Por: Ana Rita Justo
Fotos: André Areias – João Filipe Aguiar Fotografia
Entrou para a Renova com 34 anos e rapidamente chegou a CEO, cargo que ainda diz estar a “experimentar”. Trouxe inovação e manteve viva uma marca histórica e bem conhecida dos portugueses. O limite é o céu e a criatividade é aquilo que o faz, todos os dias, seguir o caminho da irreverência numa marca que emprega mais de 620 pessoas e exporta para cerca de 70 países.
PME Magazine – De onde vem a sua criatividade?
Paulo Pereira da Silva – Vem da minha curiosidade do mundo – acho eu Sempre fui muito curioso em relação ao mundo, às coisas e tenho uma enorme vontade de aprender, de conhecer ideias novas, conhecer pessoas novas e acho que vem muito daí.
PME Mag. – Depois de se formar em Engenharia Física, como é que surge esta oportunidade na Renova?
P. P. S. – Não sei [risos], ainda hoje me pergunto. Eu formei-me em engenharia física, na Suíça, e sempre pensei que queria ter uma carreira académica na área da física teórica, da física quântica, que é muito diferente de estar a fazer papel higiénico, mas tive um problema quando acabei o meu curso: não tinha o serviço militar feito e enquanto estive à espera de ser incorporado, ou não, resolvi fazer uma experiência no mundo real, na Renova, uma empresa à qual estava ligado familiarmente e o presidente do Conselho de Administração da Renova, na altura, convidou-me para fazer essa experiência e eu quis fazer essa experiência aqui. Acho que, 34 anos depois, ainda estou a fazer essa experiência…
PME Mag. – Como é que chega, então, a CEO?
P. P. S. – Acho que não sou uma pessoa boa para responder a essa pergunta, porque todo o meu percurso acaba por ser uma surpresa. Comecei como engenheiro, como assistente de um diretor de uma área da Renova, depois passei a diretor de produção, diretor fabril, entrei no Conselho de Administração e, muito novo, tinha 34 anos, de alguma forma, dei por mim a ser eleito presidente do Conselho de Administração da Renova. Foi assim, sempre tentando fazer o melhor possível e tentando, se quiser, acreditar nas pessoas que estavam à minha volta. Aquilo que eu mais gosto de fazer na vida é trabalhar com pessoas. Gosto muito de fazer mentoring, coaching e estar rodeado, mais tarde escolher pessoas que tenham talento bastante grande, aproveitar as diferentes competências que as pessoas têm, pô-las a render nas suas próprias competências é uma coisa que gosto muito. Acho que, tentando fazer bem – e não é fácil – e sempre com um espírito positivo, um bocadinho anunciando objetivos, depois tentando implementá-los na realidade, as coisas foram acontecendo.
Antes e depois do papel preto
PME Mag. – O papel higiénico preto foi o passo que a Renova teve de dar para se reinventar?
