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Artur Salada Ferreira, administrador do Lisboa Biz (Foto: Inês Antunes)

O meu país está a arder

Por: Artur Salada Ferreira, administrador do Lisboa Biz

Pedrogão Grande é hoje um símbolo da incompetência dos serviços de proteção ao cidadão, sobretudo pela morte de meia centena de pessoas que estavam muito tranquilas acreditando que alguém estava a zelar para que tal não pudesse acontecer. É particularmente preocupante a comunicação ou a ausência dela que levou os agentes da GNR a indicar o caminho errado que acabaria por conduzir a um desfecho trágico.

O meu país está a arder vai muito para lá do fogo que pôs no mapa Pedrogão Grande e consumiu muito património público e privado.

Eu diria que, além das mortes, que foram muitas, há património que faz parte da nossa história, que ardeu em grande quantidade. Refiro-me em especial ao pinhal de Leiria, cuja plantação foi iniciada pelo Rei D. Dinis com o objetivo de segurar as areias e proteger as populações e as culturas próximas do mar. É incalculável o valor do que ardeu, mas certamente que afetará as populações atingidas.

Este texto pretende alertar os portugueses para outros fogos que não queimam, mas são igualmente graves.

Vejamos o que aconteceu com o roubo das armas em Tancos. Ninguém sabia de nada, mas afinal veio a ser demonstrado que quase todos sabiam de tudo.

Não quero manchar a chefia do governo e muito menos do Presidente da República, mas custa a crer que uma operação tão sensível fosse apenas conhecida pelo ministro da Defesa.

Esta observação pode parecer mesquinha, mas não é. Então o chefe do governo não é informado dos pontos relevantes de cada ministério? Ou isso não tem importância nenhuma para ele?

Mas voltemos à operação policial que envolveu quadros de todas as organizações militares responsáveis, a PJ militar, a GNR.

Terão tido a melhor das intenções todos os que procuraram preservar o país deste escândalo, mas, no fundo, comportaram-se como um grupo de malfeitores. O julgamento está a decorrer e há que aguardar pelo resultado para se poder ter mais conhecimento do que de facto aconteceu.

O meu país está a arder em corrupção antiga e recente em organizações sem fins lucrativos, mas que são entregues a gestores que não exibem essas condições e, por isso, vários gestores tornaram-se verdadeiros donos da Organização que dirigem.

Faz lembrar os franciscanos que, não podendo ter como seu qualquer bem material, não estão impedidos de usufruir das vantagens que esse bem lhe permite. O acontecimento mais mediático foi protagonizado pela presidente da Raríssimas. Organização com objetivos muito meritórios que veio a concluir-se que a gestora agia como se fosse a proprietária, colocando familiares e amigos e dispondo de tudo a seu bel-prazer.

O meu país está a arder em muitos serviços a que o cidadão deveria ter acesso gratuito de qualidade atendendo à carga fiscal elevadíssima de IRS/IRC e uma panóplia de taxas e taxinhas ao Estado e às autarquias sem retorno compatível.

O meu país tem vários serviços a arder em corrupção e ineficiência.

A saúde e a justiça ardem no fogo da incompetência e, muitas vezes, do oportunismo.

O ministro das Finanças jura a pés juntos que foi aumentado o investimento do Estado para a saúde, mas há quem diga que é só estatística e as cativações se encarregam de fechar a torneira.

No entanto, a população tem uma perceção diferente. Isto é, o nível de serviços piorou e há casos concretos que o evidenciam e que a comunicação social todos os dias nos dá conta.

A justiça é talvez o mais preocupante para o cidadão e para as empresas.

Assiste-se à prisão ou condenação em direto nas TV, às vezes sem o acusado saber porquê.

Os juízes têm um poder absoluto e alguns utilizam, em proveito próprio, com fins monetários ou simplesmente por vaidade e política de capelinhas.

Veja-se o que aconteceu na escolha do juiz responsável pelo julgamento do ex-primeiro-inistro José Sócrates. Deixou na população a sensação de que há dois grupos antagónicos com interesses opostos.

Acresce que a escolha foi objeto de um sorteio que, segundo a comunicação social, foi repetido até se verificar a nomeação desejada por um dos grupos.

No meu país até o futebol está em brasa. Emails trocados e truncados, toupeiras na segunda circular e selvagens foram vistos em Alcochete. São alguns episódios de uma novela onde os principais atores ganham milhões e as empresas estão falidas.

O meu país está a arder numa distribuição de rendimentos muito desigual.

Não posso deixar de abordar a problemática da produção registada nas empresas portuguesas. Só um acréscimo de produtividade pode permitir uma melhor qualidade de vida para todos.

Há questões culturais difíceis de ultrapassar, mas na minha opinião o complexo de esquerda generalizado não facilita a adoção de medidas na legislação laboral em Portugal que outros países adotam com sucesso. É preciso que trabalhadores e gestores interiorizem os princípios conducentes a uma melhoria da produtividade e da organização das empresas.

Uma mais justa redistribuição do rendimento tem que ser implementada, mas só se pode distribuir o que se tem. E o que se tem depende da produtividade.

Estes desabafos não pretendem imputar culpas a ninguém em especial, mas a todos os portugueses que possam entender que algo está mal. Se não conseguirmos níveis de produtividade compatíveis com os nossos parceiros da UE.

Um plano nacional ao nível do ensino que abordasse o tema produtividade e da meritocracia, seria um bom contributo para a mudança cultural sob pena de continuarmos na cauda da Europa.

Havia tanto mais por dizer, mas estes são alguns episódios de um país que está a arder.