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Susana Peralta
Conselheira do CES, Susana Peralta (Fonte Divulgação)

PRR: “Uniformização de plataformas de reporte e menos incerteza regulatória” – Susana Peralta

Por: Ana Vieira


O Conselho Económico e Social (CES) manifestou, num parecer emitido em fevereiro deste ano, preocupações de eficácia e eficiência sobre o desenho e a implementação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Para este órgão constitucional de consulta e consertação social, trata-se de um modelo de governação centralista e muito dependente do Ministério da Presidência e da Estrutura de Missão recuperar Portugal.

Em entrevista à PME Magazine, a relatora do parecer e conselheira do CES Susana Peralta, aponta, entre outras, incertezas ao “nível dos procedimentos necessários às candidaturas e à execução dos financiamentos, da burocracia envolvida, dos prazos de reporte”. 

PME Magazine (PME Mag.) – No parecer emitido pelo Conselho Económico e Social, intitulado “Parecer de Iniciativa sobre o Plano de Recuperação e Resiliência”, é realçada a falta de diálogo e envolvimento dos diferentes setores da sociedade na elaboração do PRR. Entre outros organismos, mencionam a Associação Nacional de Municípios (ANM) que não participou em qualquer fase de elaboração do Plano. Sendo a ANM a interlocutora do Governo com o poder local, não haverá o risco das principais necessidades das PME não terem resposta neste Plano?
Susana Peralta (S. P.) – Não necessariamente. O déficit de participação nas várias etapas do processo é um problema sobretudo de procedimento, de qualidade de feitura de políticas públicas. As consequências nos resultados da política só podem ser avaliadas com mais informação. Acresce que o facto de a ANM não ter sido ouvida poderá colocar em causa, sobretudo, o equilíbrio regional da política (não estou a dizer que coloca certamente, apenas que a possibilidade existe).


PME Mag. – Em que medida é que há uma definição clara do financiamento disponível e duração do ciclo de programação para cada programa PT2020, PT2030 e PRR? (exemplo do Programa Comércio Digital)?
S.P. – O que resulta do parecer não é uma incerteza quanto aos montantes e duração dos diferentes ciclos de financiamento. Existe incerteza ao nível dos procedimentos necessários às candidaturas e à execução dos financiamentos, da burocracia envolvida, dos prazos de reporte, etc., o que causa dificuldades às entidades no terreno e dificuldades na previsão de fluxos de caixa, o que também condiciona decisões de investimento ou contratação de RH. Existe, também, uma certa indefinição no que diz respeito à continuidade, ou transição, entre um ciclo e o seguinte, o que acaba por colocar em risco alguns projectos devido a hiatos sem financiamento ou com financiamento insuficiente.


PME Mag. – Outra constatação do CES é a falta de instrumentos na medição e divulgação do impacto do PRR na economia portuguesa. Também o Tribunal de Contas Europeu manifestou a sua preocupação com a falta de indicadores de impacto dos projetos financiados. Sem visibilidade e previsibilidade sobre os resultados de uma candidatura num programa como o PRR, ou outros congéneres, como é que as micro e pequenas empresas conseguirão candidatar-se?
S. P. – Os principais desafios que se colocam às PME na candidatura e acompanhamento da fase de execução do projeto têm a ver, por um lado, com a incerteza regulatório referida em 2. e, por outro, com a carga burocrática que as empresas de reduzida dimensão podem ter dificuldades em cumprir sem elevados custos de sistemas de informação e recursos humanos especializados de que não dispõem.

A falta de instrumentos de medição a que se refere o parecer prende-se com a dificuldade das instituições responsáveis pelas políticas públicas, incluindo ministérios e agências governamentais, terem dificuldade em sistematizar informação que permita aferir o impacto das políticas com indicadores de resultado e de impacto. Tal dificuldade de medição condiciona a capacidade de desenhar políticas orientadas por resultados, bem como de afinar as políticas por forma a melhorar os seus impactos no terreno.


PME Mag. – Um dos objetivos do PRR prevê um mercado interno em bom funcionamento com pequenas e médias empresas fortes. Que medidas deveriam ser acauteladas para que estas empresas (cerca de 4% do total de empresas em Portugal – dados de 2022 do INE/Pordata) beneficiassem dos apoios contidos no Plano?
S. P. – O âmbito do parecer não permite responder diretamente a esta pergunta, embora sugira que uma maior previsibilidade regulatória, constância nas plataformas de reporte, tipo de informação exigida, etc., pudesse facilitar a participação de pequenas organizações.

 

PME Mag. – Tendo em conta o mesmo parecer, acima citado, terão as micro empresas (cerca de 96% do total de empresas em Portugal – dados de 2022 do INE/Pordata) meios para submeterem uma candidatura, tendo em conta as dificuldades identificadas?
S. P. – É provável que enfrentem algumas dificuldades, devido aos aspectos já mencionados de alguma incerteza regulatória e de descontinuidades entre ciclos de programação. A falta de escala destas empresas condiciona necessariamente a capacidade de contratação de recursos especializados que conseguem fazer face às exigências dos programas.

No entanto, é importante assinalar que as necessidades de reporte e partilha de informação são essenciais à governança dos programas de financiamento e à fiscalização do bom uso dos fundos. Seria necessário, no entanto, respeitar tais exigências ao mesmo tempo que se minimizam os custos de contexto para as empresas, por exemplo, com uma uniformização de plataformas de reporte e menos incerteza regulatória.

 

Plano de Recuperação e Resiliência

O PRR é um programa de aplicação nacional, com um período de execução até 2026, que visa implementar um conjunto de reformas e investimentos destinados a repor o crescimento económico sustentado, após a pandemia, reforçando o objetivo de convergência com a Europa, ao longo da próxima década. O Conselho Europeu criou o Next Generation EU, um instrumento de mitigação do impacto económico e social da crise, contribuindo para assegurar o crescimento sustentável de longo prazo e responder aos desafios da dupla transição climática e digital. Este instrumento contém o Mecanismo de Recuperação e Resiliência onde se enquadra o PRR, um plano de investimentos para todos os portugueses, assente em três dimensões estruturantes: Resiliência; Transição Climática; Transição Digital.