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Cláudia Cerqueira
Cláudia Cerqueira, coach na GoodHabitz em Portugal (Fonte: Divulgação)

“Esta nova tendência vai ter impacto nas empresas e no panorama empresarial português” – Cláudia Cerqueira

Por: Djeisibel Lopes

A nova tendência do mercado de trabalho, Career Cushioning, apresenta-se como uma forma de reduzir a insatisfação e as inseguranças dos trabalhadores em relação ao trabalho atual com a procura constante por um “plano B”.

A PME Magazine conversou com Cláudia Cerqueira, coach na plataforma de e-learning GoodHabitz em Portugal para melhor entender como este movimento pode afetar o panorama empresarial no país e as medidas que podem ser tomadas pelas empresas para a retenção de talentos.

PME Magazine (PME Mag.) – O que leva os trabalhadores a adotarem a posição de “manter constantemente a procura por um plano B”?

Cláudia Cerqueira (C.C.) – O mercado de trabalho como o conhecemos atualmente, além de bastante dinâmico, é também muito imprevisível. Este panorama, entre outros fatores, justifica a instalação de uma, cada vez mais comum, mentalidade proativa e adaptativa entre a força de trabalho, tendo em vista múltiplas possibilidades de carreira para garantir o sucesso profissional, bem-estar e estabilidade a longo prazo e ainda a adaptação à dinâmica económico-social atual.

Esta mentalidade surge por diversas razões, entre elas o facto de muitos profissionais terem alguma insegurança nos cargos que ocupam, por assistirem a restruturações frequentes quer nas empresas onde trabalham, como nos setores onde atuam, mas também para verem os seus interesses profissionais cobertos em realidades profissionais distintas e/ou complementares. Como resultado desta insegurança, os mesmos tendem a sentir necessidade de uma maior proatividade na procura por oportunidades alternativas, como forma de garantirem o seu futuro. Ainda a um nível mais estrutural, Portugal vive constantemente tempos de incerteza económica que acabam por causar também aos colaboradores alguma inconstância e promovem a procura de planos B’s.

A nível pessoal, o talento que tem entrado no mercado de trabalho nos últimos anos, tem vindo a mostrar características bastante especificas, nomeadamente, o facto de procurar alinhar ao máximo os seus objetivos pessoais com os do sítio onde trabalha. Assim, quando isso não se verifica, acabam por se sentir pouco realizados profissionalmente e não hesitam em procurar novos caminhos profissionais, que os possam preencher mais. Ademais, os profissionais têm cada vez mais uma forte preocupação com o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, pelo que o procuram progressivamente.

Portanto, suportar longas horas de trabalho, stress excessivo ou falta de flexibilidade nas empresas, são motivo para explorar outras oportunidades. Por sua vez, existe também uma crescente ambição no que diz respeito à progressão de carreira. Quando os colaboradores sentem que são limitados e não têm oportunidade de desenvolvimento ou de assumir novas responsabilidades, procuram naturalmente outras vias para concretizar as suas aspirações. O mercado e a natureza do trabalho estão a evoluir bastante e de forma rápida e consistente devido à tecnologia. Todos nós temos consciência de que o mercado está cada vez mais volátil e que temos de nos adaptar às suas exigências para vingar e as empresas deverão estar também atentas a esta nova mentalidade.

PME Mag. – Em que áreas de formação o Career Cushioning poderá ser uma opção por parte dos profissionais?

C.C. – Pelo que se tem vindo a observar, o Career Cushioning chega um pouco a todos os setores, dado que não tem diretamente a ver com a área em si, mas sim com a instabilidade do mercado ou descontentamento sentidos pelos profissionais. E esta tendência é, portanto, um desafio generalizado entre as empresas. Os profissionais procuram desenvolver-se e evoluir diariamente e, se as organizações tiverem a perspicácia de reconhecer esta necessidade e identificarem, por exemplo, áreas que tornam os colaboradores versáteis, com aplicabilidade ao seu negócio e melhorarem a adaptabilidade dos profissionais a diversas áreas, estarão mais capacitadas para lhes dar resposta. Assim, ganharão competitividade no mercado.

PME Mag. – Quais as consequências desta nova tendência para as empresas em Portugal? Que impactos terá no panorama empresarial português?

