Por: Helga Saraiva-Stewart
Este é o segundo de dois artigos que exploram os mitos e estigmas que perseguem os profissionais das vendas ainda hoje. Neste artigo vamos recordar alguns dos acontecimentos das últimas duas décadas que mudaram o mundo e a forma como a nova geração das vendas se adaptou à nova realidade e se manterá relevante face a novas dinâmicas.
É realmente impressionante verificar que a velocidade da inovação tecnológica está a ser maior do que a nossa capacidade de adaptar. Por exemplo, 90% de todos os dados criados no mundo foi gerado só nos últimos dois anos.
Os anos 1990
Em 1998 o email tornara-se gratuito há relativamente pouco tempo, a internet ainda não era mainstream e uma pequena empresa chamada Google estaria a ser lançada. Hoje mais de metade do planeta utiliza email, os nossos filhos não sabem o que é viver sem internet e 92.62% da informação pesquisada na internet é feita através do mecanismo de busca do Google.
Em 1998 o mais parecido a uma rede social na World Wide Web era um serviço de hospedagem de sites chamado Geocities aonde era possível visitar ‘cidades’ virtuais e pertencer a uma comunidade. Um serviço que chegou a atingir 38 milhões de páginas.
O Facebook por sua vez nasceu em 2004 e hoje conta com quase 2,41 mil milhões de utilizadores ativos mensais. Como uma das 10 empresas mais valiosas do mundo, o Facebook mudou completamente e para sempre a forma como nos relacionamos.
Em 1998 os telemóveis ainda tinham antenas, mas o primeiro conteúdo descarregado num telemóvel (um ringtone) foi lançado. O tom de toque CrazyFrog gerou receitas de 500 milhões dólares e alcançou o primeiro lugar no Top britânico, superando até mesmo a banda Coldplay. Agora existem mais de 3,1 milhões de toques disponíveis comercialmente para baixar no telemóvel.
Os 00’s (noughties)
Com o lançamento do iPod em 2001 e o iPhone em 2007, a Apple ergue a fasquia e revoluciona o termo dispositivos conectados e smartphone. Em 2008, a Google faz check-mate e conquista 85% do mercado de smartphones com o Android, um sistema operativo de código aberto que não é limitado ao hardware do produtor.
Pessoas a viver em aldeias remotas à volta do mundo, provavelmente sem acesso a uma casa-de-banho, poderão ter acesso a um smartphone android e a uma incalculável quantidade de informação nele contida.
E-commerce
1,92 mil milhões de pessoas vão comprar algo online em 2019 e 87% das pessoas procuram referências e testemunhos sobre produtos na Internet antes de tomarem a decisão de compra.
Concebida numa garagem em 1994, o gigante de e-commerce – a Amazon – é hoje uma das três empresas mais valorizadas e uma das cinco maiores empresas de tecnologia do mundo. Controla perto de metade das vendas em retalho nos EUA e gerou receitas líquidas de $232,9 mil milhões de dólares em 2018. Fundada cinco anos depois, o único outro gigante do e-commerce Alibaba já controla cerca de 58% deste mercado na China, atingindo receitas líquidas em 2018 de $10,21 mil milhões de dólares.
Há 25 anos tínhamos de fisicamente ir a lojas para comprar algo. A internet e o e-commerce abriram um universo de novas possibilidades. Depois de experimentar o serviço Amazon Prime, que entrega as compras gratuitamente em 48 horas e que agora conta com cerca de 100 milhões de subscritores, os compradores começam a exigir o mesmo de outros retalhistas online. Com bastante experiência em superar expectativas, o futuro da Amazon hoje parece indissociavelmente ligado à Inteligência Artificial e inovação no espaço comercial.
O dedo no ‘gatilho’
Agora, os comerciais estão preparados para atualizar no Linkedin, postar no Facebook, enviar Tweets, reunir através de Skype ou Webex, gravar um vídeo no YouTube e falar com a sua audiência onde quer que ela se encontre.
Agora, imagine um Diretor Comercial em Nova York ou Londres chegar ao seu escritório numa manhã e meramente anunciar à sua equipa que irão todos regressar às práticas de 20-30 anos atrás?
