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Célia Pedro
Célia Pedro é Industrial Manager na Eco-Oil (Fonte Divulgação)

“Nós, mulheres, estamos cá para impulsionar essa mudança” – Célia Pedro

Por: Ana Vieira


Célia Pedro é Industrial Manager na Eco-Oil, uma empresa portuguesa responsável pelo tratamento de águas contaminadas com hidrocarbonetos. Numa área de estudos onde as mulheres até estão em maioria, as diferenças notam-se no exercício da profissão.

No Dia Internacional da Mulher, Célia Pedro, em entrevista à PME Magazine, nota esforços das empresas e organismos numa contratação mais igualitária, mas realça que “o modo como olhamos para o mundo e as oportunidades disponíveis, depende também de nós enquanto seres individuais”.

 

PME Magazine (PME Mag.) – Como surgiu o gosto e interesse em estudar Engenharia Química?
Célia Pedro (C. P.) – Desde que me lembro de ser gente que queria ser cientista. Com o passar do tempo fui percebendo o que isso significava e a olhar mais para a área da engenharia como a minha opção de vida. No décimo ano, tive uma Professora de Química, Margarida Silva, que viu em mim algo de diferente, puxou por mim, de uma forma quase dolorosa às vezes. Isso marcou-me, e por isso a escolha foi óbvia, Engenharia Química era a minha opção quando concorri ao Ensino Superior.


PME Mag. – De acordo com o Centro Comum de Investigação e a Agência Internacional de Energia, as mulheres representam apenas 32% da força de trabalho global no setor das energias renováveis. Durante os seus estudos e já a trabalhar, qual a realidade com que se deparou?
C. P. – Apesar das diferenças assinaladas, o curso de Engenharia Química, é uma das engenharias onde o número de alunas é tendencialmente superior ao número de alunos. Durante os anos em que frequentei o curso na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra, o meu ano era representado por praticamente equidade de género, o que não acontece na maioria dos cursos de Engenharia, como por exemplo nas áreas de mecânica e eletrotécnica.

Ainda assim, nas escolhas profissionais quando saímos da faculdade, é onde se verifica uma maior discrepância. Enquanto que, usualmente jovens profissionais do género feminino enveredam mais pelas áreas técnicas de laboratório, ambiente, qualidade e segurança, quando se fala em “chão de fábrica”, ambiente maioritariamente masculino, as mulheres têm ainda de vencer alguns preconceitos, trabalhando significativamente mais para poderem mostrar o seu valor e alcançar o reconhecimento merecido. Apesar dos variados estudos que apontam as vantagens da inclusão e diversidade de género nas mais diversas áreas, como na área da energia, existem desafios significativos em termos de representação feminina na força de trabalho.

Tem-se verificado uma tendência crescente na inclusão de mulheres que escolhem carreiras nestas áreas, e dos incentivos às empresas para a contratação mais igualitária – a nível Europeu como o destaque nas ODS, ODS 5 -Igualdade de Género, ou Certificações, como a Certificação no Sistema “Gender Equality European & International Standard” (GEEIS) ou até no limite, quando falamos das leis da paridade. Ainda assim, continua a existir uma lacuna significativa entre homens e mulheres, especialmente quando o foco são cargos de liderança e tomada de decisões estratégicas, como cargos de Gestão de Topo e em quadros de Administração Executiva. De destacar ainda, o gap salarial e a necessidade de se atingir a paridade salarial, em Portugal apontada apenas para 2051, pelo Eurostat.

É essencial reconhecer que equipas mistas são mais eficientes e eficazes e mudar o paradigma para que a palavra de ordem seja a inclusão, tornando os ambientes laborais mais ricos, com soluções mais criativas e com capacidade de criação de valor económico para as empresas.


PME Mag. – Que medidas poderiam ser implementadas para garantir uma participação mais ativa no setor da energia?
C. P. – Apesar do caminho que se tem vindo a traçar, acredito que é crucial continuar a promover uma cultura inclusiva e a criar oportunidades para que as mulheres prosperem no setor da energia – e em qualquer outro setor. Diria que tudo começa ainda na escola, onde considero importante promover a educação e a formação desde cedo, incentivando todas as jovens mulheres que se interessarem por áreas como as Ciências, Tecnologias e Engenharias e proporcionando-lhes oportunidades de desenvolvimento académico.

Importa também, pararmos de incutir às jovens mulheres que têm de ser perfeitas e não podem errar. A maioria dos casos de síndrome de impostor e dos obstáculos invisíveis nas organizações são em elementos do género feminino. A mulher tem uma necessidade de agradar muito mais enfatizada o que leva a que sofram mais em silêncio e muitas vezes a desistirem de cargos de decisão.

