Por: Sandra Laranjeiro dos Santos, LS Advogados, RL
A notícia do falecimento de Alexandre Soares dos Santos poderia ser o mote para este artigo, mas a verdade é que a história do homem que veio para Lisboa com um ano de idade, quando o seu pai se mudou para a capital para trabalhar com o sogro na Jerónimo Martins, e o desenlace desta estória com mais de 4.100 lojas que se estendem por mais de 10.000 quilómetros entre Colômbia, Portugal e Polónia, é apenas mais um exemplo do impacto que as empresas familiares têm no tecido empresarial português.
Segundo um estudo feito em 2011 a propósito do tema, 80% das empresas portuguesas são familiares e estas são responsáveis por gerar 60% do Produto Interno Bruto, 50% da empregabilidade deste belo país à beira mar plantado.
As empresas familiares constituem a mais antiga e dominante forma de organização empresarial e são os principais agentes do setor privado na economia mundial.
Tudo isto leva qualquer leigo na matéria a compreender que a dinâmica das empresas familiares merece e precisa de ser estudada, pois o ADN que estas fazem transpirar nos bens ou serviços que criam, não só as diferencia no mercado como é a pedra basilar da sua (auto)subsistência. Contudo, se a filosofia do negócio (seja ele qual for) é intrínseco a cada família, os desafios, esses, parecem ser comuns: das 2802 entrevistas a presidentes executivos de empresas familiares, feitas pela Consultora PwC foram identificadas duas grandes fragilidades neste tipo de empresas: o risco de colapso por não planearem a sucessão e alguma indiferença perante os desafios da revolução tecnológica.
De acordo com o referido estudo, 43% das empresas familiares inquiridas não dispunham de qualquer tipo de plano de sucessão, embora os mesmos inquiridos reconheçam a necessidade de planear a sucessão como uma prioridade e desafio. Contudo, porque a decisão sobre uma nova liderança pode ser uma fonte de fortes discórdias e divisões familiares o tema é muitas vezes adiado. Ora, a liderança é a chave mestra para o sucesso das organizações, pelo que no núcleo das empresas familiares torna-se ainda mais decisiva a sua escolha, a história mostra-nos que escolhas menos acertadas podem levar ao colapso de um “império”, razão pela qual o planeamento sucessório é aqui um grande desafio, mas representa também uma oportunidade para a inovação na linha da continuidade.
E por falar em oportunidade há ainda que assinalar que a nível da tributação uma empresa como “veículo do património global familiar” pode, também, ser uma excelente aposta para que o legado permaneça no seio familiar, com a menor tributação possível – vejamos.
Nas sucessões por morte, o imposto selo (antigo imposto sobre sucessões e doações) é devido pela herança, representada pelo cabeça-de-casal, e pelos legatários. Quando da herança faça parte uma empresa (que a lei identifica como estabelecimento comercial, industrial ou agrícola ou outro estabelecimento com contabilidade organizada), bem como quotas ou ações o valor da herança será, regra geral, determinado com base no balanço, sendo que os imóveis de que a empresa seja titular também são considerados no ativo do balanço pelo valor patrimonial tributário (vulgo, VPT).
O valor de quota social transmitida por herança é determinado pelo último balanço, na suposição de que esse balanço exprime a situação económica e financeira da sociedade e, portanto, a medida do enriquecimento gratuito do património do herdeiro.
Determinado o imposto poderá haver lugar à isenção de tributação em sede de imposto do selo, quando a herança seja partilhada pelo cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes. Note-se que se nenhum destes intervenientes ficar com mais de 75% do capital social da referida sociedade (por quotas ou ações) que seja proprietária de imóveis situados em território português, a partilha da herança não gerará a incidência de Imposto sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).
De igual modo, há aqui que destacar que quando destas empresas faça parte um elevado espólio imobiliário, os herdeiros poderão (ainda) beneficiar de uma taxa reduzida do Adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), isto porque o legislador permite que a tributação do AIMI passe para a esfera dos herdeiros desde que exista um procedimento ativo do cabeça-de-casal e confirmação dos dados por parte dos herdeiros por este mencionados.
Com este procedimento consegue-se repartir o património imobiliário que integra a herança e evitar o AIMI ou um maior pagamento de imposto. Dizemos evitar, pois se na esfera de cada herdeiro de per si ficar reunido um espólio imobiliário inferior aos 600.000,00 euros de VPT não haverá AIMI a pagar, ainda que no seu conjunto o espólio imobiliário (da herança no seu todo) seja de valor bastante superior.
Para o efeito, o cabeça-de-casal terá de entregar uma declaração identificando todos os herdeiros e as suas quotas nessa herança, até 31 de março, e os herdeiros terão de confirmar essas quotas declaradas, igualmente através de declaração, de 1 de abril a 30 de abril. Cumprindo estes procedimentos, a herança indivisa deixa de ser tributada em AIMI, passando o novo imposto a recair sobre os herdeiros, será cada herdeiro a suportar a sua quota-parte, dividindo-se assim o valor.
As empresas familiares têm desafios e oportunidades a considerar no planeamento sucessório, duas faces de uma mesma realidade que bem ponderadas permitirão assegurar a sustentabilidade daqueles que geram grade parte da riqueza neste país.