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Mario Parra da silva apee responsabilidade social
Mário Parra da Silva, presidente da APEE (Foto: Divulgação)

“Muitas empresas ainda pensam que a ética e a responsabilidade social são custos” – Mário Parra da Silva

Por: Marta Godinho

Com o assinalar de 20 anos desde a sua criação, a Associação Portuguesa de Ética Empresarial (APEE) tem-se dedicado à ética e à responsabilidade social dentro das organizações. Em entrevista à PME Magazine, Mário Parra da Silva, presidente da APEE, fala sobre os desafios e dificuldades da associação, da sustentabilidade como fator chave nas organizações e faz o balanço das iniciativas comemorativas dos 20 anos.

 

PME Magazine – O que significa manter uma associação como esta ao longo de 20 anos?

Mário Parra da Silva – Significa acreditar e persistir na transformação da economia, e talvez da sociedade, para adotar como fundamento da sua atividade valores éticos e responsabilidade pelas suas ações, louvores e resultados financeiros como consequência das boas práticas, redução, mitigação e compensação pelas prejudiciais. Nunca em 20 anos nos faltaram apoios, voluntários e vontades. O significado só pode ser que vale a pena.

PME Mag. – Enquanto a sociedade se molda e atravessa constantes mudanças e novas adversidades, quais são os principais desafios para manter uma associação distintiva nos seus valores?

M. P. S. – A ética e a responsabilidade não estão sujeitas a mudanças, são dimensões perenes na vida das pessoas e também das pessoas coletivas. Em cada período de mudança existem novos desafios e novas formas de as concretizar, mas a mais-valia da associação mantém-se, enquanto centro de ação e reflexão sobre a matéria. Também fomos ajudados pela corrente geral do desenvolvimento sustentável, que eleva a necessidade de uma gestão ética e da assunção de responsabilidades para com as partes interessadas.

PME Mag. – Existe alguma dificuldade em conciliar princípios como a responsabilidade social, o desenvolvimento sustentável e a prática da ética empresarial?

M. P. S. – Pelo contrário, são naturalmente associados e não se poderá praticar uma dimensão sem a outra.

PME Mag. – O que é que ainda falta às organizações atuais em termos de ética e de princípios?

M. P. S. –Têm feito um caminho. Hoje, os instrumentos e o conhecimento ético estão muito mais disseminados, a responsabilidade social é bem conhecida. Mas não ignoro que falta ainda muito para colocar a economia portuguesa ao nível das mais avançadas. Muitas empresas ainda pensam que a ética e a responsabilidade social são custos, uma mania política da União Europeia, ou uma forma de passar encargos para as empresas, que deveriam ser assumidos pelo Estado. Mas o negócio continuado exige mais do que oportunismos pontuais. Alguém disse que se pode enganar sempre uns quantos e se pode enganar todos em alguma coisa, mas não é possível enganar todos sempre. Assim, a empresa que não respeita valores pode conseguir resultados no curto prazo, mas acaba por ser ultrapassada. Uma economia robusta tem de assentar em valores, adotados e praticados com a mesma robustez.

PME Mag. – Qual é o papel das organizações quanto à sustentabilidade? E o que é que ainda pode ser feito por parte das mesmas para evitar questões ambientais devastadoras?

M. P. S. – As organizações terão de mudar o modelo de negócio para oferecerem soluções compatíveis com a sustentabilidade. De algum modo teremos de aprender a aumentar as margens e reduzir as quantidades, ou seja, não crescer em volume de objetos transacionados, mas continuar a crescer em volume de negócio. As últimas décadas foram exatamente o inverso – vender cada vez mais produtos para manter a margem do negócio, com um impacte ambiental cada vez maior. Só a indústria ganhou, mas em contextos de baixas remunerações e ainda menos direitos sociais. Alinhámos alegremente em dumping social, enriquecendo quem nos fornecia produto sem querer saber das consequências sociais e ambientais. É preciso rever o conceito da globalização e adotar progressivamente um conceito de economia circular, que inclua os fluxos financeiros. Por isso, as soluções terão de vir de novas políticas, ao nível europeu e global.

PME Mag. – Qual é o balanço que faz do congresso realizado no passado dia 21?

M. P. S. – Foi uma festa em que a APEE se encontrou consigo própria, porque hoje tem uma dimensão tal que algumas pessoas não sabem o que outras fazem. Demos oportunidade a que as comissões técnicas apresentassem o seu trabalho, e de que o contributo de muitos ativistas fosse mais bem conhecido. Celebrámos amigos e pessoas, com um notável contributo para a causa. Penso que foi muito positivo.

PME Mag. – Que balanço faz da Semana da Responsabilidade Social 2022?

M. P. S. – Foi de algum modo um ponto de viragem, marcando o início de novas preocupações na APEE. Por exemplo, tivemos uma sessão muito inovadora sobre os desafios éticos na inteligência artificial e realidades virtuais, associadas a tecnologias imersivas, com a participação de reconhecidos especialistas na área. Abordámos a conciliação de uma perspetiva nova, o urbanismo, acessibilidades, transportes, estrutura das famílias, com um conjunto de oradores muito interessantes. Como em edições anteriores, teve grande destaque o papel das universidades na criação de saberes e ações de sustentabilidade, com destaque para a Universidade de Coimbra que teve uma participação intensa. Os ODS e a Agenda 2030 em geral estiveram no centro de tudo, como acontece desde 2015, e com o contributo valioso de entidades aderentes à Aliança para os ODS Portugal. O nosso parceiro UN Global Compact Network Portugal coorganizou três sessões do maior interesse, continuando a aposta na preparação de Portugal para novos desafios na gestão e proteção do oceano. A igualdade de género, uma das constantes da APEE, teve mais um importante contributo para a paridade em órgãos de gestão. Como não podia deixar de ser, demos muita atenção aos modelos de relatório de sustentabilidade, nomeadamente ESG, tendo em conta recente publicação pela União Europeia da Corporate Sustainability Reporting Directive. Esta 17.ª edição atingiu o objetivo de sempre – criar e partilhar conhecimento – que fica disponível para todos no nosso canal do Youtube.

PME Mag. – Houve dificuldade em encontrar as personalidades certas para integrar a dinâmica das temáticas que serão abordadas no Congresso 20 Anos APEE e na Semana da Responsabilidade Social 2022?

M. P. S. – Essa dificuldade nunca existiu. Como é natural, a dificuldade está mais em cobrir os custos através de sponsors, mas no nosso ecossistema existem muitas pessoas altamente envolvidas com os vários temas, vindas das organizações, da administração pública e da academia. Embora, na verdade, ainda seja difícil encontrar quem esteja à vontade em mesas redondas interativas, em vez de discursos. Temos de aprender mais a conversar, tem havido demasiada tendência para monólogos virtuais e consumo silencioso.

PME Mag. – Quais os planos que se seguem para a APEE?

M. P. S. – Continuar os seus eventos de referência – ESG Week, a Semana na Responsabilidade Social, lançar uma plataforma para repositório de relatórios de responsabilidade social e sustentabilidade para PME, lançar um programa de reconhecimento de ação ética para todo o tipo de organizações, intensificar a cooperação internacional, nomeadamente com as Nações Unidas, através do apoio à UNA Portugal, a continuação da cooperação com a UN Global Compact Network Portugal, entre outros projetos.