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José Campos e André Carvalho, Co-CEO do Grupo Tangível (Foto: Divulgação)(

“A tendência é a valorização da experiência” – André Carvalho

Por: Sara Fonseca

A experiência, como um todo, no ato de efetuar uma compra de um serviço ou produto está a ser vista como a maior transformação digital. Como tal, os Co-CEO do Grupo Tangível, André Carvalho e José Campos, falaram, em entrevista à PME Magazine, da importância do human centered design e de como é que este fator pode facilitar a vida das pessoas. O Grupo Tangível é uma consultora especializada em talento digital.

PME Magazine (PME Mag.) –  O que distingue o Grupo Tangível, sendo uma empresa dedicada a human-centered design em Portugal?

José Campos (J. C.) –human centered design dedica-se a design de serviços, de produtos digitais e de produtos não digitais centrados nas necessidades das pessoas. As ideias não saem necessariamente de um gabinete ou de uma sala com pessoas iluminadas, mas resultam, sim, de uma investigação junto das pessoas, dos consumidores. Consoante as necessidades que têm, desenhamos o produto como uma luva para a mão. O nosso mote é simplificar a vida às pessoas: fazeêmo-lo através deste human-centered design, ou seja, usamos o design para simplificar a vida às pessoas. O momento em que estamos, com a nossa sociedade, já é suficientemente complexo. Há vários estudos que mostram que nunca a sociedade evoluiu tanto como está a evoluir agora, portanto, é fácil retirar daí que os desafios para as pessoas são elevados e muito rápidos, pelo que temos de nos adaptar. Tudo à nossa volta está numa aceleração de mudança, seja digital, que em grande parte é, ou outro tipo de mudança. O design, em Portugal, é muitas vezes associado de uma forma redutora a algo gráfico, mas nós desenhamos serviços, produtos. 

“O design, em Portugal, é muitas vezes associado de uma forma redutora a algo gráfico, mas não, nós desenhamos serviços, produtos.”

A vida está cada vez mais complexa e rápida. Há um fator que torna ainda mais complexo tudo o que tem que ver com o digital, porque, precisamente, não é tangível. Somos seres humanos, somos muitas das coisas tangíveis que se tocam, que se sentem. O digital é completamente virtual e, portanto, cria uma camada de complexidade adicional. Há desafios incríveis. Entramos para simplificar a vida das pessoas, considerando a complexidade do digital. Costumo dizer que somos uma empresa um bocadinho diferente da maioria. Não quer dizer que não haja outras empresas em Portugal, há poucas empresas assim. Talvez internacionalmente pudéssemos ser a classificados dentro daquilo que às vezes chamam de user experience agency. Não somos uma consultora de tecnologias de informação (TI), mas herdámos uma parte das consultoras de TI. Não somos uma agência criativa, mas herdámos algumas coisas das agências criativas. Não somos uma empresa de estudos de mercado, mas herdámos alguma coisa desse tipo de empresas. Somos algo aqui no meio. Pertencemos a uma rede Internacional de empresas desta área chamada UXAlliance, o que nos coloca em contacto direto com empresas de todo o mundo, a par das últimas tendências nos mercados mais avançados e também nos mercados menos avançados. Isso é muito interessante e põe-nos em contacto com desafios de grandes empresas multinacionais ou internacionais, que desenvolvem produtos em diferentes países e, portanto, com diferentes geografias, culturas, línguas, etcétera, o que também é bastante diferenciador relativamente ao que existe cá em Portugal.

PME Mag. – Quais os serviços mais solicitados pelos vossos clientes?

