Por: Luís Parreirão, administrador do Family Office da Família Mota, Grupo Mota-Engil, e autor do livro “Empresas Familiares-Famílias Empresárias: Onde Está o Substantivo?”
Empresa familiar é liberdade, é o mercado a funcionar, é a mobilização dos recursos da família, é a possibilidade e a ambição de progredir, é a iniciativa individual e criativa a funcionar livremente.
Empresas familiares, famílias empresárias, famílias investidoras, todas têm um longo caminho a percorrer. Não se fechando sobre si próprias, conscientes de que a primacial missão de cada um dos seus membros é serem bons acionistas, quer de boas empresas, quer de bons investimentos.
É bom dizer que, nas últimas duas décadas, e especialmente na Europa comunitária, se tem percorrido um caminho que altera qualitativamente o conceito de empresa. Ao dar-lhe responsabilidades autónomas perante a sociedade, ao entender que os acionistas devem repartir o poder de condução da empresa com outros stakeholders, ao dar-lhe a obrigação de prosseguirem fins sociais como contrapartida da utilização, direta ou indireta, de bens comuns, ao impor-lhe o pagamento de externalidades, a empresa assume uma nova dimensão.
Desafio os leitores para uma reflexão que possa tentar responder à questão de saber se o family office não se deve integrar num family hub.
Se as famílias investidoras não devem criar a capacidade de, de forma organizada, simples, consensual, atual criar um hub no qual coexistam os níveis: família, investimento, gestão e governance.
O family hub é a “casa comum da família“, o ponto de encontro e de decisão, o guardião das tradições e dos valores, o gestor dos ativos e a consciência crítica de que, sempre que necessário, a todos chama à realidade. É onde se gere o efeito família e o seu capital, “colando” as duas realidades. Esta “casa comum da família”, ou family hub, está vocacionada para ser a interface, a plataforma na qual, com a plasticidade que cada um for capaz de lhe dar, pode ser mantida a família investidora.
É aqui que entram os protocolos familiares, a criação de regras próprias de governance para a família e para as empresas, o doseamento da entrada de profissionais nos vários níveis organizativos, as especificidades da governance da família e das empresas e a fixação das regras de relacionamento entre elas, ou a fixação das regras dos processos de tomada de decisão.
Refira-se que cerca de 80% das empresas privadas da China são detidas por famílias e, na Índia, as empresas familiares respondem por cerca de dois terços do PIB e por cerca de 30% do emprego total. Já no Brasil, as empresas familiares representam cerca de 40% do PIB, empregam cerca de 75% da força de trabalho e 15 delas estão entre as 500 maiores empresas do mundo. Na Europa, as empresas familiares são responsáveis por cerca de 50% do emprego e por cerca de 60% do volume de negócios gerados pela totalidade das empresas.
Países da Europa |
Percentagem de empresas familiares no total de empresas |
Espanha |
85% |
Alemanha |
75% |
Itália |
75% |
Portugal |
75% |
Reino Unido |
65% |
Países Baixos |
61% |
Suécia |
55% |
Lituânia |
38% |
Fonte: European Family Businesses
No âmbito da temática geral das empresas familiares, é também tema frequente de debate, e bem, a sucessão para as novas gerações, a forma de assegurar boas transições intergeracionais, ou a formação de sucessores.
Este debate nem sempre presta a devida atenção a um conjunto de novas questões que decorrem das alterações demográficas a que a nossa sociedade assiste e que assumirão uma dimensão bastante maior nos próximos anos. Em Portugal, a esperança média de vida é de pouco mais de 81 anos, quando, há 50 anos, era de 64 anos. Refira-se, ainda, que, à escala global, é previsível que, em 2050, países como a China ou a Rússia, bem como toda a Europa e toda a América do Norte, tenham mais de 25% da população com idade superior a 65 anos.
Ora, também no âmbito das empresas familiares é preciso avaliar os impactos destas novas realidades.
- Será que a sucessão não ocorrerá cada vez mais tarde?
- Como é que se gerem as expectativas das novas gerações?
- Será que passarão a coexistir na empresa três ou mais gerações com os laços de parentesco já bastante diluídos?
- Estarão todos preparados para assegurar um papel adequado às gerações mais velhas sabendo que estas vão permanecer ativas por muitos mais anos?
- A visão e os investimentos de longo prazo ganham com esta realidade uma nova dimensão e relevância?
Esta é uma nova reflexão que vale a pena fazer o mais cedo possível. Até como forma de evitar conflitos futuros.
As empresas familiares, apesar da sua acentuada e identitária individualidade, assumem características comuns que permitem a sua abordagem como conjunto. Uma dessas características, sobretudo nas primeiras gerações, é a conformação da empresa a partir da forte personalidade do seu fundador.
Fundar uma empresa, dar-lhe vida e sustentabilidade, criar condições para que se perpetue, exige uma personalidade forte, a que estão normalmente associados mandatos longos.
Também por isso é frequente que, ao conforto e estabilidade que tal situação propicia, suceda alguma instabilidade, alguns ajustamentos e uma nova abordagem ao exercício das diversas funções.
Ou seja, é natural que as funções concentradas durante muitos anos numa única pessoa passem a ser assumidas por várias, situação que poderá ser, em si mesma, bastante proveitosa.
E é bom ter presente que não estamos a falar de uma mera repartição de funções. Antes se pretende instituir uma verdadeira segregação de funções. Segregação que será sempre, em bom rigor, um puzzle virtuoso de poderes e contrapoderes. De facto, separar as decisões da família, as decisões dos negócios e as decisões de propriedade comporta um reforço significativo dos mecanismos de controlo, um diálogo institucionalizado com objetivos precisos e uma mobilização e participação mais alargadas.
Mas há uma questão que merece uma reflexão especial aàs PME de matriz familiar. O mundo global em que vivemos e os desafios de escala com que nos confrontamos como condição de sobrevivência impõem às famílias empresárias a necessidade de refletirem se não estará chegado o momento de se fundirem para ganhar escala. Mais importante do que saber quem manda, é saber se os investimentos são rentáveis. É todo um novo paradigma, porventura mais exigente, mas, seguramente mais compensador.
Certamente que não há caminhos perfeitos e, muito menos, uma única via. Este caminho está a ser experimentado nalgumas empresas familiares, ao que se sabe com resultados interessantes. Fica para reflexão dos leitores.