P. P. S. – Acho que a Renova, ao longo da história, sempre se reinventou. Estamos aqui numa fábrica, junto à nascente do rio Almonda, que era uma fábrica de papel de escrita e impressão e que nos anos 1960 começou a fabricar papel higiénico, produtos de consumo feitos à base de papel. Foi uma inovação, uma reinvenção brutal numa empresa de papel de escrita e impressão e este mercado era um mercado pequeno, de produtos de usar e deitar fora, numa altura de um Portugal dos anos 1960. Logo aí, houve uma enorme reinvenção da Renova, está no seu próprio nome, Renova, e gosto muito de chamar à atenção disso. As pessoas que estavam cá nessa altura deram um passo enorme de entrarem neste mercado. O papel higiénico preto aparece numa fase seguinte, numa fase nossa de internacionalização, porque, de facto, mudou a perceção do produto. O relacionamento das pessoas com o produto mudou, isso trouxe-nos legitimidade na indústria toda. Dessa forma, há um antes e um depois que não tem tanto que ver com nada interno, dentro da Renova, mas tem que ver com a perceção da marca para o exterior. Antes de existir o papel higiénico preto, se ia a ver um potencial cliente a Espanha, tinha de estar a dizer: “A Renova existe em Portugal desde 1939, era uma empresa de papel e mudou para este tipo de produtos e é líder desde então…”. Hoje em dia, se chegar a um potencial cliente na China, como estive em Xangai, digo: “Olhe, nós somos os do papel higiénico preto”. E não é preciso dizer mais nada. Portanto, fomos nós que o inventámos e aí há uma mudança e acho que esta mudança se chama ter legitimidade na indústria. De facto, do ponto de vista internacional e do ponto de vista exterior, essa mudança foi muito grande como possibilidade, ou como estrutura a partir da qual é possível internacionalizar a marca. Porque tudo o que fazemos não é meramente vender átomos e fibras de papel, é vender uma marca. E uma marca é uma coisa mais importante do que propriamente só os átomos e só as fibras que fazem o papel. Se conseguirmos, de alguma forma, criar alguma afetividade, ou alguma relação dos cidadãos com uma marca, consigo ter muito mais projeção e consigo ter muito mais negócio, relação com as pessoas, ao longo do tempo e não só num produto que não tem marca, que acontece de uma vez. Portanto, todo o nosso desenvolvimento na Renova foi decidido ser feito a partir da marca, de fazer a nossa própria marca. Em todos os países onde estamos fora daqui, estamos a fazer a nossa marca, o que é extremamente gratificante. Se alguém está no Cazaquistão e manda uma fotografia do supermercado em que está lá um rolo Renova encarnado ou de uma cor qualquer é um enorme orgulho, porque foi feito aqui, em Torres Novas, junto da nascente do rio Almonda. Para isso, a base de tudo foi o papel higiénico preto e esta mudança da perceção. Depois, não é que seja esse o produto que vai vender mais, mas é esse que dá a notoriedade à marca.
PME Mag. – Quantas pessoas trabalham diariamente no departamento criativo da Renova?
P. P. S. – Eu não sei se nós temos um departamento criativo. Eu diria que no departamento criativo da Renova trabalham todas as pessoas que trabalham na Renova, teria de dizer que são 650, mais todos os fãs da Renova, e ia buscar milhões! Acho que a criatividade vem muito da relação das pessoas e cada vez vem mais das redes de pessoas, fãs da marca, que estão fora da Renova, ou que estão dentro da Renova e que trazem ideias. Essas ideias, o que é que podem ser? Acho que, no fundo, são pequenas luzinhas que aparecem e, a partir das quais, nós podemos construir. O que temos de ter é capacidade de atrair essas ideias e nunca as censurar. Essas ideias podem ser fornecedores, podem ser as nossas pessoas, podem ser empresas, universidades, podem ser os fãs da Renova no mundo todo, que nos mandam coisas e ideias e, às vezes, utilizações do produto de forma diferente. Portanto, se me perguntar, o departamento criativo são as pessoas da Renova, mais os fãs da Renova. A quem dou uma importância enorme. E chamo fãs a todas as pessoas que estão ligadas à marca, de uma forma ou de outra, por uma relação, diria, emocional.
“Criatividade está na informalidade”
PME Mag. – Qual o processo para a criação de um produto novo?