André Carvalho (A. C.) – Neste momento, é muito evidente que muitos dos nossos clientes têm canais digitais para fazer ou melhorar, vulgo apps, sites, portanto, há uma profusão enorme de canais digitais no nosso mundo hoje. Todos eles devem ser fáceis de usar, intuitivos, sem curva de aprendizagem. No human-centered design, pretendemos que, para a utilização desses canais digitais, não seja preciso pensar em como se usa para de facto usar. Ou seja, o cenário ideal é eu estar a fazer outra coisa qualquer e olhar para a app, para a qual nunca olhei na vida, e aquilo é óbvio para mim, nem sequer penso se sei ou não usar, é verdadeiramente intuitivo. Hoje, de facto, o que mais nos aparece são desafios para desenhar, de raiz, um canal digital que tem estas características, ou melhorar os que existem para que tenham mais facilidade de serem utilizados. Além dos canais que temos de facing, ou seja, virados para o cliente, também temos tido bastantes pedidos de ajuda para melhorar canais de trabalho virados para dentro da empresa e, aí, as abordagens e os impactos são diferentes. Se estivermos a falar de um comércio eletrónico, o que queremos é que seja muito fácil para o consumidor encontrar o produto que quer, fazer a transação de uma forma simples, mas se estivermos a pensar num software de trabalho do dia a dia de um profissional, o que queremos é que o profissional seja eficiente, que cometa menos erros. Assim, as mesmas técnicas permitem atingir diferentes objetivos, com diferentes retornos do investimento. Um dos outros serviços que nos é solicitado são os testes de usabilidade, no processo de tornar algo mais fácil de usar: tratam-se de tarefas que damos a pessoas identificadas com determinados perfis e cujos comportamentos depois observamos, tanto no nosso laboratório de Lisboa ou remotamente, através de sessões de zoom. É fundamental trabalhar com os utilizadores daquela aplicação, daquele site, produto ou serviço, ou com pessoas que representem esses públicos. Todo o nosso processo de desenho de um produto ou de um serviço se baseia na participação das pessoas que os vão utilizar.

“Todo o nosso processo de desenho de um produto ou de um serviço se baseia na participação das pessoas que os vão utilizar.”

Uma das partes deste processo é testar, com utilizadores reais, o site antigo, que querem melhorar, ou um protótipo, em vários estágios de evolução daquilo que estou a desenhar, de forma que não vá lançar algo no mercado que depois se verifique que as pessoas não conseguem usar. O service design (desenho de serviços) é outro serviço solicitado e aqui estamos a olhar para um serviço completo. Por exemplo, no retalho olhamos para como é que se faz o atendimento em loja, como se faz a venda, ou, por exemplo, como é que determinada marca faz o seu pós-venda.

PME Mag. – Durante o período pandémico, a procura pelo e-commerce aumentou significativamente. Isso influenciou a procura pelos serviços do Grupo Tangível?

J. C. – Sim, no período mais forte da pandmeia notámos uma procura maior por parte dos clientes de retalho e posso dizer que algumas marcas de retalho estiveram a trabalhar connosco, como a Worten, o Continente e o Auchan, mas não podemos revelar os detalhes. Com o período pandémico, a utilização de sites de e-commerce aumentou, mas identificaram-se problemas que não eram tão sentidos antes, mas que, por causa do fator escala, foram críticos. Problemas como os utilizadores não conseguirem fazer compras ou comprarem produtos que não queriam por engano. Todo esse tipo de problemas, muitas vezes, devem-se a defeitos no design, no processo e na experiência do site e, portanto, o impacto dos nossos serviços é diretamente relacionável com a taxa de conversão, que é aquilo que chamamos à conversão de um potencial cliente num cliente, uma potencial compra numa compra efetiva.

PME Mag. – Quais são os vossos objetivos para o futuro?

A. C. – O Grupo Tangível, hoje, é constituído pela Tangível, que é uma consultora de human-centered design, e pela Hyphen Digital Experience, uma empresa na mesma área, mas mais focada no outsourcing de competências na área de customer experience. Os nossos objetivos passam por continuar a crescer e por internacionalizar. Estamos a trabalhar, por exemplo, em Angola. Hoje, as nossas equipas já não estão só em Portugal, estão também, por exemplo, no Brasil, mas estamos a internacionalizar também para norte. Todo o mercado europeu é um mercado muito atraente, mas também a costa leste da América do Norte, pelo menos para já. É possível também que venhamos a estender os nossos serviços para áreas adjacentes, como por exemplo para a área mais core do desenvolvimento de software.

