Por: Afonso Godinho
A Noocity é uma startup portuguesa que tem como objetivo fazer a conexão com a natureza, implementando um conceito de hora biológica nos terraços e varandas das empresas, de forma a promover melhores relações humanas e a apoiar a transição ecológica do tecido empresarial. A empresa tem vindo a desenvolver hortas low-tech, tendo já vendido mais de 7.000 camas de cultivo em todo o mundo.
Em entrevista à PME Magazine, José Ruivo, o CEO da Noocity, explica como surgiu este conceito e como é que o mesmo se tem desenvolvido, abordando questões como a atual situação pandémica, a expansão da empresa e adesão por parte do tecido empresarial.
PME Magazine – Como surgiu a Noocity? Qual o seu principal propósito?
José Ruivo – A Noocity é uma startup portuguesa que nasceu em 2013, em Portugal, quando três amigos com diferentes percursos de vida e formação (desde gestão à arquitetura sustentável) decidiram que queriam trocar a cidade para viver no campo. Estavam à procura de uma vida mais calma e tranquila, mais perto da natureza e fora da grande cidade. No entanto, havia coisas que os prendiam à cidade e que sempre foram imprescindíveis para o seu bem-estar e das suas famílias, e foi por isso que pensaram em fazer algo diferente. Já dizia o velho ditado que “se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé”. E foi exatamente isso que aconteceu. A Noocity foi criada com o objetivo de trazer o campo para a cidade. A ideia original era proporcionar, até aos mais citadinos, a experiência de viver no campo: mesmo que isso fosse à varanda, num pequeno terraço ou num talhão comunitário. Este conceito tem vindo a evoluir e queremos levá-lo também aos terraços das empresas. Inspirados por esta ideia e também pelos ideais da permacultura, a Noocity começou a ser criada em cima dos conceitos de agricultura biológica, agricultura urbana e da experiência comunitária que a natureza possibilita. Sempre com a máxima de que trabalha com a natureza e não contra ela. Desta forma, começámos por desenvolver hortas em casa, mas também em espaços colaborativos, que permitam às pessoas a experiência de se ligarem à terra e de viverem um estilo de vida mais sustentável. Através destas hortas, acreditamos que é possível não só inspirar a transição ecológica das empresas e das famílias, mas também criar novas comunidades em torno deste denominador comum: a natureza.
PME Mag. – Como avalia os primeiros anos da empresa?
J. R. – Ao longo destes últimos sete anos, o balanço que fazemos é bastante positivo. Procurámos tornar as nossas soluções o mais eficientes e inteligentes possível – em linha com uma nova era de smart low-tech – possibilitando o cultivo de hortas urbanas de forma mais fácil, mais simples e mais sustentável. Todas as hortas Noocity são simples, ecológicas, económicas, eficientes e muito versáteis também. Apesar da pandemia ter criado algumas barreiras ao nosso negócio, podemos dizer que, por outro lado, também nos está a trazer muitas oportunidades de crescimento. Principalmente agora, que é exatamente o momento em que muitas empresas estão a redefinir os seus espaços de trabalho, em linha com as tendências de trabalho colaborativas que irão ditar o futuro. A Noocity é uma marca que se preocupa com o futuro e que tem evoluído nesse sentido. Além de apelarmos a um estilo de vida mais consciente e sustentável, queremos assumir um papel ambientalmente ativo e de consciencialização social. Através das hortas e das experiências que proporcionamos em comunidade, queremos educar as pessoas para viverem uma vida melhor, levando-as a alterar os seus comportamentos e a tornarem-se, também elas, agentes de mudança.
A Noocity foi criada com o objetivo de trazer o campo para a cidade. A ideia original era proporcionar até aos mais citadinos a experiência de viver no campo.
PME Mag. – De que forma é que a atual situação pandémica veio alterar os projetos e desenvolvimentos da empresa?
J. R. – Tal como em muitos setores, a pandemia também afetou o negócio da Noocity – sobretudo na área das hortas corporativas, que é atualmente o nosso segmento core. Com o teletrabalho, as empresas retraíram os seus investimentos e tiveram que adotar estratégias de poupança internamente. Mas a pandemia também criou novas oportunidades, uma vez que despertou as pessoas para uma nova mentalidade e para a necessidade de fazerem algo diferente no seu dia-a-dia, de mudarem os seus hábitos para lhes permitir ter uma vida mais consciente. Hoje em dia, há muitas empresas que estão a repensar os seus espaços de trabalho e os temas da sustentabilidade, do networking e do convívio serão chave. Nesse ponto, a proposta de valor da Noocity junta o melhor destes dois mundos. É por isso que acreditamos que, no futuro, as pausas no trabalho serão à volta da horta e não apenas da máquina do café.
PME Mag. – De que forma é que os serviços da Noocity podem ajudar a organização interna das empresas? Qual o feedback que têm recebido das empresas?
