Por: Afonso Godinho
A Associação de Marketing Digital tem vindo a mostrar-se apreensiva quanto ao Plano de Recuperação e Resiliência, apresentado pelo Governo, apontando alguns pontos que devem ser tidos em conta relativamente aos vários setores da Administração Pública e Academia. A Associação aponta ao governo uma “falta de conhecimento da realidade das diversas ferramentas e ações de investimento tecnológico que a Administração Pública tem efetuado” nos últimos anos.
Em entrevista à PME Magazine, Fernando Batista, presidente da Associação de Marketing Digital, faz uma análise às ferramentas de investimento tecnológico que podem contribuir para o crescimento económico do país, abordando a questão do Plano de Recuperação e Resiliência e das estratégias que considera importantes para o mesmo.
PME Magazine (PME Mag.) – Quais as ferramentas e ações de investimento tecnológico a que se referem e afirmam que devem ser incluídas no Plano de Recuperação e Resiliência, do ponto de vista da Administração Pública? E ao nível da Academia?
Fernando Batista (F. B.) – Com muito mérito, a Administração Pública portuguesa tem feito enormes esforços para o desenvolvimento de soluções e ferramentas que permitam a requalificação dos seus recursos humanos, quer através dos serviços de formação do INA – Direção Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas, quer via projetos digitais que a Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) tem vindo a desenvolver. Neste caso, a FCCN tem já a operar uma plataforma de ensino e formação à distância para grandes audiências, de seu nome NAU, que preenche, na totalidade, as aspirações e requisitos apresentados no Plano de Recuperação e Resiliência, sem necessidade de custos acrescidos. O único investimento é na criação de conteúdos de qualidade. Quando no PRR incluíram este tipo de investimento, inspiraram-se no exemplo inglês que disponibilizou uma plataforma global aos cidadãos com formação certificada para um vasto leque de áreas de conhecimento.
PME Mag. – Que estratégias de inovação consideram que deveriam fazer parte deste documento? Como é que as mesmas podem apoiar o desenvolvimento económico do país?
(F. B.) – Este plano é parco ou mesmo nulo no apoio ao desenvolvimento de inovação em setores como o digital e o criativo. Vemos um investimento muito forte em infraestruturas que deveriam ser pensadas de outra forma e não ser colocadas em prática só porque vai chegar mais dinheiro da União Europeia. Focando-me primeiro no setor que represento, vejo Portugal a ser dos países europeus com um dos maiores rácios de criação de empresas Martech (tecnológicas ligadas ao Marketing) que apresentam ofertas e serviços de qualidade muito acima da média, e que são já líderes mundiais ou que são dos maiores challengers dos líderes mundiais. Uma das estratégias relevantes a implementar será a promoção da descentralização empresarial, apoiando a deslocalização ou criação de empresas em regiões periféricas às grandes metrópoles e em regiões do interior, de modo a promover uma maior qualidade de vida, reanimar o tecido comercial local e reforçar o incentivo pela criação e implementação de centros de excelência técnica junto dos diversos polos universitários. Esta última não é mais do que replicar o que já sucede com sucesso em algumas cidades como Aveiro, Braga, Guimarães onde vemos não só pequenas e médias empresas a aproveitar este conhecimento, como grandes empresas a sedear polos de investigação e de excelência. Sinceramente, os custos avultados apresentados no plano vão trazer emprego a muito curto prazo e de forma indireta. O que Portugal precisa é de, focado nos três pilares apresentados no plano, dividir o investimento com um foco temporal, não só de gasto, mas também de obtenção de resultados. Algo que não aparece descrito em nenhuma linha do documento.
Este plano é nulo no apoio ao desenvolvimento de inovação em setores como o digital e o criativo.
PME Mag. – Que estratégias já existentes aponta como fundamentais? Que reformulações deveriam ser feitas às mesmas?
(F. B.) – Importante a estratégia de cibersegurança apresentada, bem como o investimento na criação de suplychains baseados em tecnologia blockchain, tal como já acontece em alguns países de leste e com muito sucesso. A nível de cibersegurança, podemos não conseguir competir com países como Israel, Estados Unidos, Rússia ou China, mas temos dos melhores recursos técnicos para potenciar uma forte capacidade de investigação e de combate ao cibercrime. É uma área onde já temos empresas com resultados comprovados e que necessitam, sim, de exposição e de apoio para abertura de mercados geográficos, mais do que de dinheiro.
PME Mag. – De que forma é que a Associação de Marketing Digital tem vindo a apoiar as empresas no âmbito da transição para o digital?