PME Mag. – Quanto esperam crescer durante o ano de 2022?

A. C. – Em termos gerais, o nosso objetivo é crescer cerca de 50% este ano, que é um objetivo ambicioso, mas nesta altura do ano já achamos perfeitamente alcançável. Em termos de número de pessoas, estamos a chegar às 100 pessoas nas duas empresas, estamos em franco crescimento.

PME Mag. – O customer service está a ganhar cada vez mais importância. Como é que analisam este fator? 

J. C. – Estamos numa era de transformação digital. A transformação digital não tem origem apenas em tecnologias concretas que apareceram e possibilitaram novos hábitos. Todos sabemos que apareceram a internet das coisas, o big data, as redes sociais… Isto são os tentáculos concretos da transformação digital, mas há mais. Outra das grandes transformações que na nossa era está a acontecer é o poder do consumidor.

O consumidor cada vez mais escolhe o que entende que é melhor para si, porque a disponibilidade já está, em muitas situações, garantida.

E também porque os consumidores são cada vez mais exigentes, em termos de critérios de avaliação dos produtos e serviços, e porque há uma facilidade muito grande em trocar de serviço ou produto, quando não gostamos dele. Existem muitos exemplos em que o consumidor não escolhe necessariamente o produto ou serviço mais barato, e aí o fator preço deixa de ser determinante, como já foi no passado, e a sua importância reduz a favor da experiência de compra. O consumidor privilegia toda a experiência de compra, seja ela física, seja online. Essa é a grande transformação que estamos a viver, daí que seja fundamental que as empresas entendam cada vez melhor os seus utilizadores, mas também que o Estado entenda cada vez melhor os seus cidadãos. Qualquer organização, seja no seu aspeto exterior, a quem serve, seja no aspeto interior, de quem a constitui, tem de entender as suas pessoas e tem de adaptar o que faz e o que quer que seja feito, seja a nível de venda ou de operação de sistemas internos. O racional é que as pessoas terão, gradualmente, menos tolerância ao mundo exterior e estão à espera, cada vez mais, de que o mundo exterior se adapte a elas. Esta é a grande transformação que estamos a ver. A experiência de utilização do próprio produto ou serviço também é fundamental e, em muitos casos, dependendo do contexto e do produto, o fator delight pode ser muito importante, ou seja, entramos na esfera emocional. O cliente pode, muitas vezes, dar preferência a um determinado produto, porque lhe dá gozo, porque lhe dá satisfação de alguma forma, em detrimento de outro, mesmo que seja mais caro.

PME Mag. – Qual a tendência de consumo que se vai sentir nos próximos anos?

A. C. – A tendência é a valorização da experiência. Enquanto consumidores, vamos privilegiar cada vez mais não só como consumimos, mas vamos cada vez prestar mais atenção e valorizar mais, e, portanto, direcionar a nossa escolha para a experiência como um todo. A experiência não é só o momento onde tenho o contacto direto com esse produto ou serviço, vai desde o momento em que imagino que preciso ou que vou ter essa experiência, até à memória que me fica, futura, dessa mesma experiência. As marcas vão ter de se preocupar com tudo isto, pelo meio, sim, vão transacionar, mas a preocupação essencial, no meu ponto de vista, é a experiência. Esta também é uma mudança de mindset, não é só a desmaterialização de uma empresa, produto, ou serviço, é mesmo uma mudança de paradigma, e, nesse contexto, os utilizadores aderem muito bem a essa mudança de paradigma. Uma das tendências interessantes passa pelo facto de a experiência se poder tornar tão simples que fica invisível, ou seja, desparece. Estamos a pensar em algumas formas de automatismo, que requerem muito estudo e um trabalho de design muito profundo para que esses automatismos sejam perfeitamente alinhados com as necessidades das pessoas. Isto é, eu não ter de fazer uma determinada compra, mas sim as compras virem ter comigo quando preciso delas.