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Leonor Freitas é a quarta geração à frente do negócio da família (Foto: João Filipe Aguiar)

“Continuo a querer ser a senhora do Castelão de Palmela” – Leonor Freitas (vídeo)

Por: Ana Rita Justo

Em Fernando Pó, concelho de Palmela, nasceu em 1920 o negócio que viria a ser a Casa Ermelinda Freitas. De geração em geração, quase sempre no feminino, chegou às mãos de Leonor Freitas, agora com 550 hectares de vinha e um ambicioso plano de expansão internacional e de diversificação do portefólio também com as apostas no Douro e Minho. Os ensinamentos, os desafios e as raízes, na entrevista de Leonor Freitas à PME Magazine.

 

PME Magazine – Quando era mais nova quis tirar um curso agrícola, mas o seu pai não deixou. O bichinho ficou?
Leonor Freitas – É verdade. Quando quis ir para o curso de Regente Agrícola, que havia após o 5.º ano, tinha 15 anos. Foi a única coisa a que o meu pai se opôs. O meu pai tinha uma visão um bocadinho diferente da maioria das pessoas desta zona rural, porque é preciso situarmo-nos de que era uma zona rural muito fechada. Só pude fazer aqui a 4.ª classe e depois tive de andar em colégios. Fiz o secundário em Setúbal e quando fiz o 5.º ano quis ir para uma escola agrícola tirar [o curso de] regente agrícola. O meu pai, de facto, impôs-se dizendo: ‘Não é curso para menina, tu vais continuar a estudar. Quero que tenhas uma vida melhor do que aquela que nós temos’. A vida do campo sempre foi muito difícil, eles trabalhavam muito, eu era filha única e tive o privilégio de poder estudar. Acabei por não ir e não voltei mais à área agrícola. Tirei uma licenciatura em Serviço Social, acabei por trabalhar nessa área cerca de 20 anos, na função pública e não estava no meu plano de vida vir para o mundo rural.

PME Mag. – Depois de o seu pai falecer, quando é que decidiu assumir o negócio?
L. F. – Resolvi vir para a Casa Ermelinda Freitas no dia que o meu pai faleceu. Tínhamos 60 hectares de vinha e eu pensava que talvez um dos meus filhos, um dia venha a gostar. E eu achava que era a geração que não vinha, precisamente porque os meus pais eram novos. O meu pai faleceu com 59 anos, era uma pessoa nova, estava bem e, no dia em que ele faleceu, entre o adoecer e o falecer foram três semanas de luta, portanto não pensei em nada. No dia em que ele faleceu tive bem a noção de que a minha mãe não estava preparada sozinha para dar continuidade, porque como havia esta grande estratificação entre o mundo rural e o mundo urbano e entre a mulher e os papéis do homem – a minha mãe era uma mulher do negócio, mas estava sempre por trás do meu pai, se não até parecia mal. Posso dizer-lhe que ela nunca tinha ido a um banco, nunca tinha assinado um cheque. Naquele dia pensei: ou vou para lá ou tenho de vender. E quando pensava em vender arrepiava-me toda. E disse para o meu marido: ‘Vai buscar os miúdos e vamos viver para Fernando Pó’. O meu marido foi a pessoa mais colaboradora que podia haver, nunca disse nada. Viemos para cá, primeiro para fazer companhia à minha mãe e depois para ver se era capaz de não vender, porque senti naquele momento tudo o que a família me tinha transmitido ao longo dos anos. Eu vinha aos fins de semana mesmo quando estava a estudar, mas o exemplo da família, de trabalho, o amor que eles tinham à terra, a dedicação, isso tudo me foi transmitido sem me aperceber, ao ponto de achar que se vendesse ia fazer uma violência à família. E venho ver o que sou capaz de fazer. É nesse momento que tomo essa decisão. Não deixei de trabalhar, continuei a ir e a vir, mas arranjámos a figura de capataz, que ainda existe. E todos os dias eu chegava, falava, até que chegou um ponto em que tive mesmo de deixar [o trabalho], porque as coisas começaram a tomar uma amplitude diferente, mas eu vinha cheia de força. Além de manter, comecei a achar que era aqui que eu me reencontrava. Foi uma decisão que nem foi difícil, porque foi de tal maneira sentida – estou aqui por amor. Tinha a minha vida muito organizada fora daqui: o meu marido trabalhava na ex-Portucel, eu trabalhava na Administração Regional de Saúde, tínhamos vencimentos de técnicos superiores, tínhamos a ajuda dos pais, não gastávamos mais do que o que tínhamos. Mas foi uma boa solução que tomei por amor e pela família que tive.