C.C. – Esta nova tendência vai sem dúvida ter impacto nas empresas e no panorama empresarial português, tanto positivo como negativo. Em primeiro lugar, se atualmente já se faz sentir uma dificuldade generalizada em contratar e reter talento, à medida que esta tendência se dissemina, o desafio vai aumentar certamente. Os custos de reter talento aumentarão também e, por isso, as empresas acabarão por se ver obrigadas a investir mais nas necessidades dos colaboradores para os conseguir reter e envolver no negócio. Por outro lado, podem ainda começar a sentir-se algumas lacunas nas suas competências, dado que muitos procuram novos caminhos de carreira e podem não ter a totalidade das competências requeridas – ou pelo menos consolidadas – para os cargos, apesar de terem os perfis certos no momento da admissão.

O Career Cushioning terá também impactos positivos, como o aumento da adaptabilidade da força de trabalho, uma vez que os profissionais estão a procurar munir-se de competências mais diversas para serem mais adaptáveis à mudança. Isto beneficia as empresas porque terão talento mais flexível e capaz de transitar entre várias funções ou departamentos, se assim for necessário ou desejado. Além disso, profissionais com um leque mais diverso de habilidades e conhecimentos acabam por trazer novas perspetivas e ideias para a resolução de problemas. Este espírito de diversidade contribuirá para um ambiente de trabalho mais criativo e dinâmico e até para uma cultura de inovação e resolução de problemas.

As empresas podem sentir que esta tendência as vai impactar negativamente, porém, irá trazer-lhes também bastantes benefícios e potenciar uma forte evolução que, a médio e longo prazo, pode até mostrar-se um fator-chave de sucesso dos negócios.

PME Mag. – Que medidas as empresas poderão adotar para combater o Career Cushioning e, com isso, reter o talento?

C.C. – Combater o Career Cushioning começará sempre pelo reconhecimento das empresas de que esta é uma nova tendência e que está nas suas mãos ouvirem e interpretarem as necessidades dos colaboradores. Pacotes salarias atrativos são um fator importante de atração e retenção e um bom ponto de partida. Adicionalmente, os colaboradores procuram ainda formatos e dinâmicas de aprendizagem que privilegiem a agilidade, flexibilidade e conteúdos vários que respondam às suas necessidades de desenvolvimento e curiosidades. Através da formação, por exemplo, é possível e esperado que a empresa evolua de dentro para fora, trabalhando a vários níveis, como defendemos na GoodHabitz. Desde uma dimensão mais pessoal – impactando o colaborador e proporcionando-lhe uma experiência de usabilidade adaptada às suas preferências e dinâmicas pessoais -, passando pelo envolvimento das lideranças como embaixadores e responsáveis por provocar o desenvolvimento das equipas e terminando num nível mais global – da Organização como um todo, fazendo com que a aprendizagem seja uma ferramenta de evolução e não um fim em si. O caminho da formação poderá começar com a disponibilização de testes, assessments ou aferições que fazem o levantamento da forma como o colaborador se posiciona em determinada dimensão – estilo de comunicação, motivação, satisfação profissional entre outros.

A promoção do autoconhecimento é então fundamental para o caminho que conduzirá ao desenvolvimento de competências. Esta base de trabalho é promotora de um desenvolvimento consciente e adaptado às necessidades individuais, mas também realista e enquadrado com as necessidades corporativas. Acreditamos que este ponto de partida e consequente evolução é promotor de ambientes de trabalho consistentes e consequentes promovendo a retenção e equilibrando o peso que o career cushioning começa a assumir.

Por sua vez, traçar planos de carreira e discuti-los com frequência será igualmente uma postura a considerar na medida em que é essencial que colaboradores e empregadores saibam e alinhem as expectativas de evolução e crescimento de ambos.

A promoção do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional não pode, de modo nenhum, ser esquecida, dado que é também fulcral para combater o Career Cushioning. Esta é uma das prioridades da força de trabalho atual e, portanto, incentivar o equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal, através da implementação de políticas e modelos de trabalho ajustados às necessidades efetivas das partes ajudará à retenção do talento.

Finalmente, ademais das estratégias que referi anteriormente, é crucial manter um ambiente de trabalho positivo, que promova valores como a inclusão e colaboração. E é também fundamental não esquecer a importância de estabelecer boas práticas de gestão, promovendo lideranças comunicativas, que suportem as equipas e que estejam dispostas e capacitadas para dar e receber feedback contínuo.

Conjugando todas estas estratégias será possível promover a satisfação dos colaboradores, tornando-os mais comprometidos, alinhados e fiéis às empresas e, por sua vez, com menos vontade de procurar planos B.