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O estigma das vendas nas PME – parte 1

Por: Helga  Saraiva-Stewart

Ao longo de dois artigos vamos explorar os mitos e estigmas que perseguem os vendedores ainda hoje, alguns acontecimentos das últimas duas décadas que mudaram o mundo e a forma como a nova geração das vendas se adaptou a esta realidade e se manterá relevante face a novas dinâmicas.

Os últimos 20 anos testemunharam inovações, catástrofes e crises que transformaram  os mercados e criaram novas exigências às empresas e aos seus líderes. Fenómenos que afetam a forma como vendemos. Ao longo de dois artigos vamos explorar os mitos e estigmas que perseguem os vendedores ainda hoje, alguns acontecimentos das últimas duas décadas que mudaram o mundo e a forma como a nova-geração das vendas se adaptou a esta realidade e se manterá relevante face a novas dinâmicas.

Os mitos das vendas por Helga Stewart para a PME Magazine
Helga Stewart, fundadora e CEO da Lead-Results
(Foto: D. R.)

Infelizmente vender não é considerado ou desempenhado como uma ‘arte e uma ciência’, de forma consistente, em todo o lado, focado em melhorar a vida do cliente. No seu melhor associamos vender à excelência e integridade. No seu pior está implícito à falta de ética e criminalidade.

Quem é empresário, é vendedor

Preconceitos sobre as vendas e os vendedores persistem ainda hoje, um facto comprovado de forma simples quando alguém numa situação desesperada considera trabalhar ‘nem que seja’ nas vendas, ou ‘quem não tem trabalho, vai para vendas’. No entanto, a realidade do profissional das vendas B2B (Business to Business) nos mercados sofisticados ou altamente competitivos de hoje reflete que 20% dos indivíduos conquistam 80% das vendas no seu setor.

Wild West das vendas

A fama criada pelos vendedores desta Era marca – infelizmente – a nossa vida ainda hoje. Contam os registos históricos que esta geração de vendedores terá ouvido falar de uma pomada ‘milagrosa’ feita da gordura de cobra e água chinesa (Enhydris chinensis). Na verdade, este óleo era utilizado pelos imigrantes chineses nos Estados Unidos para aliviar a dor e o cansaço após o seu dia de trabalho árduo na construção da estrada de ferro transcontinental.

Hoje sabemos que a razão por detrás da sua eficácia é o Omega-3 que compunha a maioria do óleo. Mas no Wild West da América, sem cobras de água chinesas por perto, americanos gananciosos queriam produzir e vender a sua própria versão e começaram a promover produtos falsificados, feitos de óleos de guaxinim, gambá, marmota ou urso, sem qualquer consideração por benefícios ou cuidados medicinais.

“Rei das Cascavéis” Clark Stanley, o mais bem-sucedido vendedor da época, um cowboy virado empresário, causou grande agitação na Grande Exposição de 1893 em Chicago. Quando mata uma cascavel ao vivo, coze em água a ferver e ‘demonstra’ a utilização do seu óleo, a multidão eufórica não quer outra coisa.

Mas havia dois problemas: primeiro, o óleo de cascavel é comprovado ser muito menos eficaz que o da cobra chinesa. Segundo, o produto do Stanley não continha sequer uma gota de óleo de cascavel. Não só ele mentia quanto à eficácia do óleo de cascavel, mas o produto dele não tinha uma só gota do que ele alardeava.

Investigações federais em 1917 confiscaram o produto e depois de analisado provaram que era essencialmente óleo mineral, gordura de vaca, pimenta vermelha e terebintina. Stanley foi multado em $20 dólares por falsa propaganda, o equivalente a menos de $500 dólares hoje (um custo similar a uma das garrafas de seu produto).

Com centenas de compradores enfurecidos, esta multa não compromete sequer a motivação dos vendedores da banha da cobra que se seguiram.

Curiosamente, em Portugal de 1906 – 1910 estes vendedores anunciavam os seus produtos no Largo do Camões e no Rossio e “consagravam-se ao apostolado do extermínio contra o calo, a queda do cabelo, a nevralgia, a perfídia surda da cárie“.

O legado do século XXI

Os dias de hoje são fundamentalmente diferentes. O legado do vendedor da banha da cobra sobrevive até ao século XXI. Em especial, as últimas duas décadas são marcadas por crises financeiras e avanços tecnológicos que forçaram uma evolução nas vendas para ir de encontro com o Comprador sofisticado, informado, capacitado e digital.

Vivemos agora a 4ª Revolução Industrial, que acontece após três acontecimentos históricos transformadores. Em primeiro lugar, entre 1760 – 1830 passamos da produção manual à mecanizada. Em segundo lugar, por volta de 1850 a eletricidade permitiu a manufatura em massa. Em terceiro lugar, os meados do século XX viram a chegada da eletrónica, da tecnologia da informação e das telecomunicações.

Hoje somos marcados pela convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas, com nanotecnologias, neuro-tecnologias, robôs, inteligência artificial, biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, drones, carros self-driving e impressoras 3D, entre muito mais.

No Fórum Mundial de Davos em janeiro deste ano por exemplo, houve uma antecipação do que certos académicos acreditam quando falam de Revolução 4.0: esta era pode acabar com cinco milhões de vagas de trabalho nos 15 países mais industrializados do mundo.

Para os Comerciais, parte de um dos setores com maior rotatividade de recursos humanos, haverá profundas mudanças. Os mais reativos e/ou ‘administrativos’ são substituídos pela automatização. Os que sobrevivem, demonstram uma alta capacidade de análise critica e iniciam e gerem os clientes e as contas estratégicas que protegem a sustentabilidade da sua empresa.

Quem sobrevive

Neste contexto, o profissional de vendas é um parceiro que educa o seu cliente, que mostra novas formas em como o seu cliente pode eliminar problemas, reduzir riscos, gerar oportunidades ou ultrapassar dificuldades. Este comercial vende porque é uma consequência natural do valor que cria na interação com o seu cliente.

Saber identificar e comunicar o valor que a empresa, o comercial ou o seu produto/serviço representam para o seu cliente-alvo é uma das atividades mais difíceis e introspetivas que existe hoje em dia nas vendas. Mas é imprescindível para a sobrevivência daqueles que se comprometem a melhorar a vida do seu cliente.

Este é o papel dos líderes e quadros executivos das organizações que, juntamente com os seus departamentos de vendas, marketing, e serviço ao cliente obedecem às leis do comprador moderno e desafiam o estigma social negativo que cai sobre as suas equipas de vendas – criando boas experiências para o seu cliente e contribuindo para um mundo melhor.

Artigo originalmente publicado no Sapo Prime