Leonor Freitas
“São como filhos”, diz Leonor dos vinhos (Foto: João Filipe Aguiar)

Trabalho e amor
PME Mag. – E quais os ensinamentos que a sua mãe e a sua avó lhe deixaram?
L. F. – A minha mãe e a minha avó – e o meu pai! – deixaram-me os conteúdos que ainda me regem hoje: uma família muito simples, muito trabalhadora, mas com grandes noções de proximidade do outro, de ajuda ao outro, de que nós temos de trabalhar, temos de partilhar aquilo que temos e não desistir. A minha avó ficou viúva com 38 anos, ficou com uma casa agrícola. O meu pai era o mais velho, mas era ainda criança e ela aguentou uma casa agrícola naquela altura, era uma mulher de armas. Não tinha fins de semana, não tinha férias, trabalhava no campo, em casa, ainda ajudava a tomar conta dos netos. Foi uma mulher que deu a imagem do que é o trabalho e a dedicação. Nunca mais se casou. A minha mãe era uma mulher muito ligada à família, uma dona de casa extraordinária, ela cozinhava como ninguém. Era uma mulher com uma intuição para o negócio muito grande e que passava sempre a imagem de que tínhamos de ter cuidado, porque o outro também podia enganar-nos. E isto equilibrava muito com o meu pai, porque o ele era muito boa gente, era um homem de grandes afetos, queria ajudar todos e ela, embora fosse de afetos, equilibrava. O meu pai foi muito importante, o único homem que teve mais tempo vivo na família, até o facto de ter ido estudar tenho a agradecer-lhe. Foram pessoas muito conceituadas aqui na região, trabalhavam ao lado dos seus colaboradores e eu vim beneficiar da imagem que eles tinham. A minha mãe ajudava toda a gente, até quando se queriam casar ela ia ajudar nas refeições. O meu pai ajudou sempre outros sobrinhos e primos que acabaram por complementar a minha educação. Tive uma vida muito equilibrada familiarmente, com grandes mensagens de trabalho, de amor ao próximo e de honestidade no negócio. Não eram precisos contratos, a palavra valia. Tenho muita pena se perco isto. Fernando Pó é um lugarejo em que somos todos de família e aqui ainda se pode ter isso.

 

