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Índice de confiança dos vendedores baixou com pandemia
Foto: Pixabay

O estigma das vendas nas PME – parte 2

Por: Helga  Saraiva-Stewart

Este é o segundo de dois artigos que exploram os mitos e estigmas que perseguem os profissionais das vendas ainda hoje. Neste artigo vamos recordar alguns dos acontecimentos das últimas duas décadas que mudaram o mundo e a forma como a nova geração das vendas se adaptou à nova realidade e se manterá relevante face a novas dinâmicas.

Os mitos das vendas
Helga Stewart, fundadora e CEO da Lead-Results (Foto: D. R.)

É realmente impressionante verificar que a velocidade da inovação tecnológica está a ser maior do que a nossa capacidade de adaptar. Por exemplo, 90% de todos os dados criados no mundo foi gerado só nos últimos dois anos.

Os anos 1990

Em 1998 o email tornara-se gratuito há relativamente pouco tempo, a internet ainda não era mainstream e uma pequena empresa chamada Google estaria a ser lançada. Hoje mais de metade do planeta utiliza email, os nossos filhos não sabem o que é viver sem internet e 92.62% da informação pesquisada na internet é feita através do mecanismo de busca do Google.

Em 1998 o mais parecido a uma rede social na World Wide Web era um serviço de hospedagem de sites chamado Geocities aonde era possível visitar ‘cidades’ virtuais e pertencer a uma comunidade. Um serviço que chegou a atingir 38 milhões de páginas.

O Facebook por sua vez nasceu em 2004 e hoje conta com quase 2,41 mil milhões de utilizadores ativos mensais. Como uma das 10 empresas mais valiosas do mundo, o Facebook mudou completamente e para sempre a forma como nos relacionamos.

Em 1998 os telemóveis ainda tinham antenas, mas o primeiro conteúdo descarregado num telemóvel (um ringtone) foi lançado. O tom de toque CrazyFrog gerou receitas de 500 milhões dólares e alcançou o primeiro lugar no Top britânico, superando até mesmo a banda Coldplay.  Agora existem mais de 3,1 milhões de toques disponíveis comercialmente para baixar no telemóvel.

Os 00’s (noughties)

Com o lançamento do iPod em 2001 e o iPhone em 2007, a Apple ergue a fasquia e revoluciona o termo dispositivos conectados e smartphone. Em 2008, a Google faz check-mate e conquista 85% do mercado de smartphones com o Android, um sistema operativo de código aberto que não é limitado ao hardware do produtor.

Pessoas a viver em aldeias remotas à volta do mundo, provavelmente sem acesso a uma casa-de-banho, poderão ter acesso a um smartphone android e a uma incalculável quantidade de informação nele contida.

E-commerce

1,92 mil milhões de pessoas vão comprar algo online em 2019 e 87% das pessoas procuram referências e testemunhos sobre produtos na Internet antes de tomarem a decisão de compra.

Concebida numa garagem em 1994, o gigante de e-commerce – a Amazon – é hoje uma das três empresas mais valorizadas e uma das cinco maiores empresas de tecnologia do mundo. Controla perto de metade das vendas em retalho nos EUA e gerou receitas líquidas de $232,9 mil milhões de dólares em 2018. Fundada cinco anos depois, o único outro gigante do e-commerce Alibaba já controla cerca de 58% deste mercado na China, atingindo receitas líquidas em 2018 de $10,21 mil milhões de dólares.

Há 25 anos tínhamos de fisicamente ir a lojas para comprar algo. A internet e o e-commerce abriram um universo de novas possibilidades. Depois de experimentar o serviço Amazon Prime, que entrega as compras gratuitamente em 48 horas e que agora conta com cerca de 100 milhões de subscritores, os compradores começam a exigir o mesmo de outros retalhistas online. Com bastante experiência em superar expectativas, o futuro da Amazon hoje parece indissociavelmente ligado à Inteligência Artificial e inovação no espaço comercial.

O dedo no ‘gatilho’

Agora, os comerciais estão preparados para atualizar no Linkedin, postar no Facebook, enviar Tweets, reunir através de Skype ou Webex, gravar um vídeo no YouTube e falar com a sua audiência onde quer que ela se encontre.

Agora, imagine um Diretor Comercial em Nova York ou Londres chegar ao seu escritório numa manhã e meramente anunciar à sua equipa que irão todos regressar às práticas de 20-30 anos atrás?

