Por: Ana Rita Justo
Com uma quebra de 2,4% na economia portuguesa no primeiro trimestre e o desemprego a aproximar-se dos níveis verificados durante o período da troika, a urgência por medidas para apoiar as empresas aumenta a cada dia. CIP e Confederação das Micro Pequenas e Médias Empresas falam à PME sobre o caminho a seguir.
O fantasma de uma crise tão má como a que levou à intervenção da troika é cada vez mais real. O Governo estima que Portugal chegue ao fim do ano com o desemprego nos 9,6% e uma quebra no produto interno bruto (PIB) a rondar os 7%, enquanto o número de empresas a aderir ao lay-off simplificado já superou os 100 mil.
António Saraiva, presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, considera que as “empresas portuguesas têm demonstrado uma grande resiliência nesta situação de exceção”, mas teme que isso não seja suficiente para ‘segurar’ a economia.
“O Governo tem revelado dificuldade em responder com a dimensão, com a agilidade e com a rapidez que considerámos, desde o primeiro momento, que a situação exige. Esta é uma avaliação motivada pelo contacto direto com as empresas, através das associações que integram a CIP, e que tem demonstrado ter total aderência com a realidade”, sublinha o presidente da CIP, acrescentando que há “um grande desfasamento entre as necessidades e os montantes mobilizados”, bem como “dificuldades na concretização dos apoios anunciados e mesmo dos aprovados”.
Jorge Pisco, presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), reconhece que “ninguém contava com esta calamidade, muito menos as micro e pequenas empresas”.
“Desde o primeiro momento que a CPPME afirmou que as medidas do Governo eram minimalistas e insuficientes, com a gravidade de se apoiarem em legislação anterior, face a uma situação nova e desconhecida. Veja-se por exemplo a Linha Capitalizar Covid19 com as regras de 2018, ou o lay-off assente no Código de Trabalho de 2017”, sublinha.
“O Governo tem revelado dificuldade em responder com a agilidade e com a rapidez que considerámos, desde o primeiro momento, que a situação exige”, diz António Saraiva
O responsável lembra que as microempresas representam 96,1% do total de empresas em Portugal (segundo dados do INE de 2018, eram 1.278.164 as empresas em Portugal, das quais 1.227.831 eram microempresas) e que é preciso “tomar medidas a médio e longo prazo, estruturantes” para fazer face a esta situação.
Retoma com confiança
Nesse sentido, o presidente da CPPME dá conta da disponibilidade da Confederação para “ajudar a construir uma economia forte e robusta”.
“Nesta nova fase, o Governo terá de trabalhar arduamente com as autoridades sanitárias responsáveis no sentido de ajudar a levantar a economia portuguesa, dando confiança aos seus agentes económicos”, advoga.
Tanto a CPPME como a CIP apresentaram medidas ao Governo de apoio às empresas neste contexto de pandemia. O presidente da CIP considera que, em primeiro lugar, o Governo deve promover instrumentos de capitalização das empresas, que “que possam subsistir e manter empregos”, bem como o reforço das “linhas de crédito disponibilizadas, que se encontram esgotadas, mas acrescentando capacidade de resposta do sistema financeiro e do sistema de garantia mútuo, ao mesmo tempo que tem de reduzir a burocracia, que atingiu um nível inaceitável”.
Na mesma linha, o presidente da CPPME defende a eliminação de todos os “impedimentos que as micro e pequenas empresas têm no acesso à legislação que estabelece e regula os apoios aos empresários, nomeadamente dívidas ao Fisco e à Segurança Social, incidentes bancários das empresas ou dos seus titulares, resultados e demonstrações de exercícios anteriores”.
“O Governo terá de trabalhar arduamente com as autoridades sanitárias responsáveis no sentido de ajudar a levantar a economia portuguesa”, sublinha Jorge Pisco
Além disso, Jorge Pisco defende uma “medida compensatória” que abranja um apoio aos sócios-gerentes, bem como instituir um regime jurídico de proteção em caso de desemprego para os sócios-gerentes.
Ambas as confederações concordam que o Estado deve, ainda, fazer o “pagamento urgente das dívidas às empresas, com prioridade às micro e pequenas empresas”, advoga o presidente da CPPME.
“O Estado pode e deve dar o exemplo, cumprindo prazos de pagamento a fornecedores, o que constitui, por si só, um apoio à liquidez dos agentes económicos. Pode e deve, igualmente, adaptar a fiscalidade para que esta constitua uma resposta a esta situação de exceção, contribuindo para a recuperação económica, através, por exemplo, do incentivo à capitalização e da criação de condições para a melhoria da liquidez”, refere, por seu turno, António Saraiva.
Gabinete de apoio para micro e PME
Uma das medidas defendidas pela CPPME é a criação “com a máxima urgência”, diz o presidente, de um gabinete de apoio para as micro e pequenas empresas, apontando que “a Segurança Social, o IAPMEI e a banca revelam não estar à altura do momento especial” que estamos a viver.
“As vítimas têm sido os micro, pequenos e médios empresários, os seus trabalhadores e as suas famílias que, batendo a estas portas, ou não são devidamente esclarecidos dos seus direitos, mesmo que insuficientes, ou lhes são exigidos imensos papéis e garantias”, lamenta.
O presidente revela, ainda: “Recebemos todos os dias dezenas e dezenas de testemunhos de todo o país, de empresários a relatar-nos os seus esforços para continuar com o seu negócio e as dificuldades que encontram junto dos departamentos oficiais”.
Jorge Pisco pede, também, a criação de um “fundo de tesouraria para as micro e pequenas empresas, à margem da Linha Capitalizar 2018”, além da isenção temporária de encargos fiscais e de outras despesas como água, luz e o pagamento de rendas, com “apoio compensatório aos proprietários dos imoveis”; a eliminação do Pagamento por Conta em 2020 e o “reembolso célere do IVA”.
Mais formação
Já a CIP advoga por mais investimento em formação, revela António Saraiva: “Antes o desenvolvimento da economia portuguesa já o exigia e essa exigência tornou- se mais premente com o choque provocado pela pandemia de Covid-19”.
O presidente da CIP lança, ainda, críticas à resposta da União Europeia a este contexto.
“O tempo de resposta da UE merece crítica, porque a morosidade tem como resultado empresas que desaparecem e empregos que deixam de existir, mas acredito que se conseguirá um entendimento para a criação e um programa de resposta a esta crise. Portugal terá de aproveitar esse apoio da melhor forma, com investimento regrado e produtivo, para que a economia se mantenha na rota dos ganhos de competitividade e não perca a corrida face a quem parte mais à frente”, sublinha.