PME Mag. – Quais foram os primeiros desafios?
L. F. – Quando pego na Casa Ermelinda Freitas, o meu primeiro desafio era ver se não vendia, como disse. Depois, houve uma coisa que fez toda a diferença, foi ter saído daqui para estudar, mesmo que noutra área. Quando cheguei, sabia que não sabia e isso fez toda a diferença, porque fui à procura de pessoas que soubessem para ajudar-me. Isto eu passo sempre até aos jovens: vale a pena fazer uma formação, porque depois adaptamo-la. Se eu nunca tivesse saído daqui, achava que sabia tudo. O principal setor económico desta região é a vinha e o vinho, mas se eu nunca tivesse saído daqui achava que sabia tudo. A grande diferença foi, precisamente, depois de ver que não sabia, procurar as pessoas. Depois de me reencontrar, de ver que era isto que gostava, foi não me isolar. Comecei a contactar com todos os organismos, a ir lá para fora. Foi muito importante uma ida que tive a Bordéus, porque a nossa história é de vinho a granel. Não tínhamos marcas. E Bordéus tinha a maior feira de vinhos, mas tudo engarrafado. E eu comecei a ver que toda a gente com maior dimensão do setor ia para Bordéus e fiquei com a curiosidade e também fui. Foi um marco grande para mudar e ver que a seguir ao vinho a granel também tinha de fazer marcas, tinha de identificar-me. Lá, davam um prestígio ao vinho diferente. Um produtor de 60 hectares lá era grande, porque França vende só por ser francês, mas vim de lá com a ideia de que tinha muito a fazer. Uma adega nova – não podia continuar com a mesma que tinha – um espaço para poder receber as pessoas… Vim de lá cheia de desafios. Só tinha duas castas quando cá cheguei: Castelão para os vinhos tintos, Fernão Pires para os vinhos brancos. Vim de lá com a noção de que tinha de plantar outras castas. Tinha de ir ao encontro do consumidor, porque lá não conheciam nem o Castelão, nem o Fernão Pires. Marcou-me de tal maneira aquela ida a Bordéus, que foi uma mudança de atitude. Vim com a ideia de que tinha de investir numa adega, não tinha era dinheiro. Consegui fazer a primeira adega mais moderna – pensei que era a obra da minha vida. Depois a segunda e nunca mais parei até agora. É um investimento permanente, mas os meus desafios eram manter o que tinha e ter a produção toda em garrafa.

 

“O que ela anda a fazer”

PME Mag. – Como é que pensa a mistura das castas?
L. F. – A primeira [casta] que plantei foi a Touriga. Quando a plantei dizia-se que nesta região não se dava nada bem se não o Castelão e o Fernão Pires. Quando plantei a Touriga Nacional, que é a casta portuguesa, a maior casta do mundo até, os meus colaboradores e toda a gente dizia que isto aqui não se vai dar. “Olha o que ela anda a fazer…” Repare, ninguém tinha confiança na menina que tinha vindo da cidade e que não tinha cá estado. A minha mãe sofreu bastante, coitada, porque iam ter com ela e diziam-lhe: ‘A sua filha só está a gastar dinheiro, isto não vai dar’. Ela, coitada, dizia-me: ‘Filha, tu gastas o dinheiro todo’. Ela sofreu imenso com a falta de confiança que tinha em mim e com o que eu queria inovar. Correu mal a primeira plantação. Mais uma vez, não desisti, fiz a segunda de Touriga. E a partir daí não parei. Tenho 29 castas: Touriga, Trincadeira, castas portuguesas e depois fui para castas estrangeiras. O Merlot, o Cabernet, o Syrah, Arinto, Gravo Stamina, agora tenho uma nova chilena [Carmenere] … Comecei a ir para as feiras e não conseguia com que provassem o Castelão e o Fernão Pires – porque não conheciam – sem dizer: ‘Mas prove este Cabernet para ver como ele é bom’. E ficavam muito admirados quando o provavam. Estamos numa grande região e as castas dão-se todas muito bem. Têm um comportamento diferente, têm a estrutura destes terrenos arenosos, perto do mar. Houve uma casta que plantámos para fazer um espumante e acabámos por fazer um vinho, porque aqui tem uma estrutura diferente e as pessoas começaram a gostar muito. E depois já podia dizer: ‘Gostou tanto desse Syrah, desse Petit Verdot, prove o nosso Castelão’. Provavam e até gostavam. Portanto, primeiro, foi ir lá para fora e levar castas que eles conheciam, para que depois pudesse levar as nossas e começar a vender. Mas também, sobretudo em Portugal, teve uma função pedagógica: explicar que as uvas não são todas iguais, que cada casta tem as suas características, até para os jovens, até para as crianças quando visitam uma vinha! Porque estamos num setor tão importante, quer para a região, quer a nível nacional, que é importante explicar que bebendo com moderação o vinho não faz mal e é importantíssimo para a economia de uma região, de um país. É assim que acabo por ter um leque muito grande de monocastas e que vem dar, além da função pedagógica, o também ir entrando nos mercados estrangeiros, mas continuo a querer ser a senhora do Castelão de Palmela [risos]. Tenho vinhas com 70 anos de idade, plantadas ainda pela família de Castelão. Já não é mérito meu, é da minha família que tem muitos bons clones de Castelão, que plantou nesta região. Isto é um microclima em que o Castelão se dá como em nenhum sítio. Posso dizer que o Leo d’Honor, da vinha de 70 anos e que só fazemos nos anos de grande qualidade, é uma referência da região, da casa e de mim própria, porque quero continuar a ser a senhora do Castelão de Palmela e uma rural que sou desta região.

