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Paulo Carmona
Paulo Carmona, presidente da Direção da Associação Portuguesa de Contribuintes (Fonte Divulgação

Imposto sucessório, redundante e pernicioso

Por: Paulo Carmona, presidente da Direção da Associação Portuguesa de Contribuintes


O debate sobre o imposto sucessório regressou, pela mão de dois partidos de extrema-esquerda, possíveis parceiros de Governo socialista, cenário perante o qual o próprio líder não esconde a sua simpatia.

Este imposto já existiu em Portugal, tendo sido extinto em 2003. Apesar das taxas elevadas o imposto produzia receitas baixas, tinha custos de gestão elevados e era um imposto de elevada complexidade técnica, na medida em que implicava a partilha da herança entre os herdeiros e a valorização de cada um dos bens. Algo que é particularmente complexo se estiverem onerados com ónus e encargos.

A sua extinção foi integrada numa revisão mais vasta de tributação do património, assente em diversos estudos que levaram à extinção do imposto sucessório, à inclusão das transmissões gratuitas no âmbito do Imposto do Selo a uma taxa fixa de 10% e à criação de uma isenção aplicável aos herdeiros legitimários. Foi igualmente criado um regime de avaliação recorrente do património imobiliário com um impacto relevante da tributação do património imobiliário na sua aquisição e alienação onerosa.

O Imposto Sucessório é uma figura tributária que, teoricamente, é de fácil justificação e atrativa para um ideológico “alisamento social”, mas que na prática se traduz numa violência exacerbada por ser comum inexistir liquidez nos herdeiros para a satisfação das obrigações fiscais quando os ativos alvo da sucessão são patrimoniais (empresas, ações, obrigações, imóveis). Uma vez que o imposto tem de ser pago em dinheiro, e a herança pode levar a que os herdeiros sejam forçados a alienar bens não líquidos, como imóveis ou sociedades familiares, apenas para pagar o imposto. Este fator é particularmente relevante num país como Portugal, cujos níveis de poupança são muito baixos e uma percentagem muito significativa das heranças são bens imobiliários ou (partes de) sociedades não cotadas.

Recordo também que a sociedade atual é global com elevada mobilidade de capital e de pessoas, levando a que impostos sucessórios potenciem situações de dupla ou tripla tributação em função da localização do autor da sucessão, dos herdeiros e dos próprios bens herdados, sendo possível que, no limite, os impostos devidos sejam superiores ao valor dos bens herdados.

Esta mobilidade de pessoas e bens tem vindo a acentuar a concorrência entre Estados pela atração de capital e pessoas, pelo que a tributação em matéria de impostos sobre património constitui um entrave a essa captação. E, uma vez que os Estados da UE resistem, para não dizer que recusam, introduzir uma harmonização fiscal na UE, impostos sucessórios nacionais representam um obstáculo significativo à livre circulação de pessoas e bens entre os países da UE (que é “apenas” um dos princípios fundamentais da UE).

Por outro lado, a receita fiscal do imposto sucessório representa uma percentagem inexpressiva da carga fiscal nos países onde ele existe. Em 2016, numa amostra que inclui a generalidade dos países da Europa Ocidental, os EUA, Canadá e Austrália, a receita fiscal do imposto sucessório e de doações não ultrapassava os 0,7% do PIB, havendo países onde não ultrapassa os 0,1% do PIB. Ou seja, não é nunca relevante para efeitos de promoção de maior equidade por via distributiva, mas antes e somente pela redução da riqueza transmitida. A prática mostra, também, que não é um método eficaz de limitação das transmissões entre os mais ricos, pois esses não são, em regra, afetados por estes mecanismos, dado o acesso privilegiado e atempado a formas legais de elisão e planeamento fiscais, não sendo assim uma ferramenta útil para combater as desigualdades sociais, até porque cairá sobre os mais pobres com menos capacidade de otimização fiscal dos patrimónios.

Sobre o imobiliário Portugal já contempla 4 impostos (IMT e Imposto do Selo, na compra, IMI na detenção e IRS/IRC sobre a mais-valia na venda). Com o regime fiscal atual, em que o valor atribuído aos imóveis recebidos por herança corresponde ao VPT à data do óbito, os herdeiros acabam sujeitos a IRS nos ganhos entre o valor de venda e o VPT à data do óbito. Com o regime atual, uma vez que aos herdeiros se aplica, quase sempre, um valor de aquisição inferior ao valor real de compra do imóvel por parte do autor da sucessão, pode inclusivamente afirmar-se que existe um imposto sucessório escondido no momento da venda, uma vez que os herdeiros pagam IRS que o autor da sucessão não pagaria, precisamente na diferença entre o VPT e o valor de compra efetuada pelo autor da sucessão. Na prática, existe um imposto sobre o ganho de capital dos imóveis ocorrido entre a aquisição (ou prévia transmissão) e o momento da herança, independentemente da liquidez do imóvel.

Assim, o imposto sucessório acaba por ser mais um imposto sobre bens imobiliários que acaba por incidir sobre os contribuintes sem capacidade para otimizar os seus patrimónios para o evitar.

E foi nesse quadro de inevitabilidade de existência de um âmbito de incidência real estreito – os imóveis – que, em 2017, se criou o Adicional ao IMI – AIMI – como elemento sucedâneo do imposto sucessório sobre imóveis. Neste quadro, as “grandes fortunas” com imóveis de valor superior a 1 milhão de euros, pagam este adicional, cuja receita é consignada à Segurança Social, com uma justificação idêntica ao do imposto sucessório: precisamente a necessidade de atenuação das disparidades sociais ou “alisamento social”. Assim, e na prática, o AIMI já é o Imposto Sucessório pago em “suaves prestações”.

A terminar, é um desincentivo perigoso à poupança e ao investimento. Num país tão descapitalizado e com tão baixos níveis de poupança como Portugal, isso seria nefasto, tal como a Associação Portuguesa de Contribuintes já fez questão de reiterar em parecer divulgado.

A existência do Imposto Sucessório é assim, no quadro atual, desnecessária, injustificada, redundante e perniciosa. Para além disso, não teria qualquer efeito concreto na alegada redistribuição de rendimento, apenas provocando complexidades desnecessárias e um pouco agradável “imposto sobre a morte”.