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Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa (Foto: Divulgação)

A economia após a pandemia

Por: Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa

Ainda que o ano de 2020 tenha iniciado com um elevado otimismo dos investidores, no último trimestre de 2019, em resposta aos sinais de abrandamento da economia global, as políticas monetárias expansionistas praticadas pelos bancos centrais das maiores economias, ao longo da última década, acentuaram-se ainda mais contribuindo para a ausência de ativos financeiros geradores de um rendimento estável e com baixo risco de preço. As políticas mais flexíveis de estímulo monetário, espelhadas num reforço acrescido de liquidez aos mercados, aos investidores e às economias, impulsionaram os níveis de apetite por ativos financeiros com maior risco, culminando em máximos consecutivos das bolsas norte-americanas, e do principal índice alemão, DAX30, já em 2020.

Os preços alcançados por esses ativos atingiram níveis apenas justificados pela falta de alternativas de investimento e pela crença de que o ano de 2020 se iria desenrolar sem sobressaltos de maior. Os mercados, até ao fenómeno Covid-19, registavam valorizações significativas nos últimos anos, e as ações norte-americanas subiam há 11 anos consecutivos, no que foi o maior período de tendência altista, vulgarmente conhecido por bull market, de sempre das bolsas. O Covid-19 foi o trigger. O pavio estava lá, seco e quente, apenas à espera da faísca.

Ora, quando se avaliam ativos incertos com base em pressupostos que se aproximam de um cenário de perfeição, a realidade tende, mais cedo ou mais tarde, a revelar-se menos perfeita. Essa constatação invariavelmente reflete-se em correções mais ou menos violentas dos preços dos ativos, que têm sido, neste caso, impactadas negativamente pelo alastrar do Coronavírus, e pelas perspetivas, que vão sendo consecutivamente revistas em baixa, para o crescimento económico. A recessão económica é uma realidade, desconhecendo-se a sua magnitude…

Os restantes meses do ano 2020 continuarão a ser afetados pela evolução e ritmo da propagação do vírus Covid-19, especialmente se houver uma segunda ou mesmo uma terceira vaga! Atualmente, o coronavírus é responsável por uma das maiores quedas de sempre do mercado acionista, comparáveis à grande depressão de 1929. À medida que o tempo passe, tomaremos conhecimento detalhado dos impactos económicos das restrições à circulação de pessoas. O encerramento de muitos organismos
públicos, de estabelecimentos comerciais e paulatinamente das fábricas, quer pelo aparecimento de colaboradores infetados ou por falta de encomendas ou mesmo de matérias-primas, terão um impacto significativamente negativo na economia. Assistiremos ao aparecimento de algum “cisne negro”? Estará para acontecer algo inimaginável, com um impacto económico impossível de mensurar?

“A recessão económica é uma realidade, desconhecendo-se a sua magnitude… “

Os subsídios de desemprego, um leading indicator importante da economia norte-americana, registou esta semana uma subida de 70 mil novos subsídios, para um total de 281 mil, valor mais alto desde meados de 2018. As perspetivas são de agudização nos próximos tempos, alcançando, muito provavelmente, os 400 mil em finais de abril. O mercado aguarda igualmente, com bastante expectativa, os números da confiança empresarial relativos ao mês de março, os denominados PMI. O vírus propaga-se, os impactos económicos agravam-se e as revisões em baixa das empresas relativamente aos seus resultados multiplicam-se.

Ninguém sabe o rumo que esta pandemia irá tomar. No entanto, ainda que se mantenham os níveis relativamente baixos de letalidade nos 2%, concentrados principalmente na população mais idosa e com morbilidade associadas, acreditamos que este cenário poderá causar uma disrupção significativa nas estruturas económicas globais no segundo trimestre, uma visão realista neste momento. Eventualmente, com algum otimismo, poderemos assistir a uma recuperação no segundo semestre do ano. Uma vez que estamos a lidar com elevados índices de incerteza, há a necessidade imperiosa de nos adaptarmos continuamente face às informações oficiais que nos chegam sobre este tema. Será essencial, portanto, para as empresas, ajustarem rapidamente a sua estratégia à realidade.

