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Inclusive Community Forum Nova SBE Isabel Brito Margarida Caldas
Coordenadoras da Inclusive Community Forum: Isabel Almeida Brito e Margarida Castro Caldas (Foto: Divulgação)

“As empresas estão cada vez mais predispostas a arriscar” – Inclusive Community Forum

Por: Maria Inês Jorge

No dia internacional das pessoas com deficiência, recordamos o Inclusive Community Forum (ICF), um projeto de inclusão social implementado pela NOVA SBE em conjunto com instituições e empresas, que visa ajudar pessoas com deficiência a ingressar no mercado de trabalho.

O projeto Inclusive Community Forum, que surgiu em 2017, fruto de uma experiência pessoal que se veio a transformar num projeto que envolve toda a sociedade. Em entrevista à PME Magazine, Isabel Almeida Brito e Margarida Castro Caldas, coordenadoras da iniciativa, falam sobre a vontade das empresas em haver uma maior abertura para a admissão de pessoas com deficiência.

PME Magazine – Qual foi o ponto de partida para o projeto?

Inclusive Community Forum O ICF nasceu de uma experiência de vida pessoal: há oito anos, o Rui e a Carmo Diniz adotaram um filho com 99% de incapacidade. Ao longo dos anos, sentiram dificuldade em encontrar respostas para os desafios com que se foram deparando – algumas soluções estavam disponíveis apenas para um tipo concreto de deficiência ou numa localidade específica. Por isso, tiveram a vontade de contribuir para o crescimento e disseminação de soluções estruturadas, inovadoras e possíveis de replicar em diferentes contextos. Foi assim que o Rui e a Carmo Diniz desafiaram a Nova SBE a desenvolver e implementar um projeto para a inclusão de pessoas com deficiência.

PME Mag. – O que vos levou a aderir ao ICF?

I. C. F. – O que nos levou a aderir ao ICF foi a vontade de ter um papel ativo e de transformação positiva na vida das pessoas com deficiência. A inclusão de pessoas com deficiência é um tema que facilmente passa despercebido, mas que precisa de muita atenção e trabalho. Poder fazê-lo a partir da Nova SBE e do seu ecossistema foi um valor acrescentado imenso.

PME Mag. – Que objetivos pretendem atingir com a iniciativa?

I. C. F. – A visão do ICF é ser o motor para uma comunidade mais inclusiva, na qual cada pessoa com deficiência pode cumprir o seu projeto de vida. Esta é a visão que nos guia e o grande objetivo que queremos alcançar. Para alcançar a nossa visão definimos três objetivos. Por um lado, existirem iniciativas criadas no âmbito do ICF que perduram no tempo, autonomamente, são replicadas e têm sucesso. Por outro, testemunhar uma comunidade transformada, uma comunidade mais sensibilizada, mais comprometida, mais ativa e que leva esta transformação a outros. E, por fim, testemunhar vidas de pessoas com deficiência transformadas, tirando partido das novas oportunidades criadas.

PME Mag. – Sabemos que o ICF tem várias parcerias com instituições e empresas que entendem a importância da inclusão. Como tem sido a adesão destas entidades à iniciativa?

I. C. F. – Esta mobilização e ativação da comunidade são um fator diferenciador do ICF. Tem havido uma excelente adesão das empresas e instituições, que contribuem de uma forma essencial para o nosso trabalho, tanto como parceiros de implementação de projetos, como através da validação e aconselhamento ao trabalho desenvolvido pela equipa operacional do ICF.

Houve desde o início uma disponibilidade imensa para participarem no Conselho das Instituições e no Conselho das Famílias, grupos de trabalho que pretendem garantir que as propostas de solução desenvolvidas são baseadas em necessidades concretas e em casos reais, e que são constituídos por pessoas com deficiência, as suas famílias, organizações sociais e empresas.

Houve também um grande envolvimento no Compromisso com a Inclusão e mais recentemente nos Inclusion LABs. Por vezes, vemos que o desafio está na capacidade de dar resposta à vontade de adesão, ultrapassando medos e mobilizando recursos. Mas também é para isso que o ICF existe, para ajudar a concretizar a vontade em ação, pondo à disposição processos claros, estruturados e acessíveis a todos no mercado.

PME Mag. – Que resultados têm obtido com essas parcerias?

I. C. F. – Estas parcerias, refletidas no envolvimento e participação das empresas, instituições e outros stakeholders relevantes na vida das pessoas com deficiência, permitiram-nos criar iniciativas para uma maior inclusão. Assim, tanto as iniciativas criadas no tema da empregabilidade, como as iniciativas que estão a ser desenvolvidas no tema da educação, são fruto desta adesão e participação.

PME Mag. – O primeiro tema abordado pelo ICF foi a empregabilidade. De que forma é que o projeto ajudou pessoas com deficiência a encontrar emprego?

