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Ana Rita Antunes, coordenadora executiva da Cooperativa Coopérnico (Foto: Divulgação)

“Não faz sentido ignorar os desafios da sustentabilidade” – Ana Rita Antunes

Por: Catarina Lopes Ferreira

Em entrevista à PME Magazine, Ana Rita Antunes, coordenadora executiva da Cooperativa Coopérnico, descreve o novo projeto-piloto para criar a primeira comunidade de energia cidadã em Portugal e dá a conhecer alguns dos seus projetos mais importantes.

PME Magazine (PME Mag.) – A Coopérnico comemora os seus oito anos e lançou o projeto-piloto para criar a primeira comunidade de energia cidadã em Portugal. Fale-nos um pouco mais sobre este novo projeto.

Ana Rita Antunes (A. R. A.) – Nas comunidades de energia cidadãs, são os cidadãos a liderar o processo de implementação e desenvolvimento da sua comunidade local de energia. Para a Coopérnico e para o movimento das comunidades de energia em toda a Europa, é fundamental que o investimento em projetos de comunidades de energia com base em diversas tecnologias (solar, eólica, hídrica, ou outra) seja realizado ou tenha uma ampla participação de cidadãos. O prédio, onde habitam seis famílias, vai investir num total de cinco módulos fotovoltaicos de 450Wp, com capacidade de produção de 3307 kWh por ano, tornando assim o seu consumo de energia mais limpo e mais autossuficiente. Com este projeto, prevê-se que cada família poupe cerca de 145 euros por ano.

PME Mag. – Qual foi o motivo que vos levou a criar este novo projeto? O que vos moveu?

A. R. A. – Não faz sentido continuar a ignorar os desafios da sustentabilidade, assim como a crise energética que se vive em toda a Europa, quando temos soluções de energia descentralizada, mais justas, com racionalidade económica e com menos impactos ambientais. Este passo que damos, precisamente na altura em que celebramos o nosso oitavo aniversário, é importante para mostrar que qualquer cidadão pode fazer a diferença no futuro da humanidade e do planeta enquanto se está a proteger de uma economia de mercado, e setor, que nem sempre defendem os interesses dos cidadãos acima de outros. Estamos muito orgulhosos por ser a Coopérnico a apoiar a primeira comunidade de energia liderada por cidadãos em Portugal. Este projeto-piloto de autoconsumo coletivo é um passo fundamental para testar a forma como a legislação e os regulamentos em vigor funcionam no terreno, tirar a aprendizagem necessária para participar na melhoria do quadro legal e das ferramentas técnicas, e também para perceber as oportunidades e barreiras para os cidadãos. A partir daí, a Coopérnico construirá um modelo que permita a criação de muitas outras comunidades de energia cidadãs.

Este projeto-piloto de autoconsumo coletivo é um passo fundamental para testar a forma como a legislação e os regulamentos em vigor funcionam no terreno, tirar a aprendizagem necessária para participar na melhoria do quadro legal e das ferramentas técnicas, e também para perceber as oportunidades e barreiras para os cidadãos.

PME Mag. – Quais são as recomendações de políticas energéticas e qual o papel que os consumidores devem ter na aceleração da transmissão energética e na mitigação das alterações climáticas?

A. R. A. – Os consumidores e ‘prosumidores’ – pessoas que, ao mesmo tempo, produzem e consomem energia de fontes renováveis – têm um papel central na transição, sendo fundamental a sua participação ativa em Comunidades de Energia Renovável e Comunidades de Cidadãos de Energia. Hoje, na Europa, existem cerca de 160.000 cooperativas de energia renovável que contam já com 123 milhões de membros. O modelo centralizado é pouco democrático, pouco preocupado com a criação de um novo paradigma socio-energético mais inclusivo e igualitário, ambientalmente menos sustentável e, no que respeita à distribuição, menos eficiente, comparativamente aos pequenos e médios sistemas de, por exemplo, energia fotovoltaica descentralizada.

PME Mag. – De que forma é que a Coopérnico conseguiu a jornada de uma cooperativa pela energia limpa ao longo de oito anos consecutivos?

A. R. A. – A Coopérnico começou pela vontade de 16 jovens em empreender uma mudança no panorama da energia em Portugal, apostados no conceito da facilitação do acesso à energia e na democracia energética. Apostados também numa componente social forte, tomou-se a decisão de começar pelo apoio ao investimento de IPSS e outras entidades do setor social em sistemas de solar fotovoltaico. Ao longo dos primeiros seis anos, foi essa a principal atividade da Coopérnico, tendo sido reconhecida cada vez mais, primeiro pelo sucesso e procura de investimento, depois por entidades externas como atesta a obtenção do Prémio Gulbenkian de Sustentabilidade em 2018. Contudo, foi sempre parte da missão a ideia de conseguir uma ligação maior entre o consumidor de eletricidade e a produção da eletricidade renovável. Superando entraves administrativos e financeiros, conseguimos finalmente, em 2019, começar uma atividade de comercialização que perdura, mesmo nos tempos manifestamente difíceis que vivemos atualmente no setor. Tal deve-se sobretudo à confiança que o nosso núcleo de cooperantes e clientes depositou e continua a depositar no projeto.

Superando entraves administrativos e financeiros, conseguimos finalmente, em 2019, começar uma atividade de comercialização que perdura, mesmo nos tempos manifestamente difíceis que vivemos atualmente no setor.

PME Mag. – Quais foram os projetos mais importantes para a Coopérnico e porquê?

A. R. A. – Os projetos que marcaram mais foram aqueles onde, por um motivo ou outro, a ideia e modelo da Coopérnico foi muito bem acarinhada, como por exemplos na CerciEspinho, no Centro de Bem Estar Social Padre Tobias, em Samora Correia, no Hospital de Santa Isabel, com a Santa Casa da Misericórdia de Marco de Canaveses. Noutros locais, sentimos que estamos a construir laços e confiança nas comunidades para, em breve, avançarmos com o apoio à construção de comunidades de energia nestes territórios.