P. P. S. – Eu não tenho um método para criar um novo produto, porque são muitos. Um novo produto pode vir de um investimento enorme da Renova numa nova linha de produção, numa nova máquina que permite fazer um papel dito estruturado, que nós chamamos cá dentro de 4D. É um investimento de milhões de euros, que implica estudos durante muito tempo do produto, de trabalho com os fabricantes das máquinas que o possam fazer, uma coisa muito demorada para chegar a um equipamento que possa fazer aquele produto. É um processo longo e com muitos intervenientes. Ou pode ser uma coisa extremamente diferente, que pode ser uma ideia de uma cor num produto. E aí pode ser qualquer pessoa que nos dá essa ideia. Portanto, acho que muito da criatividade, às vezes, está nalguma informalidade na génese das ideias. Depois, a escolha e o avançar e as [ideias] que se decide implementar ou não já entra dentro de um processo muito mais estruturado, mas a génese toda, e às vezes essa é muito importante para ter as ideias, é, deliberadamente, não estruturada e muito atrair as ideias que existem nos fãs todos. Depois decidimos: vamos fazer isto. Então, aí, já entra um diretor de projeto, trabalhar com as pessoas que é necessário trabalhar, cada vez mais de uma forma co-criativa. Posso dar-lhe um exemplo: um dos últimos produtos que lançámos foi uma embalagem em papel para papel higiénico e rolos de cozinha. Quisemos fazê-lo de maneira muito rápida, conseguir fazê-lo de maneira muito rápida é conseguir ter um fornecedor que me fizesse esse papel. Foi necessário, ao mesmo tempo, estar a trabalhar com o nosso fornecedor de embalagem de papel, com o nosso fabricante de equipamentos de embalar os produtos, com o fornecedor de papel do nosso fornecedor que o imprime, com um instituto em França, de investigação, em relação ao papel e como é que eu poderia ter um papel que tivesse as características certas para trabalhar. A rapidez, hoje em dia, na capacidade de criar produtos novos está muito num sistema muito, muito aberto e de ser capaz de trabalhar em não sei quantos pontos do mundo, com equipas diferentes e ao mesmo tempo. Portanto, implica muita capacidade de juntar ideias, juntar processos e ser capaz de o fazer com muita rapidez. Hoje, há cada vez mais pessoas, cada vez mais quadros que têm essa capacidade, têm um enorme talento. São pessoas diferentes, se calhar, do que eram as pessoas da minha geração, que estavam fechadas num laboratório, aqui dentro, oito horas por dia, a tentar fazer as coisas, muito compartimentadas entre diferentes áreas da empresa: o que era marketing, o que era a produção, o que eram os fornecedores e, hoje, é preciso muito mais interferência em todas as áreas para conseguir ter rapidez em fazer as coisas. Chamo a isto tentar ter uma estrutura de uma startup. Gosto muito de visitar startups, às vezes estou com pessoas muito novas, posso dizer miúdos, brilhantes! Estou a falar com eles e vejo os olhos a brilharem, a conhecerem os projetos de forma total, sabem sobre as vendas, sabem tudo da empresa deles e qualquer um deles é capaz de explicar com a maior das tranquilidades e com a maior das paixões o que é que estão a fazer e o que é que se propõem a fazer que ainda não estão a fazer e que, às vezes, é uma ideia. Acho que, na nossa dimensão, que do ponto de vista global é muito pequena, temos de trabalhar da mesma forma, trabalhar muito mais em equipa, trabalhar de forma muito mais, diria, desestruturada em tudo o que é este backoffice, este antes de chegar aos produtos e depois muito ordenado a fabricá-los e com muita competitividade, com todos os aspetos industriais. Acho que os espaços são muito importantes. Este espaço que está aqui é uma coisa muito importante, exatamente para não ter paredes, nem muros e para as pessoas poderem interferir umas com as outras. Temos aqui misturadas pessoas de todas as áreas: marketing com contabilidade, compras, vendas e, para mim, é muito interessante ter as pessoas todas juntas e não ter as pessoas compartimentadas e cada uma com a sua quinta e com o seu pequeno poder, mas, sim, toda a gente a fazer parte da mesma estrutura e do mesmo objetivo, que é desenvolver a marca.
PME Mag. – Isto aplica-se também às campanhas de marketing?
