Terça-feira, Abril 1, 2025
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“O trabalho híbrido é o mais equilibrado.” Será?

Por: Margarida Porto, Business Development Manager & Entrepreneur 


Quantas vezes ouvimos que o regime de trabalho híbrido é o equilíbrio perfeito entre as vantagens do trabalho remoto e presencial e, por isso, o regime mais adequado? Afinal, “é o melhor de dois mundos”.

Mas será mesmo?
Embora compreenda a lógica desse argumento, reconheço-lhe lacunas e uma visão limitada da realidade das famílias em Portugal. O regime híbrido possui um viés centralista, bastante comum no nosso país.

As grandes oportunidades de carreira e negócio centram-se, maioritariamente, em Lisboa e no Porto – cidades onde se torna cada vez mais incomportável sustentar o preço das rendas e que continuam a ser tidas como as galinhas dos ovos de ouro do talento do nosso país.


O problema do viés centralista

O regime híbrido não considera o talento que está distribuído por todo o território nacional e é quem vive no interior, nas ilhas ou nas pequenas cidades que tem de escolher, constantemente, sacrificar um de dois: ou a vida familiar perto das suas raízes ou a carreira. Ao mesmo tempo, empresas fora dos grandes centros lutam para contratar e reter talento.

Enquanto isso, temos as grandes cidades com uma forte pressão urbana, com cada vez mais trânsito e poluição. Lidamos, diariamente, com pessoas irritadas, doentes e em stress constante, com um aumento significativo dos burnouts. E testemunhamos centenas de famílias estranguladas financeiramente, pois os salários não acompanham o custo de vida e o preço da habitação está cada vez mais em valores “para inglês (vi)ver”.

Do outro lado, temos as pequenas e médias empresas a tentarem equilibrar tudo isso com a forte carga fiscal do nosso país, a concorrência das multinacionais e a dificuldade na retenção dos seus recursos humanos.

Isto é ser produtivo?

Pessoas exaustas, infelizes e com dificuldades financeiras não são produtivas. Ponto. Alguém que está em modo de sobrevivência e sem rede de apoio não tem a mesma capacidade cognitiva de alguém que tem as suas necessidades básicas asseguradas. É uma questão de tempo até o departamento de Recursos Humanos receber mais uma baixa ou uma carta de rescisão, e ter de gastar mais tempo e dinheiro a contratar uma substituição.

Repito, isto é ser produtivo?

Atiramos as culpas para o governo e as suas políticas, porque é fácil atribuir-lhes responsabilidades sobre o estado do país e o terreno pouco fértil para a criação de negócio em Portugal. Contudo, qual é o nosso papel quando queremos fazer crescer o nosso negócio e não cuidamos da sua espinha dorsal – os trabalhadores?

O regime híbrido – perdoem-me os seus defensores – vem apenas colmatar alguns dos problemas. Efetivamente, reduz o tempo passado na deslocação casa-trabalho-casa, mas não o elimina e, convenhamos, o problema não é apenas o tempo. Permite que as pessoas possam viver um pouco mais longe, mas não o suficiente para que isso possibilite estar perto da sua rede de apoio porque ainda assim têm de ir 2 ou 3 vezes por semana ao escritório.

Contudo, não é um regime verdadeiramente equilibrado. Ou inclusivo.


Quem fica de fora?

Não venho com intenção de problematizar o trabalho presencial, mas alertar para o facto de a imposição deste regime excluir ou dificultar, à partida, a inclusão de profissionais que:
• Têm dor crónica ou doenças que acompanham e limitam a sua vida (ex. Endometriose, Chron, Síndrome do Intestino Irritável, Lúpus, etc).
• Têm uma deficiência ou condição motora limitada e enfrentam muito mais obstáculos no seu dia-a-dia para chegar a um escritório que, provavelmente, nem está adaptado para ser verdadeiramente acessível.
• São neurodivergentes (PHDA, Autismo, Síndrome de Tourette, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, entre outros)
• Tiveram de se tornar cuidadores informais de familiares
• Vivem a parentalidade a solo e têm de gerir uma vida com filhos e a sua carreira
• Recebem o salário médio em Portugal (reparem que não digo o mínimo…) e que não tiveram a bênção de ser herdeiros ou de comprar casa nos anos 90, tendo acesso dificultado a habitação própria a valores acessíveis.

Obviamente que nem todas as funções são compatíveis com o trabalho remoto, mas por que é que insistimos em bloquear esta opção nas funções que o permitem?

