Home / CARREIRAS / “Desenvolver uma empresa não significa quebrar as pessoas” – Cassiana Tavares
Cassiana Tavares
Cassiana Tavares, autora do livro "A Bíblia da Carreira" (Foto: Divulgação)

“Desenvolver uma empresa não significa quebrar as pessoas” – Cassiana Tavares

Por: Maria Inês Jorge

Muitas empresas ainda não estão preparadas para lidar com a promoção do bem-estar emocional dos seus funcionários. Quem o diz é Cassiana Tavares, psicóloga e autora de “A Bíblia da Carreira”, o mais recente livro sobre o burnout no local de trabalho.

Em entrevista à PME Magazine, a escritora explica a importância de “sentar à mesma mesa” as necessidades das empresas e as capacidades dos trabalhadores, para que o ambiente de trabalho seja mais positivo e, consequentemente, mais produtivo.

PME Magazine – Qual foi o ponto de partida para redação deste livro?

Cassiana Tavares (C. T.) – Um desafio da Manuscrito: escrever um livro em torno de “já chega de odiar o trabalho”. Entretanto, construiu-se o índice a partir de temas que nos pareciam importantes para o bem-estar das pessoas; a performance e a gestão da carreira tinham de estar também. E foi, assim, que chegámos a um conjunto de sete temas para quem quer viver bem o trabalho. Por isso, o nome Bíblia: um conjunto de livros, que pode ser uma referência para pensar e melhorar o trabalho e a vida.

PME Mag. – A saúde mental é um tema cada vez mais importante. Como olha para a atitude das empresas perante o bem-estar dos trabalhadores?

C. T. – Há a clara compreensão de que é um tema real. Porque os efeitos são visíveis nas pessoas: há ansiedade, há pânico, há tristeza e incapacidade de lidar com o stress. Temos pessoas em burnout. Isso reflete-se na capacidade para o trabalho e nas dinâmicas de grupo. O que as empresas ainda não sabem bem é lidar com o tema, inclusive como distinguir situações: esta queixa é real? Há muita dificuldade em perceber se o que o profissional está a viver é legitimo. E há mais dificuldade ainda em perceber como se chegou aí.

O que as empresas ainda não sabem bem é lidar com o tema, inclusive como distinguir situações.

PME Mag. – Que mudanças gostaria de ver implementadas nestas empresas?

C. T. – Parar com as abordagens motivacionais. Deixar de psicologizar tudo. E olhe bem que eu sou psicóloga. A dinâmica psicológica nunca sai do meu radar. Mas temos de ir além dos fatores psicológicos do trabalho. Imagine se está calor, não basta treinar para lidar com o calor emocionalmente. Tenho de mudar a roupa? Beber água? Mexer no ar-condicionado? É o mesmo com as condições que nos levam aos problemas de saúde mental. O que é que está a quebrar as pessoas? Não podemos continuar só a falar de gestão emocional e de soft skills. Dizer a uma pessoa, que tem horas de trabalho intermináveis e irregulares, que tem de aprender a gerir o stress é uma violência. É preciso uma abordagem centrada no trabalho real, a Psicologia do Trabalho está a dizer isso há muito tempo. Quais são os objetivos, que condições têm as pessoas, que dinâmicas de grupo se estão a gerar e o que quer a empresa? Vamos sentar as partes à mesa e construir. Porque desenvolver uma empresa não significa quebrar as pessoas. Da mesma forma, proteger a saúde mental das pessoas, não pode significar falir uma empresa. Está na altura de perceber que o bom trabalho é bom para todas as partes.

Vamos sentar as partes à mesa e construir. Porque desenvolver uma empresa não significa quebrar as pessoas.

PME Mag. – Acredita que um ambiente de trabalho saudável possa influenciar o bem-estar de cada um de nós noutros aspetos da vida?