Numa formação de vendas old-school o indivíduo é ensinado competências para lidar com tarefas em vez de propósitos. Por exemplo: como se apresentar, como fazer a demonstração do produto, as frases para fechar a venda.

A nova-geração das vendas foca-se no propósito do contacto-frio, no alinhamento com os objetivos e desafios do cliente e no valor que se cria para o cliente na interação com ele.

teatro das vendas

Ainda me lembro de literalmente ter de ler guiões numa conversa telefónica com um prospect. Há também quem se lembre de ter de memorizar a informação a relatar na demonstração do produto bem como os gestos a fazer durante a apresentação.

Para ‘fechar’ a venda havia frases definidas para serem utilizadas num momento específico. Hoje fechar o negócio é claramente importante, mas é um processo que começa no minuto em que nos apresentamos ao nosso cliente-alvo.

Para se apresentar não havia uma preocupação com uma boa primeira impressão ou em qualificar adequadamente o prospect. O costume era puxar conversa para o futebol ou a arte na parede com o intuito de desenvolver uma relação com a pessoa, acima de tudo.

Tempo é dinheiro

O tempo do cliente moderno é valioso e se o comercial não demonstrar quase imediatamente como se pode tornar um recurso de valor para ele(a), passa à história. Obviamente, se está a conviver com o cliente, saber ter uma conversa social é importante. Mas no contexto profissional, ser direto ao assunto é uma arte que muitos ainda não dominam.

Qualificar e fazer as perguntas certas e interessantes vai conquistar a atenção do prospect e aumentar a probabilidade de se tornar esse tal recurso valioso . Quando falamos não controlamos a venda, mas sim quando ouvimos atentamente as respostas que os clientes oferecem relativamente ao que lhes interessa.

Desenvolver uma boa relação profissional com o cliente já não é a finalidade na venda, mas sim um princípio básico. O verdadeiro valor na venda moderna não é  produto em si, mas sim o conhecimento e a mais-valia que cria para o cliente durante toda a sua interação com ele. Vender tornou-se o resultado do valor gerado nessa interação.

Quem lidera?

Nos EUA e em países da Europa, como o Reino Unido, Alemanha, França, Escandinávia, Itália, Áustria e Irlanda, o setor das vendas é cada vez mais reconhecido e valorizado pelas empresas e indivíduos.

Empresas e mais recentemente colégios e universidades patrocinam e investem milhões de dólares no treino e desenvolvimento de talento para as áreas comerciais das organizações mais poderosas e competitivas do mundo. Estes negócios competem para atrair os melhores graduados e pós-graduados e oferecem remunerações e pacotes financeiros invejáveis, mantendo a carreira nas vendas entre as profissões mais bem pagas no mundo hoje.

As instabilidades financeiras

A recessão de 2000 causada pelos escândalos de fraude e corrupção empresarial e o estouro da bolha da Internet, agravada pelos atentados de Nova York, assistiu inúmeras empresas falir e a confiança geral dos investidores deteriorar.

As fragilidades nos mercados que se seguiram culminaram em 2007-2009 na que seria considerada a maior crise financeira desde a Grande Depressão de 1929. Dez anos depois, economias à volta do mundo mostram sinais de recuperação, embora entre constantes incertezas.

Eventos como o burst da .Com ou da Tech Bubble, os escândalos de fraudes empresariais como a Wordcom e a Enron, e o crash dos mercados internacionais em 2000-02 ficaram na história.

As catástrofes naturais, as mudanças climáticas, a pegada ecológica e o impacto irreversível do nosso consumo no planeta. A conclusão do Projecto do Genoma Humano em 2003, e genetic engineering em 2013.

Novo posicionamento

A forma como as empresas se posicionam nos seus mercados hoje em dia mudou radicalmente. Os melhores vendedores à volta do mundo adaptaram-se à nova realidade e às novas exigências do seu comprador (mais informado e digital) e adotaram novas técnicas e boas-praticas que executam na perfeição.

Vinte anos e várias lições aprendidas mais tarde, um facto é indiscutível para os profissionais nas vendas B2B. Vender nos mercados modernos, sofisticados ou altamente lucrativos tornou-se uma ‘arte e uma ciência’. A arte de cativar a atenção do nosso cliente e a ciência de cativar o cliente certo.

Artigo originalmente publicado no Sapo Prime