J. R. – Através do trabalho que os nossos growers desenvolvem com as comunidades, promovemos o envolvimento de todas as equipas nas empresas em torno de um projeto comum (team building), com uma causa green e sustentável, o que permite melhorar o bem-estar geral e a colaboração transversal. Na interação com as hortas, os colaboradores criam rotinas saudáveis dentro da empresa, com pausas que lhes permitem descontrair e aliviar o stress do trabalho, e fomentar as relações com a sua equipa ou equipas diferentes. Além disso, as empresas estão também a promover a conexão dos seus colaboradores com aquilo que a terra nos dá, sendo que, antes de irem para casa, podem colher os seus próprios legumes biológicos para utilizar nas suas refeições em casa e partilhar com a sua família. O programa “Liga-te à Terra” oferece resultados tangíveis na promoção da transição e ajuda a cumprir os objetivos de Responsabilidade Social e Corporativa dentro das empresas, com o envolvimento de todos.
No futuro, as pausas no trabalho serão à volta da horta e não apenas da máquina do café.
PME Mag. – Quais os principais setores empresariais a apostar neste tipo de serviços?
J. R. – O nosso portfólio de clientes é muito variado e tem envolvido empresas muito diversas, ligadas às áreas da tecnologia, imobiliário, restauração, turismo, entre outras. Podemos dizer que, atualmente, no segmento corporativo – que é hoje o nosso maior foco – contamos com um total de 100 clientes, 70 dos mesmos em Portugal. A Microsoft, a Farfetch, a Natixis, Blip, mas também restaurantes como o Boa Bao e o Pedro Lemos, ambos no Porto, ou ainda hotéis como o Crown Plaza, o Hotel Selina ou Sheraton, em Cascais, já têm hortas Noocity. Residências de co-living, como a Smart Studios da Santa Apolónia e de Carcavelos, e Escolas de Negócios, como a Porto Business School, também já fazem parte do nosso núcleo de clientes. Em 2017, instalámos também duas camas de cultivo (growbeds) no Palácio de Belém. Em França, fomos também responsáveis pela instalação de uma horta corporativa na sede da UNESCO, uma mega horta biológica em pleno centro de Paris, que tem um total de dois mil metros quadrados. Em apenas quatro dias, montámos 155 camas de cultivo Noocity, alterando por completo a configuração e o propósito do espaço, que passou a ter a presença assídua do grower Noocity para, semanalmente, tratar da manutenção da horta.
PME Mag. – Em que consiste o projeto “Liga-te à Terra”?
J. R. – O “Liga-te à Terra” é um programa de atividades regulares em torno da horta, com ênfase na ecologia, nas relações humanas e qualidade de vida no trabalho, orientadas e dinamizadas pela nossa rede de growers. Enquanto elementos transformadores, os growers prestam um serviço totalmente dedicado, onde vão partilhando os seus conhecimentos em torno da horta com as pessoas, que depois levam esses conhecimentos para casa e aplicam. Através deste programa de transição, a Noocity procura envolver todos os colaboradores com as hortas e promover a sua ligação com o campo e natureza, que tanto se sente falta na cidade.
A Noocity procura envolver todos os colaboradores com as hortas e promover a sua ligação com o campo e natureza, que tanto se sente falta na cidade.
PME Mag. – Que outros serviços/projetos da empresa pode destacar?
J. R. – Para além do programa “Liga-te à Terra”, desenvolvido para empresas, para clientes particulares, a Noocity oferece o “Kit Horta em Casa”, que inclui tudo o que é preciso para começar a cultivar na varanda, num pequeno quintal ou no terraço. Este kit – que pode ser adquirido em formato pequeno, médio ou grande, em função das quantidades pretendidas – inclui uma cama de cultivo, substrato 100% natural, argila expandida, fertilizante biológico e uma seleção de sementes biológicas da época. Uma vez que a vida na cidade pode ser bastante apressada, aplicámos às nossas hortas o sistema de rega com mais provas dadas na permacultura e agricultura biológica. Para os que se esquecem de regar, os que gostam de viajar ou os que não sabem como lidar com a sua pequena horta em casa, o sistema de sub-irrigação da Noocity garante um acesso constante e adequado à água e uma autonomia de rega até três semanas.
PME Mag. – Existe algum plano de expansão a nível nacional, no sentido de abrirem novos pontos da empresa, para além do Porto?
J. R. – Para já, não existem planos para abrir novos pontos da empresa em Portugal. Todo o apoio próximo e local que temos prestado aos nossos clientes é feito pelos nossos growers. A nível nacional, a nossa rede de growers já se estende por Lisboa, Porto e Portimão.
PME Mag. – Qual o processo de internacionalização da empresa? Quais os países (a nível global) que mais têm apostado nos serviços da Noocity?