I. C. F. – Através de quatro iniciativas diferentes: uma que trabalha o lado dos candidatos, capacitando-os melhor para o mercado de trabalho – o “Peer2Peer”; outra que trabalha o lado das empresas, através de uma série de vídeos que ajudam a perceber como é possível e positivo empregar pessoas com diferentes tipos de deficiência em diferentes tipos de funções no mercado de trabalho – o “Inclusive Future”; outra que visa unir estas duas realidades, pessoas com deficiência que querem trabalhar e empresas que querem contratar, através da mobilização e capacitação de empresas de recrutamento e seleção para o recrutamento inclusivo – o “Processo de Recrutamento Inclusivo”; e por fim, o “Compromisso com a Inclusão”, que vem desafiar as empresas portuguesas a fazer parte de um grupo de empresas que estão comprometidas com a contratação de colaboradores com deficiência.

PME Mag. – Quais são os grandes obstáculos que são colocados à empregabilidade de pessoas com deficiência?

I. C. F. – Quando desenvolvemos o diagnóstico sobre o tema da empregabilidade, no fim de 2017, encontrámos três obstáculos principais à empregabilidade de pessoas com deficiência. Por um lado, a falta de predisposição, por parte de algumas pessoas com deficiência para o mercado de trabalho por falta de oportunidade ou questões ligadas à envolvente familiar (fatores socioeconómicos ou questões de falta de motivação para o emprego). Por outro lado, a falta de consciencialização e predisposição por parte das empresas.

Em Portugal, grande parte das empresas ainda não empregava pessoas com deficiência porque nem considerava essa hipótese.

Quando questionadas se o fariam, algumas respondiam afirmativamente apesar de não saberem como deveria decorrer o processo, e outras apresentavam algumas reservas que as impediam de querer avançar. Finalmente, caso os dois obstáculos anteriores não se verificassem, e havendo vontade de trabalhar por parte das pessoas com deficiência e vontade de contratar por parte das empresas, existia ainda a ausência de um mecanismo que fizesse o mercado funcionar garantido o encontro entre a oferta e a procura.

PME Mag. – Com uma taxa de desemprego tipicamente tão elevada de pessoas com deficiência, como pensam combater essa tendência?

I. C. F. – Através das quatro iniciativas detalhadas anteriormente: o “Peer2Peer”, o “Inclusive Future”, o “Processo de Recrutamento Inclusivo” e o “Compromisso com a Inclusão”. Vemos que o “Compromisso com a Inclusão” desempenha um papel especialmente relevante, ao proporcionar um caminho que passa da sensibilização à ação. Com a assinatura do “Compromisso com a Inclusão”, as empresas beneficiam do apoio do ICF na operacionalização dos primeiros passos para a contratação de pessoas com deficiência, beneficiando do contexto da Nova SBE para formação de executivos e projetos de consultadoria através de teses de alunos, os Consulting Labs.

Inclusive Community Forum Nova SBE
Projeto Inclusive Community Forum (Foto: Divulgação)

PME Mag. – Em que consistem especificamente essas iniciativas de apoio à inclusão no mercado de trabalho?

I. C. F. – O “Peer2Peer” é um programa de preparação para o mercado de trabalho que, através de uma dinâmica em pares entre um aluno universitário e uma pessoa com deficiência à procura de trabalho, assume também como objetivo proporcionar uma experiência de encontro entre duas realidades diferentes. O “Peer2Peer” surgiu da necessidade de combater um dos obstáculos à empregabilidade identificados – a falta de predisposição e preparação para o mercado de trabalho por parte de algumas pessoas com deficiência, seja por falta de oportunidade ou por questões ligadas à envolvente familiar. Através deste programa, ambos os participantes beneficiam da oportunidade de conhecer um mundo diferente do seu e aprender a lidar com o mesmo, superando o medo do desconhecido e sendo surpreendidos pelas capacidades inesperadas de cada um.

“O Peer2Peer ajuda a sensibilizar as gerações mais novas – os futuros líderes – para a necessidade de se criar uma comunidade mais inclusiva, formando para a importância e para o valor acrescentado da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.”

Este programa oferece ainda, aos alunos universitários, a oportunidade de contactarem com esta realidade e quebrarem possíveis preconceitos sobre a mesma. O programa decorre durante oito sessões semanais, compostas por workshops e sessões de um para um, nas quais os pares trabalham em conjunto temas como identificação de capacidades próprias, interesses e metas pessoais, conhecimento do mercado de trabalho, desenvolvimento de ferramentas como o curriculum vitae (CV), o perfil de capacidades (PC) e a preparação e simulação de entrevistas de trabalho com empresas de recrutamento e seleção. Paralelamente, ao longo de todo o programa, os pares vão desenvolvendo relações de amizade entre si, o que leva a um sentido de pertença e espírito de grupo bastante positivos. O “HR4Inclusion” surgiu da necessidade de combater um dos obstáculos à empregabilidade identificados – a ausência de um mecanismo que faça este mercado funcionar e garanta o encontro entre a oferta e a procura. Assim, o “HR4Inclusion” veio testar um mecanismo de mercado executado pelas empresas de recrutamento e seleção, que fazem a ligação entre os perfis das pessoas com deficiência à procura de emprego e as necessidades específicas das empresas que querem contratar pessoas com deficiência. A centralização de um processo nas empresas de recrutamento e seleção, o conhecimento (know-how) já adquirido por estas, assim como a sua rede de clientes já estabelecida, possibilitam uma maior eficiência e oportunidade de escala, potencializando o aumento da empregabilidade de pessoas com deficiência.