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Casa Ermelinda Freitas conta com 550 hectares de vinho (Foto: João Filipe Aguiar)

 

“Vinhos como filhos”

PME Mag. – Qual é o seu vinho preferido?
L. F. – Tenho muita dificuldade em dizer qual é o meu vinho preferido, porque são como filhos. Há espaço para todos. Tenho uma estima especial por toda a linha Dona Ermelinda, por ser a minha mãe. Depois, tenho, por este Leo d’Honor, que é o meu nome disfarçado, é uma expressão latina – leão de honra – por serem as vinhas plantadas ainda pela família e que nós mantemos como bebés. Diria que tenho muita dificuldade, porque passa tudo pelas nossas mãos: desde o rótulo, a caixa, são autênticos filhos que criámos. É isto que é diferente na agricultura, no meio rural. A ligação que temos à terra, ver crescer uma vinha e ver crescer um filho. Ver nascer um vinho é espetacular, porque tem vida. Um vinho é muito mais do que só um vinho: ele tem uma história de família, o trabalho dos nossos colaboradores, o empenho, tem a história da própria terra e serve para festejarmos. Queremos ir ao encontro do consumidor, queremos criar o vinho com todo o afeto que temos, com toda a preferência que possamos ter. Queremos que o consumidor goste do nosso vinho.

 

PME Mag. – Em que países já estão?
L. F. – A Casa Ermelinda Freitas tenta ir semeando em todos os países em que é possível estar. Estamos em 32 países, mas lutamos diariamente para aumentar. Uns com pouca expressão ainda, outros com mais, mas todos são importantes. Sempre que é possível, mesmo com algum esforço económico, nunca queremos perder uma oportunidade, porque depois de lá estar podemos vir a crescer, a conhecer melhor o consumidor e fazer um vinho adequado. Somos uma casa dinâmica, adaptamos os vinhos ao consumidor, mesmo ao estrangeiro e por isso temos tantas castas. Temos marcas, rótulos e vinhos diferentes consoante os países. E conseguimos estar num leque muito grande de países. Não posso dizer que é fácil. Vamos a todas as feiras mais importantes, desde Bordéus, Alemanha, China, Japão, tal como concursos. É uma forma de divulgarmos o nosso produto, a nossa região e Portugal. O vinho está na moda, Portugal está na moda e temos muito bons vinhos. Houve um avanço na enologia, não estamos atrás de nenhum país. O que precisamos é de ser conhecidos. E nunca desistimos. Chegamos a ir três vezes ao mesmo país e não vender uma garrafa, mas o lema é não desistir até… O nosso grande foco, além de Portugal, que é muito importante para nós – 60% é vendido em Portugal – é cada vez mais vender fora. Estamos no Brasil, Colômbia, Polónia, em todos os países da Europa. Temos uma riqueza enorme que são os nossos portugueses espalhados pelo mundo. Vendemos imenso para o Luxemburgo, Inglaterra, Estados Unidos, Angola, Moçambique, Finlândia, Noruega, Xangai e muitas outras [cidades] que não lhe sei dizer o nome na China [risos]. França, Suíça, na Nigéria, no México, países difíceis para Portugal vender, mas temos conseguido apostar e temos conseguido ter resultados e cada vez aumentamos mais. A Rússia também é um mercado muito importante e cada vez está a crescer mais.

