Por: Ana Rita Justo
Fotos: Uphold
A pandemia levou muitas empresas a retraírem o seu investimento, mas não a Uphold, plataforma financeira digital norte-americana com escritórios em Braga e que mantém a intenção de chegar aos 100 colaboradores até ao final de 2020. O CEO, J. P. Thieriot, e o CTO, Rui Marinho, explicam à PME Magazine o porquê desta aposta no Norte de Portugal.
Portugal surge muito naturalmente no mapa de investimentos da Uphold, uma fintech de Sillicon Valley que lançou, em 2014, uma plataforma financeira digital disponível em mais de 180 países e com acesso a 27 moedas nacionais, 30 moedas digitais, quatro metais preciosos e outros produtos de poupança e crédito.
A empresa nasceu em São Francisco, Estados Unidos da América, e conta hoje com escritórios em Nova Iorque, Londres, Xangai e também em Braga, integrando o ecossistema da Startup Braga e onde, revela o CEO, J. P. Thieriot, a empresa encontrou o “coração da empresa”.
“Começámos a trabalhar com grupos de diferentes localizações e o que reparámos é que o trabalho vindo de Portugal era sempre melhor, chegava a horas, dentro do budget”, afirma o responsável.
A eficiência demonstrada levou à contratação, em 2014, de Tiago Ribeiro e Rui Marinho, fundadores da startup portuguesa Seegno, que passaram a integrar a estrutura responsável pela Uphold em Portugal, ambos como CTO (chief technology officers), que conta agora com cerca de 70 trabalhadores em Braga.
“Além da nossa presença em Braga, vamos todos os anos para o retiro da empresa no Algarve e passamos muito tempo no Porto. Portugal tornou-se no coração cultural e espiritual da empresa de uma forma muito importante e não é por acaso”, advoga o CEO.
Já o CTO Rui Marinho reconhece grandes investimentos de outros concorrentes tecnológicos em Portugal, mas sublinha que a grande vantagem competitiva da Uphold para quem lá trabalha está no desenvolvimento das competências core.
“De uma perspetiva de desenvolvimento do produto, temos 60 pessoas em Braga”, explica o responsável português, entre engenheiros, desenvolvimento de produto e infraestruturas.
Até final do ano, a Uphold quer contratar mais 30 profissionais nas áreas de engenharia, data scientists, product development e gestão de projetos.
“Isto está a ser feito em reposta à pandemia, para mostrar, não apenas à comunidade local, mas a todo o país, a forma como queremos que a empresa cresça, juntamente com a retoma da economia portuguesa. O momento não foi ao acaso, queríamos dar um sinal a outras empresas de que vamos sair desta situação mais cedo do que tarde e vamos dar o nosso melhor para que isto aconteça”, afiança Rui Marinho.
“O mercado das moedas digitais é muito entusiasmante para quem está a ser recrutado. Como lidamos com grandes avanços em tecnologia, isso tem um papel importante na hora de convencer os candidatos a mudar de emprego ou a candidatarem-se à nossa empresa”, acrescenta.
A próxima Silicon Valley
A aposta em Portugal dura há mais de seis anos e levou, inclusivamente, a Uphold a adquirir uma outra startup portuguesa no ano passado, a Scytale, uma agência de web development. J. P. Thieriot sublinha, mais uma vez, que esta aposta não acontece por acaso.
“A Universidade do Minho está entre as universidades com programas de ciências computacionais mais antigas da Europa. A presença da equipa em Portugal não tem que ver com o facto de se ter suporte mais barato, mas sim com inovação global e com o desenvolvimento de tecnologia de classe mundial. Isto não acontece no vazio, trabalharam bem na Universidade do Minho para terem tantas mentes tecnológicas de classe mundial nos dias de hoje”, adianta.
Além disso, o CEO aponta ainda a “mais recente legislação no que toca aos impostos” relacionados com criptomoedas, que faz de Portugal “uma casa muito atrativa para esta indústria e que tem potencial para ser a próxima Silicon Valley”.
Com a equipa a ser maioritariamente da região Norte de Portugal, com idade média de 32 anos (20% mulheres e 80% homens), Rui Marinho diz ter uma equipa equilibrada, a quem a Uphold consegue incutir uma “cultura norte-americana muito forte” no que toca às regalias de quem ali trabalha.
“Há uma ligeira parte negra: a lei laboral portuguesa não é a mais clara ou convidativa do mundo, mas em todos os restantes aspetos – talento, regras, montar uma legislação atrativa para o desenvolvimento e comércio de criptomedas – fizeram um trabalho incrivelmente bom, possivelmente melhor do que noutros países.”
“Uma das regalias – que esperamos poder retomar depois de a pandemia passar – é que oferecemos o almoço aos nossos colaboradores todos os dias, de forma a que possam debater ideias, não apenas de trabalho, mas também de fora. Isso cria um sentido diferente de grupo e de amizade e é uma das razões por que temos tão pouca gente a deixar a empresa.”
Pandemia… positiva?
No que toca ao mercado das moedas digitais, J. P. Thieriot é perentório ao afirmar que a pandemia acabou por trazer benefícios a quem trabalha no setor, em detrimento de outros altamente penalizados pela Covid-19. A perspetiva de emissão de moeda para fazer face à crise atual poderá, segundo o próprio, beneficiar as criptomoedas.
“Os Estados Unidos vão querer fazer melhor do que na crise de 2008 e não vão só dar dinheiro aos bancos ou fazer empréstimos. Será preciso imprimir dinheiro e pô-lo nas mãos das pessoas – o que penso que será o correto, mas isso significa que o valor das moedas irá desvalorizar. O valor do dólar norte-americano é relativamente mais forte, mas comparado com as bitcoins ou ouro físico irá perder valor, por isso, as bitcoins e o ouro físico vão ganhar valor em relação à moeda fiduciária. É nesse espaço que operamos, por isso, a nossa atividade, mês após mês, semana após semana, continua a crescer à medida que as pessoas se apercebem daquilo que vai acontecer e de onde podem alocar as suas poupanças. Estamos num negócio estranhamente favorável na conjuntura atual”, advoga.
Já Rui Marinho diz que a empresa vê “com bons olhos o potencial da nova Zona Livre Tecnológica”, lançada em abril passado em Matosinhos no âmbito do plano do Governo e inscrito no programa Startup Portugal – Estratégia Nacional para o Empreendedorismo.
“A Zona Livre Tecnológica pode providenciar uma sandbox regulatória para empresas como as nossas, que querem lançar produtos completamente diferentes e assim têm o enquadramento legal necessário, sem terem medo do que irá acontecer. Estamos muito entusiasmados com o que isto irá trazer para o setor das fintech.”
Atualmente, a Uphold conta com 2,2 milhões de utilizadores e com um ritmo de crescimento de sete mil novos utilizadores por dia. A expectativa é, por isso, de chegar ao final do ano com 3,5 milhões de utilizadores.
“Estamos a mudar a forma como o dinheiro circula e a forma como as pessoas podem aceder a coisas que nunca tinham conseguido aceder anteriormente, na esperança de tornar as suas vidas melhores”, acrescenta J.P. Thieriot.
Artigo originalmente publicado na edição de Julho de 2020. Artigo corrigido a 02/07/2020, às 09h25.