Nem do ponto de vista do negócio me faz sentido esta imposição. Um profissional que pode escolher o ambiente de trabalho em que é mais produtivo, vai ser infinitamente mais produtivo. Um trabalhador que tenha um maior equilíbrio entre vida pessoal e trabalho vai ter maior qualidade de vida e, por consequência, maior motivação e capacidade de apresentar bons resultados.

Perante a dificuldade em oferecer salários competitivos face ao custo de vida, oferecer flexibilidade de condições de trabalho é uma forma de captar e manter profissionais qualificados cujo trabalho é imprescindível para o crescimento do negócio.

“Mas o trabalho remoto não permite criar relação com os colegas e isso é importante para a cultura da empresa. Além disso, as pessoas encostam-se.”

Ouvi isto de um CEO de uma empresa que “apenas” ganhou o prémio de “Melhores Lugares para Trabalhar em Portugal” no ano em que teve toda a sua equipa a trabalhar em casa. Confesso que achei engraçado.

Será que as pessoas acham que um bom lugar para trabalhar é uma empresa onde não se cria relação com os colegas, perdendo assim a cultura de trabalho? Ou será que nos está a escapar o real problema que ninguém quer admitir?

Se já tentou gerir uma equipa remota e a produtividade descambou, trago notícias que talvez sejam difíceis de engolir:

Ou a empresa tem um problema de recrutamento ou tem um problema de gestão.

Na pior das hipóteses, tem ambos. Além disso, as equipas remotas que falham têm, na sua origem, um erro comum: são geridas da mesma forma que seriam geridas presencialmente. E isso não funciona.


Por que falham as equipas remotas em Portugal?

Costumo dizer que se pode gerir uma equipa presencial da mesma forma que se gere uma equipa remota, mas que não se pode gerir uma equipa remota da mesma forma que se gere uma equipa presencial.

Eis alguns dos motivos pelos quais uma equipa remota pode falhar:

Ausência de critérios rigorosos no recrutamento de profissionais, com demasiado foco nas competências técnicas e desvalorização das competências interpessoais

Um processo de recrutamento deve incluir uma avaliação sobre a capacidade do potencial trabalhador se adaptar à equipa e à cultura de trabalho da empresa.

Quando não se avaliam competências como a comunicação, a autonomia e a capacidade de adaptação, podemos cometer o erro de contratar profissionais competentes a nível técnico, mas que se incompatibilizam com os colegas, diminuem a moral da equipa e obrigam a uma gestão mais focada em controlo de danos do que em trabalho real.

As competências técnicas podem ser aprendidas ou melhoradas on the job.
A atitude e a postura, nem sempre.

Ausência de sistemas eficazes e processos bem documentados

Em Portugal, existe muito a cultura de fazer o onboarding de uma pessoa recentemente recrutada atribuindo um colega que o vai ensinar a fazer as coisas. Com sorte, se o recém-chegado levar um bloco de notas, já poupará algumas horas de perguntas repetidas sobre processos do dia a dia.

Uma dúvida rápida aqui, outra dúvida rápida ali. Uma chamada de 5 minutos só para esclarecer uns detalhes, e chega-se ao fim do dia e duas pessoas tiveram um dia pouco produtivo, tanto no trabalho como na integração e real formação do novo colaborador.

Agora, multiplique-se isso por cada pessoa nova que chega à empresa. Numa equipa remota, este sistema torna-se ainda mais exaustivo.

No modelo fully-remote, não existe babysitting. Não temos uma pessoa a dar-nos a mão e a mostrar-nos como fazer as nossas tarefas (enquanto acumula trabalho do seu lado), a certificar-se de que sabemos o que fazer, como fazer e quando fazer.

Existe um sistema de onboarding devidamente preparado e uniformizado para todos os novos colaboradores, garantindo que todos têm o mesmo nível de integração. E, no que diz respeito à formação técnica, existem processos bem documentados, disponíveis para consulta. Além disso, é atribuído um onboarding buddy, que vai tratar de prestar apoio, esclarecer dúvidas e garantir que a integração está a ser eficaz, sem que isso ocupe demasiado do seu tempo.

Uma cultura de trabalho abstrata e falta de iniciativas de Team Bonding

Um dos grandes argumentos contra o trabalho 100% remoto é a dificuldade em manter a cultura da empresa. E a minha questão é: se eu lhe pedisse para explicar a cultura da sua empresa, conseguiria fazê-lo de forma clara e sem lero-lero corporativo? Ou diria que todos vestem a camisola e são como uma família?

