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João Braz Pereira, head of customer performance development na CEGOC e general manager da FranklinCovey Portugal (Foto: Divulgação)

Formação ou transformação?

Por: João Braz Pereira, head of customer performance development na CEGOC e general manager da FranklinCovey Portugal

A transformação tem normalmente subjacentes mudanças duradouras e consistentes de comportamentos e a adoção de novos padrões de conduta. Novos hábitos. Mudar de hábitos não é fácil. Não acontece de forma espontânea nem linear. Tem altos e baixos e requer atenção, disciplina, persistência e intenção direcionada, só possíveis se houver da parte do indivíduo um sentido de utilidade e de propósito que o leve a perseverar na mudança e a transformar-se efetivamente. Neste quadro, a transformação é antes de mais uma decisão, um processo de liderança pessoal que tem a sua origem na identidade e na forma de cada um ver o mundo, requer sentido de propósito, intenção e disciplina e muitas vezes apoio e suporte exterior.

Em contexto organizacional a responsabilidade de provocar mudanças duradouras e consistentes nos comportamentos e nas práticas dos colaboradores é muitas vezes atribuída à formação. Assume-se que, para conseguir provocar a transformação, basta transmitir conhecimento em eventos formativos em que um formador partilha conhecimentos, técnicas e experiências. Com isso, proporcionará oportunidades de experimentação e treino com base em exercícios práticos e simulações mais ou menos relacionadas com os desafios enfrentados pelos participantes no quotidiano profissional.

Quando as coisas correm bem e se tomam boas decisões em relação a conteúdos e mensagens críticas, cargas horárias, perfil do formador e metodologia aplicada em sala, os participantes adquirem novos conhecimentos, tomam consciência de algumas coisas que fazem bem e de outras que precisam melhorar. Consegue-se gerar entusiasmo em relação à mudança e até definir alguns compromissos de ação. Fica nessa altura a sensação que tudo correu bem e as avaliações dadas pelos participantes assim o confirmam.

De facto, tudo correu bem dentro da sala de formação. Contudo, no dia seguinte, o entusiasmo e a vontade de mudar têm de enfrentar a realidade do quotidiano, dos prazos de entregas, das múltiplas solicitações, dos chefes com prioridades pouco claras e das obrigações familiares. Aquilo que era um ímpeto de mudança vai sendo engolido pelo quotidiano, por prioridades e solicitações que nos consomem a atenção e a intenção de mudança. Até que o evento formativo acaba por ser uma recordação de um momento em que se tomou consciência que deveria proceder de forma diferente, mas que na prática se traduziu apenas na introdução de uma ferramenta nova e no ajustamento de um ou outro comportamento. Objetivamente, conseguiu-se proporcionar uma boa experiência formativa aos participantes, conseguiu-se introduzir alguma melhoria, mas falhou-se redondamente o objetivo de transformação.

Para que as intervenções formativas em contexto organizacional consigam provocar transformação e mudanças duradouras nos padrões de comportamento é fundamental ir para além da transmissão de conhecimentos e garantir 3 níveis de intervenção complementares:

1 – É preciso que a gestão de topo desenvolva e dê a cara por uma visão estratégica e um sentido de propósito coletivo para a transformação. E, com isso, se comprometa com a ação e com o foco nos resultados almejados;

2 – É necessário que todos os níveis de liderança da organização sejam capazes de alinhar processos, sistemas e o propósito das suas equipas com o propósito organizacional – promover a confiança e o engagement dos membros da equipa em relação à transformação e instituir uma cultura de feedback e práticas consistentes de acompanhamento à ação e suporte ao desenvolvimento dos membros da equipa;

3 – É fundamental que todos os colaboradores tenham hábitos de eficácia pessoal e profissional e adotem padrões de comportamento colaborativos e potenciadores de interdependência e do sentido de mudança coletivo em torno de um propósito comum.

Na verdade, se não considerarmos a ação articulada nestas 3 dimensões, e não perspetivarmos a transformação como um processo difícil, que é preciso acompanhar e suportar, e em que seguramente há coisas não irão correr bem à primeira, não estaremos a dar às nossas equipas condições para vencerem o desafio de transformação.