Por: Mafalda Marques
O programa Acredita Portugal é considerado o maior programa de aceleração de empresas a nível mundial e é Português. Em entrevista à PME Magazine, Fernando Fraga, diretor de inovação do programa, conta como evoluiu a iniciativa e para onde aponta o futuro.
PME Mag. – Como nasceu a ideia deste programa de empreendedorismo?
Fernando Fraga – O concurso de empreendedorismo da Acredita Portugal nasceu na sequência da crise económica de 2008. Na altura, um grupo de amigos (que se vieram a tornar os fundadores da associação) aperceberam-se que havia várias pessoas que estavam desempregadas (muitas apanhadas nos famosos despedimentos coletivos) mas que tinham vontade de arrancar com os seus próprios projetos e empresas. O grande desafio é que não sabiam como começar. Ora, uma vez que muitos dos elementos desse grupo de amigos eram consultores e o que faziam no dia-à-dia era precisamente a gestão de projetos, análise de viabilidade, etc, decidiram “associar-se” e criaram a Acredita Portugal para ajudar qualquer português com uma ideia de negócio a perceber como começar, mesmo que não tivesse nenhuma experiência em empreendedorismo ou gestão. Criou-se o concurso simplesmente porque assim era mais fácil. Começava num dia, acabava noutro. Os amigos do grupo que tivessem mais tempo podiam ajudar num ano e não ajudar no seguinte. Como era um concurso limitado no tempo, tornava-se mais fácil de gerir este grupo de voluntários. O grande desafio surgiu porque como haviam mesmo muito poucas iniciativas com este espirito (ajudar qualquer pessoa, independentemente da experiência, formação prévia e de o negócio ser ou não escalável) e em vez de se inscreverem apenas 20 ou 30 projetos (o que permitia um apoio um a um por parte parte dos consultores) inscreveram-se logo mais de 700 pessoas. Foi assim que acabámos a criar ferramentas online para conseguir ajudar tantos empreendedores. Entretanto o concurso cresceu e hoje em dia já são mais de 10.000 por ano.
PME Mag. – Qual o publico alvo e para que fins? Quais os desafios do arranque?
F.F. – Tal como no início, o público-alvo do concurso Montepio Acredita Portugal continua a ser apoiar todos os portugueses com uma ideia empreendedora. Não interessa se são homem ou mulher. Não interessa se têm ou não experiência. Não interessa se estão a criar uma nova rede social ou apenas um pequeno café que garante o emprego do promotor. Se tiverem vontade de desenvolver um projeto empreendedor o concurso dá as ferramentas necessárias para estruturar as ideias e transformá-las num projeto real. Temos outros programas específicos para projetos que estão num estado mais avançado, mas fazemos questão de manter o concurso ativo para poder apoiar qualquer pessoa, mesmo que a sua ideia não se enquadre nos programas de empreendedorismo “convencionais”.
Metas tangíveis
PME Mag. – Quais as metas atingidas nos primeiros cinco anos?
F.F. – Os primeiros cinco anos foram dedicados ao crescimento do concurso. Passámos dos primeiros 706 inscritos para um máximo histórico de 18.702 projetos inscritos apenas na quinta edição, o que nos tornou o segundo maior concurso de empreendedorismo do mundo. Foram anos de desafio porque o país ultrapassava uma crise económica profunda, mas que permitiu à Acredita Portugal consolidar-se e ter um impacto social enorme. Ao longo desses cinco anos desenvolveram-se através da Acredita Portugal mais de 5.500 planos de negócio.
PME Mag. – Qual foi o ponto de viragem no programa que o levou até hoje?
F.F. – A Acredita Portugal passou por três pontos de viragem. O primeiro foi a criação de uma estrutura de equipa fixa que trouxe uma estabilidade e crescimento sem precedentes à associação. Anteriormente as equipas que passavam pela Acredita eram com base em voluntariado ou, a determinado ponto, com a contratação de profissionais que trabalhavam a full time no projeto mas que estavam presentes apenas durante algumas edições. Infelizmente não havia a possibilidade de mantermos equipas mais estáveis, o que levava regularmente a uma perda do conhecimento acumulado e impedia que fossem dados passos estratégicos a pensar no crescimento a médio prazo da associação. O ponto de viragem foi quando conseguimos estabelecer parcerias-chave com o Montepio e KCS iT que vieram complementar a parceria que já tínhamos com a Brisa (e mais recentemente com as Águas de Gaia) , permitindo à Acredita Portugal desenvolver uma estrutura de equipa profissionalizada cuja maioria dos elementos já se mantém no projeto desde 2015. Esta diferença pode parecer pequena, mas permitiu profissionalizar em muito as atividades e dar um apoio ainda maior aos empreendedores portugueses. O segundo foi a criação de um programa de aceleração associado ao concurso de empreendedorismo. Anteriormente o concurso funcionava como um uma forma de dar as ferramentas a qualquer pessoa para arrancar, mas depois da ideia estar estruturada remetemos os projetos apenas para uma rede de parceiros. A partir do momento em que passámos a ter o programa de aceleração, a Acredita passou a apoiar os projetos desde a fase da ideia até estarem prontos para arrancar e entrar no mercado. O terceiro ponto de viragem foi a criação de duas incubadoras de empresas Acredita Portugal. Aconteceu em 2019 numa parceria com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia onde conseguimos apoiar de forma mais próxima os empreendedores da zona norte do país. Além do apoio desde a ideia à entrada do mercado, conseguimos incubar os melhores projetos da região e acompanhar os primeiros anos de desenvolvimento de cada um. Apesar de continuarmos com o mesmo propósito, é uma grande evolução desde os tempos iniciais em que existia apenas um grupo de amigos a querer apoiar as pessoas que não sabiam como arrancar com o seu negócio.
Balanço e futuro
PME Mag. – Qual o balanço destes dez anos?
F.F. – Ao fim de 10 anos temos mais de 100.000 projetos apoiados, mais de 11.000 planos de negócio desenvolvidos e mais de 30 projetos incubados. Em 2018 fizemos um estudo de impacto que nos demonstrou que os projetos apoiados pela Acredita Portugal já levantaram mais de 22 milhões de euros de investimento e faturam anualmente mais de 655 milhões de euros (o que corresponde a aproximadamente 0.34% do PIB). Ainda assim, ao contrário do que se possa pensar, o nosso maior orgulho não são estes projetos. São as dezenas de milhares de empreendedores que estruturam as suas ideias e perceberam que o melhor seria não arrancar uma vez que não estavam preparados. Pouparam assim milhares de euros de investimento que não teria retorno e, tão ou mais importante, vários anos de vida.
PME Mag. – Por onde passa o futuro da iniciativa?
F.F. – Aproxima-se uma nova crise económica e a Acredita Portugal vai ter um papel essencial na preparação de uma nova geração de empreendedores para os desafios do amanhã. Se há coisa que a crise de 2008 nos ensinou é que nas alturas de maiores dificuldades económicas, quando o desemprego aumenta, também aumenta o “empreendedorismo de necessidade” em que profissionais com muita experiência, mas sem emprego, tentam aplicar tudo o que sabem e criar as suas próprias empresas. O futuro da Acredita Portugal passa por apoiar esta nova vaga de empreendedores, continuar a ser um “ignite” (estímulo) que permite mesmo aos projetos mais simples terem apoio no arranque e desenvolver um novo conjunto de serviços ligados ao empreendedorismo que, em conjunto com as incubadoras, permitam aumentar ainda mais o sucesso das empresas portuguesas.