Saber-me-ia dizer por que filosofias se rege a sua forma de trabalho? O que fazem, em concreto, para estabelecer relações entre colegas? Que estilo de comunicação utilizam e quais as regras na interação com cada membro da equipa? Saberia dizer-me quais as boas práticas e os comportamentos a evitar?

No trabalho remoto, não se fomentam relações entre colegas com pausas para fumar, mesas de ping pong ou pausas para café na copa a comentar o estado do mundo. Criam-se espaços e iniciativas (ainda que virtuais) para que os trabalhadores se conheçam e interajam de forma intencional e saudável, como:

• Donut Calls – Uma chamada semanal de 30 minutos com uma pessoa da empresa com quem somos emparelhados aleatoriamente para falar sobre tudo, menos trabalho.
• Chamadas quinzenais em equipa – Para partilha de resultados, dúvidas e reflexões, definindo projetos para a próxima quinzena e aproveitando a ocasião para fazer um pequeno ice-break e exercício de team bonding.

• Chamada 1:1 mensal com o líder da equipa – Para partilha de desafios e feedback sobre projetos e resultados.

• Instruções sobre como comunicar de forma produtiva quando existe um desacordo e regras para manter limites saudáveis na interação com os colegas.

Estas são apenas algumas das dezenas de iniciativas que uma empresa pode e deve ter na gestão da sua equipa, independentemente de ser remota ou não.

Além disso, o trabalho 100% remoto não é sinónimo de total ausência de encontros presenciais. Na verdade, encontros esporádicos reforçam a ligação já criada remotamente e permitem manter todas as vantagens do modelo fully-remote.


Microgestão e infantilização dos profissionais

Quando recrutamos pessoas para a nossa equipa, estamos a contratar adultos que, à partida, terão a maturidade, autonomia e responsabilidade necessárias para cumprirem com as suas obrigações.

No entanto, vejo algumas empresas a esquecerem-se disso e a considerarem um bom líder, aquela pessoa que está sempre em cima da sua equipa, para que não lhe escape nada. E, muitas vezes, isto resulta numa infantilização dos profissionais e, consequentemente, numa desmotivação generalizada da equipa.

Na verdade, um bom líder ensina a sua equipa a comunicar proativamente e de forma clara as atualizações dos projetos, abre espaço a que se possa pedir ajuda e orienta os seus trabalhadores de forma a atingirem os seus objetivos.

A produtividade é medida pela quantidade de horas trabalhadas

Enquanto não existir um método de avaliação claro, objetivos bem definidos e KPIs para medir os resultados, a produtividade não vai passar de uma buzzword.

Alimentar uma cultura em que a produtividade é medida pela aparência de ocupação e horas ao computador (não necessariamente a trabalhar) é meio caminho andado para perder os bons recursos humanos que tem e ainda mais recursos financeiros a substituí-los.

Num modelo remoto, onde existe menos visibilidade física sobre o que cada trabalhador está a fazer, é imperativo ter métricas que ajudem a perceber o real nível de produtividade das equipas.


Qual a solução?

Tenho uma compreensão absoluta pelas empresas que tiveram de se adaptar à pressa ao regime remoto, no contexto de uma pandemia que trouxe tantas outras dificuldades associadas. Contudo, é importante relembrar que foi, de facto, um contexto excepcional.

É perfeitamente compreensível que uma adaptação à pressa, em circunstâncias que exigiram medidas extraordinárias, surja com algumas lacunas. Mas essas lacunas são passíveis de serem resolvidas.

É possível corrigir problemas de recrutamento e de gestão, com a implementação de processos mais eficazes. É possível – e imperativo, na minha opinião – formar líderes para criarem culturas de trabalho que sejam um lugar seguro e produtivo para as equipas. É imprescindível medir a produtividade real, em vez da aparente, para que se valorizem os ativos humanos que realmente fazem o nosso negócio crescer.

Oferecer a possibilidade de se trabalhar remotamente não é impor essa vontade. É oferecer a cada trabalhador a possibilidade de trabalharem no seu ambiente mais produtivo – pode ser no escritório, em casa ou num espaço de coworking.

E deixo-lhe um último segredo, fruto da minha experiência com equipas remotas, híbridas e presenciais:

Uma equipa que funciona bem remotamente, funcionará sempre bem presencialmente. Mas uma equipa que só funciona bem presencialmente… Talvez tenha algumas questões a resolver.

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