“Passa a existir um ponto central de referência para o encontro entre as pessoas com deficiência que querem trabalhar e as empresas que procuram contratar estas pessoas, em vez de serem dadas respostas pontuais a casos específicos.”

Este projeto-piloto resultou na criação do “Processo de Recrutamento Inclusivo”, que visa capitalizar o know-how das empresas de recrutamento e seleção, garantindo uma correspondência adequada entre a função disponível na empresa e as capacidades e preferências do candidato em questão. O “Processo de Recrutamento Inclusivo” está a ser atualmente aplicado pela Argo Partners, Michael Page e Randstad, que podem ser contactadas para o efeito.

PME Mag. – Desde o início do Inclusive Community Forum, em 2017, quais foram as principais mudanças observadas na atitude de empresas e instituições perante a contratação de pessoas com deficiência?

I. C. F. – Vemos tendencialmente uma maior abertura e predisposição do lado das empresas. O tema da diversidade e inclusão, assim como os objetivos de desenvolvimento sustentável, estão cada vez mais presentes nas agendas corporativas, e com ele o recrutamento de pessoas com deficiência. A Lei 4/2019, que estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência também veio impulsionar esta tendência.

“As empresas estão cada vez mais predispostas a arriscar no que muitas vezes é uma realidade desconhecida.”

Vemos também mais empresas a passar à ação e a concretizar, apesar de ainda sentirmos alguma inércia. Esta inércia é natural, não só pelo contexto da pandemia que vivemos, em que o mercado ficou pouco recetivo a novas contratações, mas também pelos medos subjacentes, pelas necessidades de adaptação dos postos de trabalho, nalguns casos, pela necessidade de alocação de recursos… sabemos que esta é uma corrida longa, não será um sprint. Do lado das organizações sociais, vemos uma maior abertura para colaborar com outras instituições e com empresas, fruto da oportunidade que lhes é apresentada para trabalharem em conjunto.

PME Mag. – Com uma pandemia pelo meio, quais foram os grandes desafios encontrados para poderem continuar com o projeto?

I. C. F. – Os desafios foram enormes, tanto para a empregabilidade – efetivar contratações – como para o desenvolvimento dos projetos do tema da educação. No tema da educação começámos a implementar uma nova metodologia, a mudança sistémica, que vive do envolvimento e colaboração da comunidade desde o entendimento dos problemas à identificação e criação de soluções. Todo o processo de facilitação deste grupo da comunidade – os Inclusion LABs – a cargo do ICF, foi muito condicionado pela pandemia, uma vez que teve de ser totalmente adaptado para um formato online; os próprios projetos deparam-se com inúmeras dificuldades: falta de disponibilidade das escolas para pensar em projetos piloto no âmbito de uma maior inclusão; falta de disponibilidade das empresas para acolherem alunos para estágios; para não falar da exigência pessoal para cada um dos participantes que foi continuarem envolvidos num processo online, com pessoas que ao início desconheciam e com as dificuldades naturais provenientes do trabalho remoto e da incerteza dos tempos vividos.

“Ainda assim, temos conseguido continuar, o que se deve ao enorme sentido de responsabilidade e compromisso dos participantes que trabalham connosco.”

PME Mag. – Já existe previsão para o terceiro tema abraçado pelo ICF?

I. C. F. – O ICF foi desenhado para ter a duração de cinco anos. Estando a entrar nos últimos dois anos, vamos focar a nossa atividade na consolidação do trabalho feito nos temas da empregabilidade e da educação, de forma a assegurar que as iniciativas criadas alcançam o sucesso desejado.

PME Mag. – E quanto ao futuro? Como imaginam o ICF e o impacto das suas ações daqui a um ano?

I. C. F. – Daqui a um ano imaginamos as iniciativas da educação consolidadas e com planos estratégicos de sustentabilidade a serem postos em ação. Na empregabilidade, vemos também mais empresas sensibilizadas e ativamente a contratar, e novas recrutadoras a oferecer serviços de recrutamento inclusivo. No futuro vemos estas soluções a continuar a ganhar vida para além do ICF, enraizando-se cada vez mais na comunidade para, acima de tudo dar a mais pessoas com deficiência a oportunidade de concretizar o seu projeto de vida.