P. P. S. – Acho que a criatividade das campanhas também se aplica assim. Normalmente, há ideias que aparecem aqui dentro, de uma maneira ou de outra. Depois, a realização delas, às vezes, é feita com parceiros diferentes em diferentes sítios do mundo. Estamos a investir cada vez mais na área digital, para as nossas campanhas. Não é a totalidade, continuamos a fazer coisas em jornais, enfim, estou aqui a falar consigo, mas cada vez mais na área digital. E, às vezes, gosto muito de trabalhar com gente muito nova e cheia de ideias e de maneira, também, desestruturada. Temos alguns fornecedores, parceiros nomeadamente, que são empresas muito pequeninas e que estão a fazer um trabalho que acho excelente para nós nessa área. Uma delas é propriedade de um jogador de râguebi da equipa francesa de râguebi do irmão, trabalham com três ou quatro marcas de luxo em França e acho que fazem um trabalho muito engraçado. Trabalham connosco e eu cheguei lá porque gosto muito do trabalho que eles fazem. E acho muito importante. Eu aprendi muito a ler. Vivi em Abrantes, isolado do mundo, não havia internet na altura, aprendi muito nos livros, naquilo que li sobre a vida, sobre o mundo, muito, muito nos livros. E, hoje em dia, os meus clássicos são o Instagram das pessoas novas, onde passo muito, muito tempo a ver como é que as pessoas comunicam. É um mundo que eu desconheço totalmente, ou que não conheço bem e que não comunica da mesma forma que eu comunico. Aprendo imenso e tenho uma paixão, uma curiosidade enorme mais pelo Instagram do que pelo Facebook de gente nova, no mundo inteiro, de ver como é que comunicam. Na China, passei muito tempo a ver como é que as pessoas comunicam entre elas mesmo num país onde não posso ler, não sou capaz de ler, mas como o Instagram é muito através das imagens, acho que isso é cada vez mais importante na nossa vida e no nosso negócio de comunicar rapidamente através de uma imagem.
PME Mag. – Em 2017 o Metro de Paris censurou a campanha da Renova. Como é que reage às críticas à irreverência da marca?
P. P. S. – Eu acho que as pessoas têm todo o direito de ter opiniões sobre tudo e acho, até, muito interessante essa liberdade de comentar as coisas. Devo dizer-lhe: no meu interior, se eu fizer uma campanha que é agressiva e que eu acho que é agressiva por uma coisa qualquer ficaria relativamente preocupado. As pessoas vão sempre, umas gostar, outras não gostar, daquilo que eu tenho mais, mais, mais receio é que sejam indiferentes, porque se forem indiferentes não a veem e isso não me interessa para nada. Portanto, pelo facto de ser irreverente e de haver um comentário, pelo menos acho que as pessoas viram e comentaram e fazem com que a marca exista, porque ela interfere com os cidadãos. Essa campanha, no Metro de Paris, teve muita graça, porque, em França, ela existe nas estradas, em outdoors, em prédios e é um ombro de um homem com uma tatuagem, portanto, não consigo perceber qual é o problema que possa ter. É verdade que o papel higiénico é um produto difícil, porque quando fazemos uma comunicação qualquer de papel higiénico, se for um perfume, passa perfeitamente. Se for papel higiénico, as pessoas, por algum tabu que existe, vão ficar mais chocadas, vão ficar a ver mais, ou fazer um sorriso… Se for um produto de cosmética, ou um perfume, isso não acontece. Isso às vezes também me desagrada, porque temos centenas de pessoas de uma indústria que é perfeitamente espetacular e que implica fazer as próprias fibras da pasta, que nós não fazemos. Depois, fazer o papel, transformá-lo… É uma indústria, diria, brutal, enorme! Com imensa gente a trabalhar, a dar a vida para fazer um produto que tenha um custo que é muito baixo por quilo e, depois, ao mesmo tempo, ser muitíssimo pouco valorizada pelas pessoas e ter esses sorrisos com uma coisa qualquer. E fico contente com o papel higiénico preto, com esta mudança de relação com o produto, por achar que, se calhar, pouco a pouco, estamos a fazer um caminho e a fazer com que as pessoas, de alguma forma, respeitem mais o produto que estamos a fazer, que merece esse respeito, porque é o trabalho de imensa gente e o esforço diário de imensa gente e que merece ser valorizado, porque é mesmo fazer papel. A fabricação de papel é uma coisa, eu acho, lindíssima [sorri]!