C. T. – Claro que sim. Muito do nosso propósito na vida está ligado ao nosso trabalho. E não interessa tanto qual a nossa profissão, mas o sim o significado que lhe damos. Esse ambiente saudável de que fala terá de passar por dinâmicas de colaboração entre as pessoas, por objetivos e meios adequados, pela possibilidade de aprender e de fazer coisas novas. Aprender é uma condição de saúde e de bem-estar ao longo da vida. Aprender ao longo da vida não é ir para a universidade sénior quando somos idosos. É ter uma dinâmica de trabalho que é inteligente, evolutiva. Como não estar bem depois no resto? Temos riqueza mental, o que promove o estado emocional, com potencial para termos mais disposição para outros e, inclusive, de gerarmos mais riqueza pessoal e para a empresa.

PME Mag. – Recentemente, muitas empresas adotaram o regime de teletrabalho. Considera que esta mudança na rotina veio influenciar a saúde mental dos trabalhadores?

C. T. – Muito. E tenho exemplos muitos opostos: pessoas que melhoraram porque poupam no tempo das viagens e assim têm uma vida mais equilibrada; porque ficaram longe de uma chefia agressiva; porque adoram a autonomia e são mais produtivos. Ou, pelo contrário, pessoas que ficaram doentes por estarem sempre em casa, sem contacto com outros, que trabalharam em excesso, que ficaram tão desorganizadas que deixaram de ser produtivas, que desgastaram as suas relações conjugais e pediram o divórcio com todo o impacto emocional que daí advém. Há que manter a liderança do nosso trabalho em casa: saber o que fazemos, ter os meios muito definidos, manter tempo de trabalho vs tempo de lazer e descanso e, muito importante, estar ligado aos colegas e à liderança. O trabalho da equipa dá segurança no teletrabalho.

PME Mag. – Qual o melhor conselho que dá a quem pretende valorizar a sua pegada no mercado de trabalho?

C. T. – Candidatar-se a empregos alinhados com a vida que quer viver e a pessoa que é ou quer ser.  Há pessoas que vão para um emprego e depois oferecem à organização algo que não é o que lhes foi pedido. Há que negociar muito bem o que está em jogo. Mas às vezes, quando se quer muito entrar, diz-se qualquer coisa na entrevista. Quando estamos lá dentro, depois temos os problemas. Por isso, invista em pensar em quem é, as suas forças, qual o rumo que quer dar à sua vida e candidate-se a trabalhos alinhados com isso. A sua pegada vai ser em alta, porque quando estamos alinhados, temos potencial para entregar muito no trabalho e receber de volta também.

Quando estamos alinhados, temos potencial para entregar muito no trabalho e receber de volta também.

PME Mag. – Como gostaria que a sociedade olhasse para a questão da saúde mental daqui para a frente?

C. T. – Como a alma que não queremos perder. Há umas frases de Jesus com que termino o meu livro “que proveito tem alguém em ganhar o mundo inteiro e perder a vida? Que poderá uma pessoa dar em troca da sua vida”. O que lhe interessa a si desafiar os seus limites e ter “sucesso” no trabalho e um dia perceber que está cansado de mais, ansioso, triste, que é uma pessoa altamente exigente com os outros, que não aguenta as costas, tem excesso de peso e nem reconhece a sua alma, ou seja, quem é. Seria impossível vivermos saudáveis sem trabalho. E digo-lhe mais, da minha ciência, quem trabalha pior é mais infeliz. Por isso, quando eu falo disto, não estou a encorajar os profissionais a perderem o seu brio. É o contrário. Trabalhe tão bem, que no final olha para trás e vê que foi inteligente no trabalho a vida toda, manteve-se saudável e sente-se íntegro ou inteiro. Para isso, há que manter um estilo de vida saudável, estar num trabalho em que se aprende e se partilha conhecimento, em que podemos construir juntos novos conhecimentos, que mudam o trabalho para melhor. Tudo isso é que faz uma boa saúde mental. E é dessa forma complexa e interligada que eu gostaria que olhássemos. Não há uma fórmula mágica. Há que viver bem, para ter saúde mental.