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Paulo Mendes Pinto
Paulo Mendes Pinto, diretor geral académico Lusófona Brasil (Fonte Divulgação)

O chamado “imposto do pecado” no Brasil

Por: Paulo Mendes Pinto, diretor geral académico Lusófona Brasil

Abel Salazar, terá dito que “um médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe”. Saber mundo, conhecer o que nos condiciona nas estruturas e nas conjunturas, é a possibilidade de compreender o momento e os factos que o revestem. A economia e a finança em nada são alheias a esta máxima e, especialmente, a nível Internacional, quem não compreender a cultura e a mentalidade onde vai tentar trabalhar, o desaire é quase garantido.


Habituados que estamos, a nível de uma cultura popular, a um Brasil do samba e do Carnaval, à quase nudez dos biquínis e à diversão, muitas vezes passa-nos ao lado, sejamos turistas ou empresários, que o Brasil é profundamente marcado por um puritanismo importado dos Estados Unidos da América, não só devido à última onda de crescimento de igrejas neopentecostais de finais do séc. XX, mas já enraizada no desde o final do séc. XIX.

As palavras são como fósseis que nos mostram como uma cultura pensa. Ainda hoje a expressão usada para a total proibição que existe no Brasil para a condução sob o efeito de álcool, é a “lei seca”, expressão recuperada no célebre combate ao consumo do álcool há cem anos, nos EUA, com resultados tão catastróficos.

Nas últimas semanas, tem-se discutido no Brasil uma reforma tributária que inclui um imposto seletivo para um grupo de produtos que são, ou danosos para a saúde, ou danosos para o ambiente. Abrangem automóveis, aviões e embarcações, produtos petrolíferos e mineração, e ainda, bebidas alcoólicas, tabaco e bebidas açucaradas.

Acontece que, no Brasil, esta lei não passou a ser conhecida como “lei de proteção ecológica” ou “lei de proteção da saúde”. Indo ao adagiário popular, eternizado por Roberto Carlos, quando canta que tudo o que é bom, é “imoral, ilegal, ou engorda”, esta lei passou a ser conhecida como “imposto do pecado”. Em vez de se valorizar a dimensão positiva do avanço civilizacional, a linguagem comum foi ao universo religioso buscar a dimensão punitiva.

A Portugal importa esta lei, fundamentalmente, porque pode ser aplicado ao vinho. Sim, porque influência dos Estados Unidos não se faz apenas na dimensão puritana, moralizante, mas também protecionista. Neste momento os vinhos importados pagam no Brasil 58% do seu valor em impostos federais; acrescendo os estaduais, o valor sobe a cerca de 80%.

Nos últimos anos o Brasil consolidou-se como 4º mercado externo dos vinhos portugueses. Um mercado que terá valido no ano passado cerca de 80 milhões de euros, com o crescimento esperado para este ano na casa dos 20% para muitas das principais empresas exportadoras.

Diz o Banco Mundial que com este novo “imposto do pecado”, esta carga tributária pode ter um aumento que poderá ascender a 61%. No Brasil, apenas uma pequena elite consome vinho, especialmente o europeu. O consumo per capita é pouco superior a 2 l por pessoa em cada ano. O potencial de crescimento seria imenso, mas com esta carga tributária continuará a circunscrever-se a uma pequena elite.

É necessário compreender ao entrar nos mercados brasileiros o fator protecionismo, a complexidade das tributações nos seus vários níveis, do federal ao estadual, sem esquecer muitos aspetos municipais, e, no caso dos produtos de consumo, neste caso, o vinho, a forma como a dimensão moral pode ser estruturante dos comportamentos. O consumo é muitas vezes encapotado, envergonhado, e sujeito a julgamentos morais.