PME Mag. – Tem medo que a Renova seja associada apenas a um mercado de luxo?
P. P. S. – Acho que a Renova, como marca, é percecionada de maneira muito diferente em diferentes mercados. Em Portugal, provavelmente, é uma marca histórica. Lembro-me de termos feito um estudo nos anos 1980 que dizia que era a marca das minhas avós, hoje já é capaz de aparecer como marca mais jovem e de luxo e um bocadinho diferente. Acho que, em Portugal, tem um bocadinho todas as áreas. A Renova tem produtos que cumprem as necessidades básicas das pessoas com uma relação qualidade-preço que acho que é a melhor que há, dentro da nossa marca, e depois tem produtos mais luxuosos, cujo objetivo já não é tanto o cumprir a necessidade básica, mas já pode ter que ver muito mais com lifestyle, com a decoração da casa de banho, com o que acontece nas marcas de luxo. Em Portugal, nós temos produtos de luxo, produtos premium, ou produtos normais que têm uma muito interessante relação qualidade-preço. Agora passo para um mercado onde estamos há muito pouco tempo, por exemplo, a Coreia do Sul: na Coreia do Sul vendemos pouco e praticamente só lenços de cores e com perfumes e os lenços da Renova na Coreia do Sul são percecionados como marca de luxo, como um produto europeu de muita qualidade, quase como se fosse um perfume. E está bem. Foi isso que foi pretendido aí, porque se eu entrasse como uma marca normal não existia na Coreia, porque, obviamente, essa categoria de produto, esse nível de produto está perfeitamente preenchido e nós não poderíamos ser concorrentes a partir daqui, mas começar como um produto muito diferenciado para nós é muito importante, exatamente para este desenvolvimento da Renova como marca – diria que é mesmo essencial. Como todas as marcas que estão sempre a lançar coisas novas e a tentar diferenciar-se e ter produtos diferentes. Apesar de ser papel higiénico, não sei porque é que não pode ser um produto engraçado, fun e de decoração como todos os outros. Não tem de ser um produto envergonhado, é uma coisa que tem que ver com a minha vida [risos]. Quando vim da física e comecei a trabalhar na Renova e dizia aos meus colegas que fazia papel higiénico toda a gente se ria um bocadinho. Pronto, é assim, acho que hoje em dia já é um bocadinho diferente.
PME Mag. – Sente o peso dessa responsabilidade, enquanto um dos grandes empregadores de Torres Novas?
P. P. S. – Diria que sinto a responsabilidade em relação a toda a gente, direta ou indiretamente, que está ligada à Renova. São as pessoas que estão a trabalhar aqui, as pessoas que estão a trabalhar em França, os acionistas da Renova, os nossos fornecedores, são, no limite, os cidadãos em geral com todos os produtos que nós fazemos, se estão bem feitos… Temos toda uma política, que eu não gosto de lhe chamar ambiental, mas gosto de falar mais de harmonia em relação à natureza, à reutilização das coisas, portanto, há todo um caminho que nunca está percorrido, é um desafio que tem de se fazer diariamente. Sinto imenso essa pressão, mas isso é a minha vida. É tentar, com algum bom senso, conseguir os compromissos entre todos os interesses de todas as pessoas, os meus clientes, os meus acionistas, todas as pessoas que trabalham aqui e, deixe-me dizer, isto tem de estar bem equilibrado, porque se um destes stakeholders, como se diz, tem um peso muito maior do que os outros vai correr mal. É uma vida num equilíbrio. Ainda acrescentava mais uma coisa, porque nós somos uma marca que existe, como marca, desde 1818 foi o ano em que o Congresso americano decidiu as estrelas e as riscas na bandeira. São muitos anos de marca. E também sinto alguma responsabilidade em relação a todas as pessoas que fizeram a marca, que já são de centenas de anos. E todas as pessoas que deram a vida por isso, que investiram, no passado, no passado mais recente, que merecem que haja a continuação dessa herança, é uma marca que liga muita gente. Acho que, cada vez mais, esse é um aspeto importante. Estive na China e estava a ver as marcas que estavam a falar e acho que esse aspeto de longevidade de uma marca e de conseguir existir ao longo de muito tempo é um valor até de um ponto de vista comercial. Portanto, também ter o cuidado com a própria história e com o futuro.