Numa formação de vendas old-school o indivíduo é ensinado competências para lidar com tarefas em vez de propósitos. Por exemplo: como se apresentar, como fazer a demonstração do produto, as frases para fechar a venda.
A nova-geração das vendas foca-se no propósito do contacto-frio, no alinhamento com os objetivos e desafios do cliente e no valor que se cria para o cliente na interação com ele.
O teatro das vendas
Ainda me lembro de literalmente ter de ler guiões numa conversa telefónica com um prospect. Há também quem se lembre de ter de memorizar a informação a relatar na demonstração do produto bem como os gestos a fazer durante a apresentação.
Para ‘fechar’ a venda havia frases definidas para serem utilizadas num momento específico. Hoje fechar o negócio é claramente importante, mas é um processo que começa no minuto em que nos apresentamos ao nosso cliente-alvo.
Para se apresentar não havia uma preocupação com uma boa primeira impressão ou em qualificar adequadamente o prospect. O costume era puxar conversa para o futebol ou a arte na parede com o intuito de desenvolver uma relação com a pessoa, acima de tudo.
Tempo é dinheiro
O tempo do cliente moderno é valioso e se o comercial não demonstrar quase imediatamente como se pode tornar um recurso de valor para ele(a), passa à história. Obviamente, se está a conviver com o cliente, saber ter uma conversa social é importante. Mas no contexto profissional, ser direto ao assunto é uma arte que muitos ainda não dominam.
Qualificar e fazer as perguntas certas e interessantes vai conquistar a atenção do prospect e aumentar a probabilidade de se tornar esse tal recurso valioso . Quando falamos não controlamos a venda, mas sim quando ouvimos atentamente as respostas que os clientes oferecem relativamente ao que lhes interessa.
Desenvolver uma boa relação profissional com o cliente já não é a finalidade na venda, mas sim um princípio básico. O verdadeiro valor na venda moderna não é produto em si, mas sim o conhecimento e a mais-valia que cria para o cliente durante toda a sua interação com ele. Vender tornou-se o resultado do valor gerado nessa interação.
Quem lidera?
Nos EUA e em países da Europa, como o Reino Unido, Alemanha, França, Escandinávia, Itália, Áustria e Irlanda, o setor das vendas é cada vez mais reconhecido e valorizado pelas empresas e indivíduos.
Empresas e mais recentemente colégios e universidades patrocinam e investem milhões de dólares no treino e desenvolvimento de talento para as áreas comerciais das organizações mais poderosas e competitivas do mundo. Estes negócios competem para atrair os melhores graduados e pós-graduados e oferecem remunerações e pacotes financeiros invejáveis, mantendo a carreira nas vendas entre as profissões mais bem pagas no mundo hoje.
As instabilidades financeiras
A recessão de 2000 causada pelos escândalos de fraude e corrupção empresarial e o estouro da bolha da Internet, agravada pelos atentados de Nova York, assistiu inúmeras empresas falir e a confiança geral dos investidores deteriorar.
As fragilidades nos mercados que se seguiram culminaram em 2007-2009 na que seria considerada a maior crise financeira desde a Grande Depressão de 1929. Dez anos depois, economias à volta do mundo mostram sinais de recuperação, embora entre constantes incertezas.
Eventos como o burst da .Com ou da Tech Bubble, os escândalos de fraudes empresariais como a Wordcom e a Enron, e o crash dos mercados internacionais em 2000-02 ficaram na história.
As catástrofes naturais, as mudanças climáticas, a pegada ecológica e o impacto irreversível do nosso consumo no planeta. A conclusão do Projecto do Genoma Humano em 2003, e genetic engineering em 2013.
Novo posicionamento
A forma como as empresas se posicionam nos seus mercados hoje em dia mudou radicalmente. Os melhores vendedores à volta do mundo adaptaram-se à nova realidade e às novas exigências do seu comprador (mais informado e digital) e adotaram novas técnicas e boas-praticas que executam na perfeição.
Vinte anos e várias lições aprendidas mais tarde, um facto é indiscutível para os profissionais nas vendas B2B. Vender nos mercados modernos, sofisticados ou altamente lucrativos tornou-se uma ‘arte e uma ciência’. A arte de cativar a atenção do nosso cliente e a ciência de cativar o cliente certo.
Artigo originalmente publicado no Sapo Prime