“Completar o portefólio”

PME Mag. – O que trouxe a expansão para o Douro e para o Minho?
L. F. – De facto, este mundo da vinha e do vinho é apaixonante. A minha vida deu uma grande volta, tinha uma
vida calma e deixei de ter, mas não a trocava. Começamos a ficar completamente apaixonados por aquilo que é um vinho, uma região, Portugal. Temos um país pequeno, mas é tão diversificado, quer na paisagem, quer no terroir, que uma Touriga do Douro é diferente da Touriga da Península de Setúbal, um Arinto nos vinhos verdes é diferente do Arinto da Península de Setúbal e isso traz-nos uma motivação muito grande para termos outras regiões onde possamos trabalhar. A Península de Setúbal é uma região de excelência, muito competitiva, é tudo plano, temos uma grande área e será sempre a nossa casa principal. Podemos ter vinhos muito competitivos, para grandes volumes, como temos vinhos de nicho, como o Leo d’Honor. O tamanho da propriedade, as características da região proporcionam-nos isso. É um contraste muito grande com o Douro. No Douro é difícil tratar a vinha, é uma paisagem maravilhosa, enquanto aqui é plano. Lá, aquele contraste da serra com o rio e aquelas inclinações são um desafio. Quando, depois de já estar no mundo do vinho, fui visitar o Douro, emocionei-me. Enquanto nós fazemos tudo com máquinas, lá é tudo trabalhado com muito esforço humano e só quem vive a terra e este amor compreende o esforço que é. A partir daí fiquei sempre com uma grande paixão de ter vinha no Douro. Tentei várias vezes, mas tenho investido muito e o Douro é uma zona cara. Achei que não podia comprar, mas era extremamente importante para complementar o portefólio da Casa Ermelinda Freitas, o meu sonho e, sobretudo lá fora, dizer: ‘Portugal é isto, visitem Portugal’. Apareceu-me uma oportunidade no Minho, numa quinta que estava à venda, que tinha adega e achei que era uma oportunidade, porque também há muita procura nos mercados externos de vinho verde. Cada vez mais as pessoas gostam de vinhos leves, frescos, frutados e o vinho verde é um pouco isto. Acabei por comprar e até já temos no mercado o vinho verde. O Douro ainda não, irá para o próximo ano. Eu não tinha dinheiro para comprar uma, acabei por comprar duas propriedades. Sou uma mulher de desafios, mesmo com a idade que tenho, tenho muitos projetos. Estes desafios vêm reforçar um sonho que tinha, poder ir para fora com um portefólio mais completo e investir na marca Portugal. Estes desafios compensam-me muito e tenho uma boa equipa. Além dos bens que tenho da vinha, da adega, das marcas, tenho um bem enorme que são os meus colaboradores. Estou muito feliz e convencida de que vamos lutar e havemos de conseguir.

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Entrevista decorreu no museu da Casa Ermelinda Freitas (Foto: João Filipe Aguiar)

 

PME Mag. – O que é que a Casa Ermelinda Freitas trouxe a Fernando Pó?
L. F. – A Casa Ermelinda Freitas trouxe a Fernando Pó mais vida, mais dinamismo, mais empregabilidade. Damos sempre prioridade de emprego às pessoas daqui. Trouxe, também, o orgulho de ser de Fernando Pó. Fernando Pó era desconhecido. Quando os meus filhos estavam no colégio em Setúbal, eu tive de ir dizer que existia Fernando Pó, porque o meu filho dizia que ao fim de semana ia para Fernando Pó, isto ainda antes de eu cá estar, e o professor dizia que não existia. Estamos tão perto de Lisboa, tão perto de Setúbal, e éramos tão diferentes e tão desconhecidos. Ainda hoje somos, mas com as acessibilidades é mais fácil. Hoje, Fernando Pó começa a ser conhecido até pelos vinhos. A Casa Ermelinda Freitas trouxe isso tudo e trouxe orgulho às pessoas de Fernando Pó também de serem de Fernando Pó. Eu sou uma rural, toda a minha família é rural, trabalhou, trabalha no campo e tem orgulho de haver reconhecimento. Acho que é o meu dever reconhecer e valorizar o trabalho rural. Não vem para o campo quem não sabe fazer mais nada, vem para o campo quem gosta. Fui uma privilegiada de Fernando Pó. Sinto que é uma obrigação minha, como rural que sou, sentir orgulho de poder ter feito com que esta terra seja reconhecida e que haja trabalho para que as pessoas que são daqui poderem ficar.