PME Mag. – Quando é que a Renova vai ser livre de plástico?
P. P. S. – Não sei quando é que pode ser totalmente livre de plástico. Gostaria de avançar muito mais depressa do que se está a avançar. Lançámos alguns produtos e, felizmente, não podemos obrigar os cidadãos a escolherem estes produtos e não outros. Em alguns dos nossos produtos tecnicamente ainda não é possível tirar tudo, mas é possível reutilizar. Noutros era possível avançar com mais velocidade e eu gostava de andar com mais velocidade, mas só posso ir à medida que as pessoas que compram os produtos também os comprarem, se eu fizer os produtos e não os vender tenho essa responsabilidade toda das pessoas que trabalham aqui, mas estamos preparados para ir com mais velocidade. Como sabe, aqui, tenho os meus primeiros clientes, que são as cadeias de distribuição, depois tenho o cidadão, portanto, tenho de ter os dois a aceitarem esta mudança. E por vezes não é fácil, acho que é uma coisa que vai demorar algum tempo, mas acho que, muito rapidamente, esse assunto vai ficar resolvido. Aí, sou extremamente otimista, se calhar não o sou tanto em relação ao aquecimento global, que é uma questão muitíssimo mais complexa, mas essa questão do plástico está muito mais na nossa mão de a mudar e acho que vai avançar depressa na globalidade. Sou um mergulhador e todas as minhas férias passo-as a mergulhar, portanto, sou particularmente sensível a esse aspeto.
PME Mag. – Algum produto novo que possa revelar?
P. P. S. – Não lhe posso dizer, mas dir-lhe-ia o seguinte: a coisa mais importante, para nós, neste momento é algum desenvolvimento geográfico da Renova em novos países. Quando estamos em novos países, porventura, precisamos de produtos um bocadinho diferentes, ou produtos, se calhar, mais premium, mais luxuosos. Uma área que estamos a desenvolver muito é a personalização. Temos o “Made by you”, em que se pode fazer upload das fotografias e nós enviamos, para qualquer sítio do mundo, guardanapos com as fotografias das pessoas, ou papel higiénico. Portanto, avançar muito nessa área de personalização dos produtos, porque acho que é uma coisa muito interessante para as pessoas terem liberdade de escolherem os seus próprios produtos. Como tendência um bocadinho do mundo – acho que está um bocadinho ligado à mudança das pessoas para as cidades – estamos em presença de uma certa desmaterialização das casas das pessoas. As pessoas têm menos coisas em casa, menos móveis. Tendo menos coisas, vão querer consumir menos átomos, menos quantidade de coisas, mas querem coisas mais engraçadas e ter prazer com coisas, diria, mais simples. Gosto muito de tornar em coisas extraordinárias coisas que são ordinárias, do dia-a-dia, portanto, a pessoa poder consumir menos, mas consumir com um sorriso, bem disposta, ter menos coisas mas ter uma vida mais light, mais de acordo com todo este problema do mundo e da escassez de recursos no mundo em que vivemos.
