Por: Artur Salada Ferreira, administrador do centro de negócios Lisboa Biz
O acontecimento que aqui venho recordar, de memória, resulta do gosto que desde jovem dediquei ao funcionamento da Bolsa de Lisboa e do impacto que a expressão “Comprar gato por lebre”, proferida por Cavaco Silva, teve na época.
Até à revolução de abril de 1974, a Bolsa mantinha uma atividade reduzida e muito primária.
O mais interessante para os investidores consistia na negociação à margem da Bolsa, trocando as cautelas representativas das ações transacionadas. O leilão era um acontecimento especial com os corretores a atuarem como pregoeiros.
Tudo era manual, inclusive o quadro onde iam sendo manualmente colocados os preços de oferta de compra e venda das ações que iam sendo leiloadas na sala pelos negociadores e corretores.
Nas minhas idas frequentes ao Terreiro do Paço não perdia uma sessão da Bolsa interessante e, sobretudo, uma paragem no Café-Restaurante Martinho da Arcada, o mais antigo de Lisboa, inaugurado pelo Marquês de Pombal a 2 de fevereiro de 1782.
Esta Bolsa morreu com a revolução de 1974, sobretudo com as nacionalizações de março de 1975. Calcula- se que dois terços da economia foi nacionalizada, incluindo toda a banca nacional.
A Bolsa manteve-se praticamente encerrada até 1977 e só em meados da década de 1980 renasce em força.
Atrever-me-ia a considerar 1985 como o ano de arranque da nova Bolsa, conhecida à época pela Lei Sapateiro (jurista autor do novo quadro legal da Bolsa, publicado em 1977).
O ministro Miguel Cadilhe apela aos empresários para que se financiem na Bolsa para capitalizar as suas empresas em vez de recorrerem a empréstimos que conduzem ao seu endividamento.
O apelo foi ouvido e, por essa altura (1985), inicia se um processo de Capitalismo Popular no qual todos querem participar.
Por esta altura (junho de 1985) inicia a atividade o BCP, que passa a ser uma referência para o mercado, por ser o primeiro banco privado depois da revolução e modernizar métodos de abordar a atividade bancária.
Convive-se com a sensação de um certo elevador social que as reformas levadas a cabo por Cavaco Silva deixavam na população, bem como a perspetiva de vir a integrar o movimento de criação na Europa de um tempo mais próspero para todos.
É o tempo louco das OPV – Operações Públicas de Venda, em que todo o papel impresso era comprado, sem que o investidor tivesse conhecimento da situação económica e financeira da empresa de que estava a querer ser proprietário – às vezes nem sabia qual a atividade da empresa.
Aos balcões bancários formavam se filas a solicitar a subscrição de tudo o que estivesse à venda.
Entretanto, na Bolsa verificavam-se aumentos de 2, 3 pontos ao dia.
Começou a gerar-se uma autêntica bola de neve que crescia a um ritmo assustador para quem tinha consciência do que estava a acontecer.
Citando de memória, diria que Belmiro de Azevedo foi o campeão das OPV, cujos recursos permitiram expandir os negócios da Sonae, sobretudo na distribuição pelos conhecidos Continente e Modelo.
Isto é, o Capitalismo Popular contribuiu para o desenvolvimento dos grupos económicos.
Numa entrevista à RTP a 13 de outubro de 1987, Cavaco Silva, mostrou-se muito preocupado com a evolução do valor das ações e que alguns investidores estariam a “comprar gato por lebre”.
No dia seguinte, a Bolsa caiu 4% e alguns setores criaram a ideia de que Cavaco Silva tinha afundado a Bolsa.
Esta atribuição de culpa não faz sentido, é injusta e a prová-lo está o facto de que as Bolsas de todo o Mundo ’crasharam’ à volta de 20% no dia 19 de outubro de 1987.
O prejuízo que a maioria dos populares sofreu transformou-se em capital que fortaleceu alguns grupos económicos.
O Capitalismo Popular ruía estrondosamente mas deixava o seu contributo à economia portuguesa, dando músculo financeiro aos grupos económicos que lideraram as OPV.