 

PME Mag. – Qual é o vinho mais apreciado por quem vos visita?
L. F. – Toda a gente quer provar o Dona Ermelinda, mas depois apreciam muito as novas castas que não encontram facilmente aí fora. O tal Gravo Stamina, um branco da Alsácia, que plantámos aqui e que é um vinho muito floral. Gostam do Syrah, que ganhou um prémio em 2008, com o vinho de 2005, do melhor Syrah do mundo em Paris. Isto foi uma grande ajuda para nós e o nosso Syrah todos os anos continua a ganhar medalha de ouro e as pessoas gostam muito de o provar. A Quinta da Mimosa também tem um Castelão Velho que é limitado, só pode ser daquela quinta e as pessoas têm muita curiosidade em provar e fazer provas verticais, de vários anos, para verem como tem evoluído. O Leo d’Honor é sempre o nosso máximo e vamos aparecendo com novidades. Por exemplo, o Dona Ermelinda branco de reserva. Temos um Dona Ermelinda normal que as pessoas também gostam, é um Chardonet com Arinto, mas este é um novo, portanto as pessoas gostam de vir aqui e provar novidades. Temos também um Carmenere, que é um vinho chileno, que nem sei se há mais alguma adega que tenha… Temos um Pinot Noir que plantámos para fazer espumante e agora temos as duas coisas, em espumante e em vinho e as pessoas gostam muito destas novidades. Este Dona Ermelinda Reserva está a ir agora para o mercado e é um branco diferente. É um varietal, tem Chardonet, tem Antão Vaz e Arinto para lhe dar frescura, mas passa em barrica. É um branco reserva, não há muitos, precisamente porque dá-lhe outra estrutura, dá-lhe umas especiarias e é para ir ao encontro do consumidor que gosta de um branco diferente. Por outro lado, não podemos achar que tudo está ganho. A vida é uma moda, uma empresa é uma moda, uma marca é uma moda, não podemos sair da moda e temos de estar constantemente a antecipar, a criar coisas novas, a oferecer coisas novas aos nossos consumidores e, no enoturismo, poderem vir e terem novidades, poderem ser recebidos. Eu sempre que posso agradeço, para as pessoas me conhecerem e saberem que eu estou aqui, para perceberem que somos uma casa familiar. A minha mãe sempre me passou a mensagem do bem receber e quero que essa mensagem seja executada e passada. Quem vem à nossa casa tem de ser bem recebido e vir à Casa Ermelinda Freitas é como vir à minha casa, à nossa casa. O enoturismo é uma grande aposta, achamos que é transmitir os valores da região e de Portugal, é irem daqui com o que é a família, com conhecimentos sobre o vinho, sobre as castas e também com uma mensagem: bebam com moderação. Este também é o nosso lema: não queremos alcoolismo, queremos que bebam e apreciem o que é bom, porque o vinho, bebido na quantidade certa, é aquilo que qualquer produtor quer. Beber com moderação é extremamente importante. Também achamos que é muito importante sermos um complemento à cidade. Estamos tão perto de Lisboa, tragam os turistas até aqui e mostrem-lhes o que é a outra parte de Portugal. Precisamente com essa perspetiva temos uma parceria com o restaurante Wine Not, no Chiado, que só vende os nossos vinhos e onde a pessoa pode conjugar a comida ao copo e pode levar para casa uma garrafa. Isto é irmos ao encontro do consumidor, mas gostávamos que cada vez mais ele viesse ao nosso encontro. Temos pessoas que falam várias línguas e só precisamos que saibam que estamos aqui disponíveis para os receber. Há uma prova de vinhos além da visita, há sempre cinco vinhos à prova. Temos o nosso Moscatel, é outro vinho típico da região. Moscatel de Setúbal não há outro e ainda agora ganhámos o melhor Moscatel num concurso de Moscatéis. Temos de enaltecer esta região que se dizia que só dava Castelão e Fernão Pires, dá tudo de bom. Dá espumantes, dá Moscatel, dá as castas, é uma região que já se fala muito nela, mas vai dar muito que falar. É importantíssima, é versátil e fácil de trabalhar. Depois, estamos perto de Lisboa, onde há tanto turismo, portanto temos de os trazer até cá, já que somos penalizados por estarmos dentro da Grande Lisboa e não temos ajudas, não temos os mesmos subsídios, mas não vamos fazer disso uma batalha. O per capita das pessoas daqui não é igual ao de Lisboa, mas o legislador entendeu assim, temos esse prejuízo. As ajudas são quase zero, então vamos trazer o turismo que está em Lisboa.

