Por: João Fonseca, sócio da Deloitte e líder de consultoria para o setor bancário
A indústria de serviços financeiros enfrenta uma era de elevada disrupção. A alteração na cadeia de valor imposta por fintechs e big techs, os crescentes desafios regulatórios, o panorama de baixas taxas de juro e, não menos importante, a alteração nas expectativas dos clientes afetam de forma significativa o setor e obrigam a que a atividade bancária mude. No entanto, o mesmo não é necessariamente verdade no que diz respeito ao papel que os bancos tradicionais desempenham.
De facto, são muitos os estudos, entre os quais o “2020 Banking and Capital Markets” da Deloitte, que mostram que os bancos continuam a recolher a confiança dos clientes para garantir a proteção dos seus ativos financeiros, podendo inclusive evoluir para outros papéis como o de guardiões de identidade digital. Assim, deverão manter-se fieis à sua natureza e tirar partido daquilo que fazem melhor – oferecer, em escala, gestão avançada e risco e de instrumentos financeiros e proteção da privacidade dos seus clientes – apostando em paralelo na inovação da sua oferta para manterem a posição privilegiada de relacionamento com os clientes.
Para tal, a transformação digital está na agenda dos bancos incumbentes, que procuram modernizar-se por forma a criarem novas soluções que cumpram as expectativas dos seus clientes.
A tecnologia assume, naturalmente, um papel de destaque nestes programas, embora de forma paradoxal. Por um lado, é o principal catalisador de inovação e de diferenciação na oferta; por outro, é um fator limitativo devido a infraestruturas tecnológicas antiquadas e à dívida técnica que se acumulou ao longo de décadas de evolução aplicacional. Num inquérito feito pela Deloitte à escala global, apenas 54% dos CIO inquiridos manifestou confiança nas suas arquiteturas tecnológicas para satisfazer as crescentes necessidades de negócio.
Assim, uma das principais tendências identificadas no recente estudo Tech Trends 2020 da Deloitte é a modernização arquitetural e o papel de crescente importância que os arquitetos de TI virão a desempenhar nas organizações. É esperado que os arquitetos desçam das suas torres de marfim e passem a estar intimamente articulados com as equipas de desenvolvimento no desenho e implementação de soluções tecnológicas, tendo por objetivo a simplificação das soluções e a criação João Fonseca, sócio da Deloitte de agilidade técnica que permita às organizações competir no mercado. Algumas das principais medidas, às quais já começamos a assistir no mercado português, passam pela movimentação para ambientes cloud, a aposta em automação, a criação de camadas de integração que abstraiam a complexidade e antiguidade dos sistemas core e a aposta em processos de DevOps e NoOps.
Novos players têm entrado no ecossistema com relativo sucesso nos últimos anos. N26, Revolut e Quicken Loans – hoje, o maior originador de processos de crédito à habitação nos EUA – são alguns dos melhores exemplos. Mas também os bancos portugueses começam a oferecer soluções interessantes e diferenciadoras aos seus clientes: o Crédito Agrícola lançou o Moey!, a sua solução de banco digital; o DABOX é a aposta da CGD para tirar partido do movimento de open banking; o Novo Banco disponibiliza um novo processo digital para crédito à habitação.
Assim, na competição pela oferta da melhor experiência de cliente, os bancos deverão conseguir encontrar um equilíbrio na forma como olham para a tecnologia. A atualização de arquiteturas legacy é um processo longo e de elevado risco, pelo que será fundamental manter iniciativas paralelas de adoção de tecnologias disruptivas e de modernização de componentes tecnológicos por forma a permitir uma maior agilidade e reduzir o tempo de lançamento de soluções no mercado, aumentando assim o ritmo de inovação.