As respostas das autoridades para relançar a atividade económica e mitigar eventuais efeitos negativos desta crise de saúde pública já estão em curso há algum tempo. A China, que atualmente regressa lentamente à normalidade, iniciou esse processo em janeiro com o banco central a renovar estímulos monetários. Já o banco central norte-americano cortou extraordinariamente duas vezes as taxas de juro, em 50 e em 100 pontos, respetivamente, retomando-as a níveis históricos, no intervalo entre de 0% a 0,25%, que manteve durante sete anos, após a crise financeira de 2008. A 23 de março, a FED avançou ainda com um Quantitative Easing (QE) ilimitado para amparar a economia dos EUA.

Por sua vez, o Banco de Inglaterra cortou também duas vezes as taxas diretoras, em 50 e 15 pontos, respetivamente, para o nível mais baixo de sempre de 0,1% e reforçou ainda a compra de títulos de dívida.

Finalmente, o Banco Central Europeu, após ter referido em março que iria aumentar as compras de ativos em 120 mil milhões de euros no ano de 2020, sendo que o QE já era de 20 mil milhões de euros mensais, decidiu posteriormente fortificá-lo significativamente com mais 750 mil milhões de euros até ao final do ano. O balanço do BCE aumentará para cerca de 5,5 biliões de euros, metade do PIB da Zona Euro, valor que quintuplicou em dez anos.

Este novo ciclo de suporte monetário será também acompanhado de um relaxamento da política orçamental, com estímulos fiscais e aumento da despesa pública, tanto na Europa como nos Estados Unidos. As eleições presidenciais norte-americanas, em novembro, tinham já contribuído para a existência de maior apoio à atividade económica pelo presidente em funções, que agora será consideravelmente reforçada.

“Com algum otimismo, poderemos assistir a uma recuperação no segundo semestre do ano”

O resto do ano deverá continuar a ser pautado por baixas taxas de juros nos produtos sem risco de crédito, encaminhando os investidores para as alternativas com maior risco, isto é, para as obrigações de emitentes com menor qualidade creditícia e para as ações. Porém, no momento atual, apesar de aparecerem boas oportunidades nas empresas com fundamentais resilientes e equipas de gestão de qualidade, também castigadas por este fenómeno, há uma preferência por liquidez no curto prazo em virtude da elevada incerteza e significativa volatilidade do mercado. As bolsas apresentaram no mês de março um comportamento semelhante ao fatídico outubro de 2008, quando se registaram os valores mais elevados para o VIX, o índice de volatilidade do índice norte-americano, S&P 500.

O desempenho dos títulos em bolsa é inversamente proporcional à curva exponencial do total de infetados com Covid-19. As ações e obrigações de maior risco, nomeadamente as High Yield, estão a ser as mais penalizadas.

Uma recessão económica cada vez mais intensa é uma realidade perante o avanço do Covid-19. O aumento do desemprego, e uma redução do rendimento disponível, acarretará problemas acrescidos às famílias e empresas com dificuldades financeiras. A subida do crédito malparado e o correspondente aumento das imparidades dos bancos será uma realidade incontornável. Um setor bancário que já estava há anos depauperado pelas taxas de juro negativas, que se traduziram em margens muito estreitas, ou mesmo negativas, impactarão negativamente o produto bancário. Também a pressão continuada sobre as comissões cobradas pelos bancos, onde este setor ainda conseguia alguma receita substancial, deixará a banca mais fragilizada. As linhas de financiamento do governo português, suportadas por políticas comunitárias coordenadas, apoiarão grande parte do tecido empresarial português, espelhado em micro, pequenas e médias empresas, na recuperação económica e financeira das mesmas. Finalmente, um suporte relevante às famílias mais afetadas com a recessão económica, que se avizinha, ajudará a atenuar a pressão sobre a banca nacional e a alivar o crescimento do malparado.

Em suma, provavelmente, teremos uma recuperação em “V”, se o segundo semestre se comportar positivamente. Mas se as sequelas financeiras do Covid-19 forem mais duradouras, então a recuperação será em “U” ou em “L”. A incerteza é a palavra chave de momento…


*Artigo de opinião redigido a 23 de março.