PME Mag. – Como é que vê a Casa Ermelinda Freitas hoje e para o futuro?
L. F. – Vejo a Casa Ermelinda Freitas como uma casa que já conseguiu conquistar uma segurança e um nome
entre as maiores adegas da região e até algumas do país. Estamos entre as maiores e melhores adegas. Vejo-a com bons alicerces, com dinamismo, com um grupo de colaboradores espetacular, admirada pelos consumidores. Sinto que os consumidores gostam dos nossos vinhos. Agora também andamos nos festivais. Eu sou a mais velhota da equipa, mas tenho a minha filha e um grupo de jovens que a acompanham e têm bem a noção – e eu também acompanho isso – de que temos de inovar e o vinho tem de estar onde estão os jovens: nos festivais, ao lado da cerveja, ao lado de outras bebidas. Não podemos manter-nos com aquele conservadorismo de que o vinho é para se beber só em determinado momento, só aquele vinho tinto para a carne, o branco para o peixe, não. O vinho tem de ser um produto para saber bem, para dar alegria e para inovarmos. Por que não fazer um cocktail de Moscatel? Por que não um rosé frutado, um branco mais ligeiro e nós vamos ter todas essas oportunidades, até com os vinhos verdes. Andamos em vários festivais, não para ganhar dinheiro, mas para divulgar e para estarmos também com os jovens. O vinho faz parte de uma refeição equilibrada e nós temos de ensinar aos jovens que o vinho não faz mal, pode fazer parte do que bebem e sermos parceiros de outras bebidas. Vejo a Casa Ermelinda Freitas com um futuro muito risonho e com outra mulher à frente, a minha filha, que vai assumir a gestão, porque o irmão quer ficar nas tecnologias.

PME Mag. – E o que é que se vê a fazer depois de passar a gestão à filha?
L. F. – É difícil. Às vezes penso nisso, acho que devo ir passando. Normalmente os filhos só crescem depois de os pais morrerem e eu não quero isso. Quero ver os meus filhos crescerem e gerirem, mas estar cá. Tenho de, a pouco e pouco, ir passando, mas acho que há lugar para todos. Vai ser ótimo ter menos responsabilidades e vir visitar, acompanhar visitas e depois ir ao Douro. Vou ter sempre ideias, só não quero entravar o crescimento da Casa Ermelinda Freitas, porque de resto não me vejo separada disto, não quero entravar, não quero complicar, mas quero ficar [risos]. É-me difícil ver-me completamente separada, mas acho que vou tirar partido de ver a casa crescer e ter a alegria de ver os meus filhos a crescer, a casa dinâmica. Naquilo que puder ser útil cá estarei, porque vai ser muito difícil ficar em casa.

 

Veja o vídeo da entrevista de Leonor Freitas:

Vídeo: NortFilmes