quiet luxury, que tantas influencers ainda apregoam, é uma tendência ultrapassada.

O seu argumento foi tão descomplicado que teve repercussão imediata: em primeiro lugar, as pessoas ricas, realmente ricas, evitam gastar dinheiro, ou pelo menos não apregoam o dinheiro que gastam; em segundo lugar, quando nós, os outros, os “não-ricos”, de classe média ou nem tanto, conseguimos evitar uma despesa desnecessária, somos invadidos por uma sensação de conquista pessoal, como se a resistência ao consumo fosse um super-poder que baixou em nós.

O lema do “Loud Budgeting” é EU NÃO QUERO GASTAR DINHEIRO, por oposição ao apelo consumista com que as redes sociais nos intoxicaram. Esta é uma tendência para o cidadão comum, uma “chamada à terra” para as pessoas que ganham salários que não suportam todos os incentivos à compra que cabem nos feeds diários. “Put that dollar in your pocket, chose a stock that’s gonna rocket ”, é o grito revolucionário de Lucas Battle, e inclui os dois pilares das finanças pessoais: poupança e investimento.

Um exemplo que costumo dar nos meus workshops é este: se a 3 de Janeiro de 2023 tivessem comprado uma ação da Meta (empresa dona do Facebook e do Instagram) por $123 (dólares americanos), poderiam tê-la vendido no dia 29 de Dezembro de 2023 por $323 (ou até um pouco mais). Sim, estes números são reais e o ganho é mesmo de $200 por ação. Para terem $123 em Janeiro – vou arredondar para 120€ para efeitos de exemplo – só necessitariam de ter poupado 10€ por mês no ano anterior. Agora imaginem que tinham feito uma poupança de 100€ por mês e compravam 10 ações da Meta. Num ano obteriam um ganho de 2.000€, valor este que poderia ser utilizado para amortizar o empréstimo da casa ou para pagar umas férias num destino tropical. Os mesmos 2.000€, se aplicados num depósito a prazo durante 365 dias, renderiam uma taxa de juro líquida, deduzidos os impostos e comissões, inferior à taxa de inflação, isto é, na prática, estariam a pagar ao Banco para vos guardar dinheiro e esses 2.000€ no final do ano valeriam 1.914€ .

Esta matemática simples que explico a adultos, com licenciaturas e experiência de vida, é o pressuposto inerente à filosofia dos influencers que promovem o “Loud Budgeting”. A preocupação com a poupança é uma consequência direta da inflação galopante e do aumento das taxas de juro nos empréstimos, não acompanhada por idêntico incremento nos depósitos ou outros instrumentos de poupança. Subitamente, tudo ficou mais caro, estupidamente caro nalguns casos, e as coisas que fazíamos com alguma regularidade, como jantar fora, comprar roupa na Zara ou até ir de automóvel para o trabalho, tornaram-se incomportáveis. Alguns optaram por manter hábitos de consumo à custa dos cartões de crédito e de mais endividamento, outros aceitaram que algumas das coisas que até 2020 eram triviais, se tinham transformando em extravagâncias.

A geração Z, a tal para quem fazer publicações é um emprego, foi a que começou com estes alertas para os excessos do consumismo. A seguir a esta vieram, claro, os Millenials. E depois, até os ditos peritos, consultores com currículo, veteranos nesta coisa do aconselhamento financeiro, começaram a ser pressionados pelos clientes para apresentarem soluções inteligentes de redução de despesas e de investimento a longo prazo.

O que está agora na moda, não é tomar um sumo detox numa esplanada com vista mar pelo preço de um “menu do dia” no restaurante lá do bairro, mas sim decidir que se prepara esse sumo em casa, ou então, mais radicalmente, assumir que a água também desintoxica e que, a partir de agora, se abdica de tomar mistelas verdes cujo benefício para a saúde é inferior ao rombo no orçamento mensal.

O termo é “Loud” (alto) – porque as redes sociais amplificam todas as mensagens – “Budgeting” (orçamentação) – porque todos os conteúdos giram à volta de fazer contas e construir planos financeiros para a vida pessoal. 

A divulgação social das nossas vidas tornou-nos mais responsáveis pelas coisas que partilhamos. Posso citar alguns exemplos com que seguramente nos identificamos: quem partilhou nos primeiros dias de Janeiro que ia começar a frequentar o ginásio, sente-se pressionado a não desistir porque ninguém gosta de falhar em público; quem anuncia um namorado/a novo, resiste a terminar a relação mesmo que essa pessoa seja um idiota, porque existem demasiados registos com olhares lânguidos e declarações românticas; quem tem a coragem de revelar o seu peso, e declara oficialmente ter entrado em dieta, andará a comer chocolates às escondidas e a encolher a barriga sempre que faz pose para uma fotografia com direito a publicação. As redes sociais tornam-nos reféns dos pensamentos e intenções que verbalizamos.

O Tik Tok tornou-se um “case study” na promoção desta “contabilização de promessas” , com fenómenos virais a surgirem a cada semana, arriscarei quase a toda a hora, num formato de consumo fácil. O sucesso destes “desafios” tem a ver com o inato desejo humano de reconhecimento e validação social. Assim, se eu comunico uma promessa e instigo outras pessoas a fazerem o mesmo, crio um efeito tribal. À medida que a comunidade cresce, interage, dá feedback e publica vídeos com mensagens semelhantes, o movimento cresce, viraliza e compromete todos os que se manifestaram a seu favor. O grupo incentiva um determinado comportamento, impõe o cumprimento de regras e exige demonstrações filmadas de que as nossas ações são conformes. Estes desafios têm o seu grau de toxicidade e parvoíce, mas também podem ter efeitos construtivos. No caso do “Loud Budgeting”, se eu declaro que vou ser mais responsável nos meus gastos diários, a “comunidade” apoia-me e aplaude-me.

Nós, os da geração X, andamos a renegociar dívidas e a procurar aconselhamento financeiro na esperança de gerar dinheiro onde não existe poupança. Estes miúdos, incentivam-se mutuamente a poupar e partilham dicas financeiras, algumas de extrema validade, num ciclo de motivação recíproca, que tanto empodera como impõe responsabilidades.

Os clientes que me procuram são, em regra, pessoas da minha idade que se inspiraram na minha história pessoal, de uma pessoa que passou de devedora a investidora, e se conseguiu reformar aos quarenta e oito anos de idade. O desafio que lhes coloco é sempre o de encontrar potenciais de poupança, que é como quem diz, aceitar que têm de gastar menos dinheiro, no pressuposto de que dificilmente está ao seu alcance ganhar mais.

Muitos desistem depois da primeira consulta porque descobrem que eu não possuo uma fórmula mágica que transforma dívidas em investimentos e que, até atingirem uma situação financeira minimamente confortável, têm de fazer sacrifícios que a sua mentalidade não é capaz de aceitar. Nalguns casos, há a vergonha de ter de vender ou trocar de carro, prescindir das férias no Algarve, recusar um convite para jantar. Por oposição, o “Loud Budgeting” promove precisamente as renúncias que estamos dispostos a fazer hoje a favor de um futuro mais confortável. A vergonha está em gastar mais do que o necessário.
Muitos dos criadores de conteúdos que apregoam os princípios do “Loud Budgeting” acreditam que se vão reformar aos trinta. E eu acredito que isso é mesmo uma possibilidade.

As premissas que sustentam o “Loud Budgeting” são apenas duas:
1) Definir objetivos e dá-los a conhecer aos outros
2) Definir prioridades e utilizá-las como guia para todas as decisões relacionadas com dinheiro

Tão fácil, que não percebo porque não aderem já!