Maria Fátima Lucas, co-fundadora e CEO da Zymvol Biomodeling SL, é uma das 21 finalistas do ‘Prémio da União Europeia para Mulheres Inovadoras’ 2020.
Por Mafalda Marques
A Zymvol Biomodeling SL é uma startup catalã fundada em 2017 liderada pela portuguesa Maria Fátima Lucas, licenciada em Química pela Universidade do Porto (1994) com um mestrado e doutoramento (2002) em Química Computacional (2007) pela mesma universidade.
Conheceu os seus dois sócios Emanuele Monza (Italiano) e Victor Gil Sepulveda (Espanhol) no Barcelona Supercomputing Center (BSC) onde trabalhou durante nove anos antes de criar a empresa.
“Sou a CEO da empresa e responsável pelo crescimento da mesma e a criação de alianças estratégicas. O Emanuele é o Chief Scientific officer e responsável pela Investigação & Desenvolvimento e a produção. O Victor é o Chief Technological Officer e responsável pela manutenção da estrutura de IT da empresa e pelo desenvolvimento de software”, explica em entrevista à PME Magazine.
A ideia do negócio
Desde 2013 como investigadora sénior no BSC foi responsável por uma equipa de cinco alunos de doutoramento, incluindo o Emanuele. O sócio Victor fazia parte do mesmo grupo de investigação mas estava no departamento de desenvolvimento de software. Durante três anos trabalharam num projeto Europeu (INDOX) com 17 parceiros, incluindo a maior produtora de enzimas mundial, a Novozymes.
“A nossa função neste projeto era usar/desenvolver simulações computacionais para explicar a relação entre estrutura e função das enzimas desenvolvidas no mesmo. Quando o projeto acabou em 2016, e depois de ter visto a utilidade do que fazíamos, eu tive a ideia de continuar a trabalhar na área e por isso convidei aos meus sócios para crear a empresa”, adianta.
“No BSC desenvolvíamos modelos computacionais para encontrar novos medicamentos mas graças ao projecto INDOX fomos capazes de identificar outra aplicação de elevado interesse industrial. Naturalmente, já existiam outras empresas que usavam simulações moleculares para melhorar enzimas mas a nossa contribuição foi a de desenvolver métodos que qualquer indústria pode usar e não apenas indústrias privilegiadas (pelos seus elevados orçamentos para I+D) como é o caso da indústria farmacêutica. Na nossa empresa substituimos a maior parte do trabalho em laboratorios por simulações realistas o que reduz consideravelmente o coste e o risco associado ao desenvolvimento de novas enzimas”.
“O potencial de este tipo de simulações é nesta altura ainda impossível de prever. Se consideramos a velocidade a que estão a evoluir o software e o hardware não seria impossível pensar que num futuro não muito longe podemos fazer simulações de todo tipo de sistemas incluindo máquinas moleculares complexas que dependem da interação de muitas proteínas”, advoga.
Empresa premiada a nível mundial
A empresa recebeu vários prémios, entre os quais se destacam por terem sido selecionados como uma das 500 melhores startups de tecnologia do mundo pela organização Hello Tomorrow. Maria Fátima Lucas explica a importância destes reconhecimentos:
“Temos tido muita sorte desde o início da nossa empresa. Por exemplo: fomos seleccionadas como a startup industrial mais promissora de 2017 pelo IQS Next Tech e tambem ganhámos o pitch competition em Boston durante o programa do Richi Entrepreneurs. O reconhecimento da organização Hello Tomorrow deu-nos bastante visibilidade e é de particular importância já que apenas seleccionam empresas deep-tech.
Atualmente têm clientes em vários países europeus como Espanha, França, Áustria, Suíça, Alemanha mas também nos Estados Unidos, Brasil e Coreia do Sul, mas Maria de Fátima Lucas adianta algumas vantagens competitivas:
“A grande vantagem de viver num mundo completamente conectado, e ainda mais agora com a situação de pandemia, é possível fazer negócio com empresas em qualquer parte do mundo. Os nossos clientes conhecem-nos normalmente em conferências da especialidade onde muitas vezes somos convidados a fazer palestras. Por exemplo, em breve darei uma palestra na mesma manhã que a vencedora do prémio Nobel da Química em 2018 (Protein Engineering Conference)”.
A candidatura
Maria Fátima Lucas tomou conhecimento do ‘Prémio da União Europeia para Mulheres Inovadoras’ 2020 através de várias pessoas conhecidas que a desafiaram a concorrer e explicou à PME Magazine o processo.
“Para me candidatar ao prémio, primeiro tive de escrever uma proposta com três secções onde explicamos que tipo de inovação desenvolvemos na nossa empresa e como esta afeta a nossa sociedade. Daqui, selecionam as melhores propostas e somos entrevistadas por um júri de especialistas, cientistas e investidores. É depois deste passo que saem as finalistas”, adianta.
O seu dia-a-dia mudou consideravelmente desde o início da empresa e Maria Fátima Lucas conta algumas das suas rotinas.
“Quando crias uma startup, principalmente como fizemos nós, que investimos pessoalmente, os recursos são limitados e basicamente tens de fazer um pouco de tudo. Agora, a equipa já conta com 14 pessoas portanto posso dedicar a maior parte do meu tempo a fazer coisas relacionadas com a minha função.
A maior parte dos meus dias incluem contactos (telefone, email) com clientes, a grande maioria empresas multinacionais que são referências mundiais nos seus sectores, supervisionar as operações da empresa e naturalmente responder às pequenas crises que acontecem.
A empresa conta também com um importante departamento de I&D (7 empregados e mais de 2M€ de financiamento), portanto a estratégia de inovação tem que estar constantemente a ser revista. Actualmente, estamos já a desenvolver enzimas nossas e claro, essas decisões têm de ser ponderadas”, explica.
Apesar de serem uma jovem empresa inovadora tentam organizar as suas operações para oferecer o melhor nível de serviço, sendo que a certificação é o passo seguinte:
“Estamos atualmente em processo de certificação ISO 9001 e 27001 o que mostra que, apesar de sermos uma pequena empresa entendemos a importância de processos bem estabelecidos e definição de procedimentos. Como empresa computacional, não é surpreendente que usemos muitas ferramentas digitais e que todos os projectos sejam seguidos através de uma plataforma online que podemos aceder de qualquer sítio (muito importante pois viajo muito, em média a cada três semanas). Por outro lado, as decisões são tomadas por equipas de gestão, o que significa que eu não tenho que estar envolvida em todas as decisões da empresa o que nos permite ser bastante rápidos”.
Portuguesa, com certeza
Como portuguesa, Maria Fátima Lucas é um elemento de diferenciação na equipa e confessa o seu estado de espírito à PME Magazine:
“Sinto-me privilegiada por ter tido uma educação pública de alto nível no meu país. Esta formação foi fundamental para crescer como cientista e finalmente poder transformar conceitos teóricos numa aplicação industrial. Na nossa empresa desenvolvemos biocatalisadores que podem substituir processos químicos contaminantes por processos limpos e sustentáveis tão necessários no nosso planeta. Devo também comentar que esta transição do mundo académico ao mundo empresarial foi possível graças ao constante apoio do importante ecossistema empreendedor de Barcelona onde vivo há doze anos”.