J. R. – Ao longo dos últimos anos, a Noocity tem vindo a expandir-se internacionalmente. Começou por explorar o mercado português e, mais tarde, o mercado francês, com o qual começou a criar uma forte ligação: com as suas pessoas, com a sua cultura, com o seu modo de vida. Atualmente, a marca é composta por pessoas de nacionalidade portuguesa e francesa, e já possuímos uma rede de growers e clientes não só em Portugal e França, mas também na Bélgica (mais precisamente, em Bruxelas). Nestes países, os mercados de jardinagem e agricultura urbana estão mais desenvolvidos, assim como uma cultura de bem-estar social e partilha – e é por isso que nos temos focado em fazer chegar a nossa oferta aos mesmos.
A marca é composta por pessoas de nacionalidade portuguesa e francesa, e já possuímos uma rede de growers e clientes não só em Portugal e França, mas também na Bélgica.
PME Mag. – Quantos colaboradores tem a empresa? Estão previstas contratações?
J. R. – De momento, a Noocity é composta por uma equipa central de 7 pessoas, que se divide entre Portugal e França. Para além desta equipa, foi criada, em 2019, uma rede de growers locais, que permite prestar o apoio e acompanhamento necessários aos clientes. Os growers são os jardineiros/agricultores urbanos da Noocity, e, neste momento, a nossa rede conta já com mais de 15 pessoas, em cidades como Lisboa, Porto, Paris, Lille, Lyon, Bordéus, Reims, Bruxelas e outras. O recrutamento dos growers é também feito localmente pela Noocity. Mais do que um agricultor, vemos um grower como alguém cuja função vai muito além do cultivo e produção de alimentos: é também alguém que tem esta missão de mudar perceções e comportamentos na cidade. É alguém que anima e dinamiza a experiência em torno das hortas e que, no decorrer desse processo, transmite a sua paixão e conhecimento aos que o rodeiam. Os growers são elementos de transição, agentes de mudança, pessoas que estão dispostas a mudar o seu estilo de vida e a ter um papel “socioambientalmente” ativo na sociedade. São pessoas que personificam a própria mudança e que agem em função dela. Estamos sempre recetivos a candidaturas de novos growers, desde que a localização seja estratégica para nós.
PME Mag. – O que diferencia a Noocity?
J. R. – A Noocity é uma marca única pelo seu poder em aliar a inovação (hortas urbanas inovadoras que beneficiam de um sistema de instalação prático e autossuficiente) e a adaptação (camas de cultivo modulares que se adaptam a qualquer espaço e/ou necessidade) a uma abordagem “glocal” (assistência personalizada e local em 13 cidades diferentes, em três países), que envolve todas as comunidades (alia entusiastas da natureza a growers profissionais). Além disso, a Noocity está completamente alinhada com a evolução socioambiental, metas sustentáveis e com as exigências do novo contexto. Atuamos no sentido de contribuir para uma mudança positiva, ajudar a mudar mentalidades e atitudes, e trazer valor à vida de quem nos procura. Queremos capacitar os agricultores urbanos para cultivar mais e melhores alimentos em qualquer lugar, de uma forma prática, eficiente e ecológica. Acreditamos que a natureza tem um lugar fundamental nas cidades do futuro e no quotidiano das nossas comunidades e que, quando integrada de forma inteligente e sustentável nos nossos hábitos diários, podemos partilhar o melhor que ela tem para nos dar. Acreditamos também no poder transformador do diálogo para combater a polarização, e sensibilizar e debater temas atuais e fundamentais para a sociedade – e é por isso que, no programa Liga-te à Terra, os workshops desenvolvidos pelos nossos growers incentivam à colaboração transversal e ao diálogo. O nosso grande objetivo é transformar cada cidade numa “Noocity”, sendo este um lugar onde cada cidadão está enraizado, em profunda ligação com a natureza e onde beneficia de uma vida sustentável e feliz.
Atuamos no sentido de contribuir para uma mudança positiva, ajudar a mudar mentalidades e atitudes, e trazer valor à vida de quem nos procura.
PME Mag. – Quais os projetos futuros que estão a ser pensados e/ou desenvolvidos pela empresa?
J. R. – Queremos continuar a expandir-nos e a fazer a mudança acontecer junto dos nossos principais parceiros e clientes, e é essencialmente este o nosso compromisso para os próximos anos: continuar a crescer nos países onde já atuamos, mas também expandir-nos para outros locais que queiram adotar esta mentalidade de crescimento feliz e sustentável. No seguimento da nossa estratégia corporativa de expansão em empresas e hotéis, temos também como ambição entrar no mercado residencial num futuro próximo e, por isso, estamos à procura dos primeiros parceiros para desenvolver um projeto de raiz de horta comunitária, num edifício habitacional. A Noocity é uma marca que se adapta a diferentes idades e propósitos de vida, eacreditamos que podemos continuar a ser um parceiro de valor para muitas e mais pessoas no futuro, inclusive para as novas gerações.