A nível empresarial, importa que as empresas possam estimular políticas de recrutamento justas, que visem a ativamente diversificar a força de trabalho, deixando de lado preconceitos de género nos processos de seleção e, em vez de ser visto como um obstáculo à contratação de mulheres, criar programas internos de incentivo à maternidade e parentalidade. As empresas devem criar/disponibilizar programas e oportunidades de desenvolvimento profissional e liderança para todos, mas personalizados e adequados a cada um. Quando falamos de questões de género é inegável que existem diferenças biológicas, o que leva a que diferentes géneros possam ter respostas diferentes aos desafios diários da liderança e da capacidade de reagir aos mais variados estímulos. Muitas vezes, programas generalizados, e que as empresas têm na sua carteira de oferta não são os mais adequados aos seus trabalhadores como indivíduos.

Criar ambientes de trabalho inclusivos e igualitários e promover uma cultura organizacional que valorize a diversidade e a equidade de género, é, assim, absolutamente fundamental em qualquer empresa que procura o sucesso a longo prazo.


PME Mag. – O facto de ser uma área predominantemente masculina, alguma vez condicionou a sua atuação?
C. P. – Apesar de saber que muitas mulheres se sentem condicionadas na ação, seria injusto da minha parte comentar que no meu caso específico, alguma vez me senti condicionada por ser mulher. Posso ter mais ou menos cuidado na forma, mas nunca foi limitador. Na verdade, o modo como olhamos para o mundo e as oportunidades disponíveis, depende também de nós enquanto seres individuais.

Cresci numa pequena aldeia transmontana do concelho de Macedo de Cavaleiros, um ambiente mais conservador, com dois irmãos e onde todas as opções me foram dadas pelos meus pais, sem que nunca tivesse existido uma diferenciação ou limitação nas minhas escolhas. Por isso, sempre olhei para as oportunidades como isso mesmo: oportunidade, sem limitações.

Ainda assim, reconheço que sendo o setor industrial e o setor da energia predominantemente masculino pode, de facto, influenciar a atuação das mulheres que nele trabalham. A natureza da cultura organizacional, os padrões de comunicação e até mesmo as expectativas sociais podem criar desafios adicionais para as mulheres neste ambiente.

Embora os desafios existam, também há oportunidades para criar mudanças positivas, e sublinhar a nossa responsabilidade. Nós, mulheres, estamos cá para impulsionar essa mudança, com o nosso importante e positivo contributo que cada vez é melhor reconhecido pela sociedade.

 

PME Mag. – Há quase dois anos que é presidente do Grupo de Jovens Engenheiros. Como tem sido esta experiência de liderança? E que marcas distintivas pretende deixar no seu mandato?
C. P. – Desafiadora! Liderar uma equipa não é muito diferente seja no meu ambiente laboral, na Eco-Oil, ou numa atividade paralela. Ainda assim, importa destacar que sendo um trabalho voluntário de todo o grupo e onde não existe um incentivo económico, a capacidade criativa para que todos se mantenham ativos e com vontade de contribuir de forma continuada, sem que se criem injustiças, é o meu maior desafio, mas que, e em conjunto temos conseguido gerir e ultrapassar. Esta é uma atividade paralela que mantemos, que nos exige um empenho extra e, muitas vezes, com sacrifício pessoal. Lembrando, claro, que estou ao lado de membros empenhados com quem também aprendo todos os dias e com os quais partilho momentos muito bons e de sucesso.

O que me move é sentir que contribuo para um mundo melhor e que posso fazer diferença, por mais pequenina que seja, na vida destas pessoas com quem convivo, trabalho e me cruzo. Além disso, gostava que esta nova geração de jovens mulheres que querem trabalhar na engenharia me pudessem ver como um exemplo.

Portanto faço o mesmo que na minha atividade profissional, com os graus de liberdade que me estão delegados, pretendendo empoderar cada um dos membros e dos estudantes com quem tenho contacto.
Desejo que o grupo contribua positivamente para o rejuvenescimento da Ordem que nos representa e que possamos abordar as várias questões que nos inquietam, como a defesa de um salário justo, a capacidade de retenção de talento, a descarbonização da economia e como esta pode e deve ser feita.

O ano de 2024 é o ano da Igualdade de Género na Ordem dos Engenheiros e o nosso grupo de trabalho, constituído na sua maioria por mulheres, tem tudo para contribuir de forma ativa para este movimento e para que a Certificação no sistema GEES seja concluída com sucesso, bem como para que sirva de elemento motivador na igualdade de género na Profissão de Engenheiro.