PME Mag. – Como avalia o grau de criatividade das empresas em Portugal?
P. P. S. – É difícil estar aqui a falar da criatividade das empresas em Portugal. Deixe-me pôr do outro lado: eu falo muito em universidades e tenho muito contacto com gente nova em Portugal e vejo muitos Instagrams e acho que nunca vi tanto talento. Nunca vi tanto talento e, às vezes, fico mesmo contente, babado, com um bocadinho de ciúmes de não ter essa idade. Acho que, por vezes, falta em Portugal capacidade de as pessoas arriscarem e de criarem a sua própria empresa. Às vezes, quando se está a falar da criatividade das empresas, eu não falo tanto das empresas instaladas, em geral, porque não é esse o problema, mas o que me falta é ver muito mais startups, muito mais gente que esteja a meio do curso e que comece a fazer um negócio e que comece a fazer coisas. Eu ando muito em Lisboa, no Porto e sou capaz de ver imensas lojas, restaurantes, coisas fantásticas feitas por gente nova, às vezes sem muitos recursos, mas de uma criatividade enorme. É giro e mudou todo o ambiente em que vivíamos. Acho que isso devia trazer-se também para as empresas tecnológicas e acho que nos faltam um bocadinho esses desafios. Ou seja, se calhar, as nossas escolas de engenheiros não estarem só a fazer técnicos para as muito grandes multinacionais e estarem a trabalhar numa muito grande multinacional, que é bom que o façam, mas alguns deveriam fazer a sua própria empresa, porque depois o valor criado vem de conseguir um Silicon Valley e acho que ainda nos falta isso. Está muito melhor do que estava há 10 ou 15 anos, os Web Summits e essas coisas têm feito essa mudança, mas acho que ainda há muito trabalho para fazer e tem muito que ver com a capacidade de arriscar, de uma pessoa nova arriscar, de não ser penalizado ou penalizada pelo falhar, porque, às vezes, as pessoas quando arriscam falham, mas isso não é um problema. Só não falha quem não fez nada e, portanto, essa criatividade aplicada no mundo real e nos negócios, comparada com o talento que eu acho que nós temos, há aqui um gap que é preciso mudar.
PME Mag. – Como vê a Renova daqui a cinco anos?
P. P. S. – Se tiver de responder rapidamente dizia: “Não sei”. Não sei. Cinco anos é amanhã, mas vejo-a como uma marca com uma maior expressão global, de estar em mais países, mais mercados, mais geografias, dentro dos seus próprios valores, do seu território, da sua linguagem e com um crescimento geográfico e poder levar a nossa marca, aquilo que somos, a mais gente, em diferentes sítios do mundo. Gostei de ver na China as pessoas a cheirarem os nossos produtos, a tocarem nos produtos. Se calhar, há aqui mercado em que podemos trabalhar. O outro lado desta questão tem muito que ver com os avanços tecnológicos. O mundo está a avançar muito. O Facebook, o Instagram são coisas relativamente recentes e tenho de ter a humildade de dizer que dentro de cinco anos pode haver uma coisa qualquer tecnológica – certamente o comércio digital, ligado ao digital, todas as vendas de internet, tudo isso avançará muito, os pagamentos todos vão ser diferentes e tudo isso vai ter implicações nos nossos negócios. O próprio protecionismo que começa a haver, não só nos Estados Unidos, vai afetar a capacidade de estar noutros sítios. O importante é ter uma estratégia de desenvolvimento e depois deixar aqui alguma capacidade de adaptação às oportunidades que vão existir. Temos uma indústria em França, portanto, continuar a desenvolver a Renova em França, continuar a desenvolvê-la aqui do ponto de vista industrial, ter a marca aí espalhada pelo mundo e, se tivesse que resolver, aquilo que eu gostava é que a Renova fosse a marca da nossa categoria de produtos mais amada no mundo.