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E se pudéssemos transformar o mundo a partir do local de trabalho?

Por: Maria Palha, psicóloga e fundadora da Associação Behuman.org.pt

Nos últimos anos tenho trabalhado dois contextos aparentemente diferentes, em contextos humanitários e empresariais. Digo sempre que os números me afastam do essencial, mas quando têm mais que dois dígitos acabam por ter uma dimensão assustadoramente interessante.

650 milhões é o número de pessoas deslocadas dos seus países devido a guerras e 1 Milhão é o número de pessoas deslocadas devido a catástrofes naturais. 165 milhões é o número de Europeus afetados por uma doença mental, dos portugueses 22,9% sofre de uma perturbação psiquiátrica e 14% é a percentagem de urnout devido a stress crónico no trabalho e 80% a probabilidade de o desenvolver. 

Creio que é facil empatizar com o medo de Asma e Ramin em perder seus filhos ao fugir de uma guerra, entender o seu estado de alerta durante dias e noites; com a preocupação de Yo-Min em proteger a família de mais uma epidemia e com a sensação de estar refém da distribuição humanitária, com a tristeza de uma Romina quando perde seu marido na linha da frente, com a revolta competitiva do Hamed ao ver que seu grupo armado está em desvantagem.

Na verdade, questiono se não serão estas as emoções sentidas em silêncio por tantos colaboradores de empresas nacionais: o medo, a preocupação em proteger a família, de estar refém da situação, ansiedade perante a pressão do contexto, que leva a dias e noites de alerta e insónias, a pressão da competição e a sensação de acordar, diariamente, para mais um dia de luta ou a perda de sentido de propósito no que se faz. 

O Dalai Lama diz que as pessoas não abandonam os seus trabalhos, abandonam ambientes e culturas tóxicas

Em que momento começámos a contribuir para culturas laborais como se fossem campos de batalha? 

Mais, por detrás de um colaborador nesta condição, está uma família, está um circulo social. Afinal, que sociedade estão as empresas nacionais a formar? 

Imaginemos um cenário em 2020: um colaborador de uma grande empresa de comunicação portuguesa. Colaborador num cargo de primeira linha, casado com 2 filhos, de 5 e 8 anos, que diarimente chega a casa esgotado, sem tempo para ter tempo de qualidade com as pessoas com quem vive, zangado, frustrado, irritado. Que jovens serão estes em 2035? Que motivações, referências de amor, de auto-cuidado, de criação ligações significativas entre si, de sentido de propósito ou bem estar comum? 

Será que as empresas contribuem para a formação futura de gerações doentes?

Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades e contextos é o terceiro objetivo dos Millenium e muitos decisores políticos já assumiram este compromisso.

E se apoiássemos as empresas a cuidarem dos seus colaboradores como se fossem a sua família? Empresas onde cada colaborador tem o seu kit de saúde emocional e consegue saber quando, como e o que integrar nos seu dia a dia, hábitos saudáveis de auto-cuidado, na sua relação com os outros e com o planeta ou, pelo contrário, quando procurar ajuda especializada?