(F. B.) – A Associação Digital Marketers não tem como missão desenvolver ações de ativação de transição ou transformação digital. Esse é o foco de outras associações como é o caso da ACEPI, a qual tem vindo a efetuar um excelente trabalho com o seu programa apoiado pelo ministério da economia. Mesmo não tendo nenhum programa de criação de apoios, nem ser a nossa missão, temos desenvolvido diversas ações de consciencialização para a adoção do digital como canal não só de comunicação, como também de geração de valor económico transacional.
Temos dos melhores recursos técnicos para potenciar uma forte capacidade de investigação e de combate ao cibercrime.
PME Mag. – Como têm acompanhado o processo de transição digital das pequenas e médias empresas, em Portugal, ao longo do último ano? Como pode ser apoiado este processo de literacia digital?
(F. B.) – O último foi igual não só em Portugal, como no resto do mundo, onde todos tiveram de, a bem ou a mal, digitalizar-se com ou sem conhecimento. Ao longo deste último ano, temos reforçado os nossos esforços para consciencializar sobre a falha gravíssima de literacia digital. Mas este é um processo hercúleo: como é que podemos apoiar e incentivar a literacia digital, quando a literacia da língua portuguesa continua a níveis baixíssimos? A formação de base é realmente essencial, ainda nos dias que correm vemos empresas que criaram lojas online e não sabem como comunicar ou como vender. A Digital Marketers está a planear, ainda este ano, lançar uma projeto de apoio à literacia digital focada no marketing digital, que queremos e acreditamos que pode ser uma excelente ferramenta de apoio às empresas e profissionais do setor.
PME Mag. – A atual situação pandémica veio de algum modo alterar os vossos projetos e trabalhos em desenvolvimento?
(F. B.) – A situação pandémica mudou todas as regras do jogo. Tivemos que nos reinventar e estamos a reconstruir todo um processo de dinamização de literacia digital, acompanhamento de associados e promoção do associativismo empresarial que esteja cada vez mais focada na inovação e promoção de novos canais digitais.
Ao longo deste último ano, temos reforçado os nossos esforços para consciencializar sobre a falha gravíssima de literacia digital.
PME Mag. – De acordo com afirmações da Associação de Marketing Digital, esta é uma área que está a sofrer um grande impacto nos seus recursos humanos. De que forma poderá o Governo atuar para alterar a situação? O que pode ser desenvolvido nesse sentido?
(F. B.) – Na realidade, o Governo tem que fazer pouco, melhor, tem de investir pouco dinheiro e investir mais atenção. A Digital Marketers tem vindo a colaborar de forma muito próxima com a Direção Geral do Consumidor para a criação de documentação regulamentar para promoção das melhores práticas da comunicação e publicidade digital. Esta é uma área em que sabemos que o governo tem estado muito atento e que tem feito um trabalho muito meritório. Acreditamos que a criação de um quadro legislativo mais estável ao nível fiscal poderá ajudar a atrair todos aqueles que anualmente vêm passear ao Web Summit a estabelecerem os seus projetos em Portugal. Um trabalho de suporte a diversas redes digitais de empreendedorismo que já existem, focando-se no apoio a projetos disruptivos e que tragam mais valias para o tecido empresarial nacional e global deverá ser o foco. Isto não custa tanto dinheiro quanto isso, custa sim empenho, pessoas com visão estratégica para além de um período legislativo.
A Digital Marketers tem vindo a colaborar de forma muito próxima com a Direção Geral do Consumidor para a criação de documentação regulamentar para promoção das melhores práticas da comunicação e publicidade digital.
PME Mag. – Acredita na continuação de um regime digital, na generalidade dos setores, mesmo depois de ultrapassada a atual situação pandémica?
(F. B.) – Os últimos dados de diversos estudos apontam para que 30% da população ativa não volte a trabalhar no seu local de trabalho de forma fixa. A Gartner acabou de apresentar um estudo onde cerca de 80% das grandes empresas estão a criar planos de flexibilização de trabalho para que os seus colaboradores possam trabalhar a partir do local que quiserem, sem criar perdas de produtividade. Se a pandemia trouxe algo de positivo foi a possibilidade de se comprovar que todas as empresas podem adotar um formato flexível de trabalho sem perdas de produtividade. Mas isto só é possível através da manutenção de fluxos colaborativos em ambiente digital.
PME Mag. – Em termos da Associação de Marketing Digital, que trabalhos estão a ser desenvolvidos? E quais os projetos futuros?
(F. B.) – Estamos a planear implementar, ainda este ano, um projeto que apoie o cimentar do conhecimento dos profissionais de marketing digital, bem como apoiar a literacia digital. Para além deste projeto, temos vindo a reforçar as nossas parcerias de modo a disponibilizarmos aos nossos associados as melhores ferramentas de marketing digital no mercado e as melhores soluções de formação a preços mais competitivos. Em paralelo estamos a reforçar os nossos laços de ligação à Academia para impulsionar e promover uma melhor e maior investigação na área do marketing digital.