Por: João Carreira
Não é novidade para ninguém que os últimos anos foram muito difíceis para todos, com uma total paragem de alguns setores e aumento dos preços devido à inflação. Contudo, os profissionais do setor da cultura viram-se a braços com uma total quebra de receitas, devido aos constantes confinamentos e consequentes cancelamentos que levaram a situações gravíssimas. A Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos chegou a referir que 100 mil postos de trabalho foram afetados.
É por isso que, no início desta primavera, rejubilámos com o regresso dos eventos presenciais na sua total magnitude. Ao ver o primeiro festival de verão, de grande dimensão, a ser realizado sem quaisquer restrições (NOS Primavera Sound), apercebemo-nos de um respirar de alívio geral no setor.
Dificuldades sentidas no regresso
Nem tudo foi um mar de rosas e o regresso foi pautado por uma adaptação a uma nova realidade. Em entrevista ao ECO, Roberta Medina referiu que “a gestão de pessoas foi particularmente desafiante graças à quebra de rotinas, falta de ritmo e incorporação do teletrabalho”.
Em adição, os festivais tiveram necessidade de se adaptar devido ao aumento dos preços de custo de operações em cerca de 30%, fruto do conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia e a inflação que daí adveio.
E, como um azar nunca vem só, o regresso do Super Bock Super Rock foi alvo de um desafio hercúleo para toda a organização, pois a dois dias do início do mesmo, o Governo declarou estado de contingência devido ao elevado risco de incêndio e consequente proibição de realização de quaisquer atividades em zona florestal, e Luis Montez, responsável do festival, mudou o SBSR para o Parque das Nações em tempo recorde.
Também o Sol da Caparica não teve um retorno fácil e foi por águas agitadas que o festival da Margem Sul alcançou bom porto. The Legendary Tigerman (que cancelou mesmo o seu concerto), Os Quatro e Meia, Miguel Ângelo e Karetus, foram alguns dos artistas que demonstraram publicamente o seu descontentamento. Já a promotora Grupo Chiado garantiu, em declarações à SIC Notícias que o festival foi “um sucesso”.
A música
Foram muitas as estrelas mundiais que passaram pelos palcos nacionais no verão de 2022. Lembramo-nos de nomes como Tame Impala, Gorillaz, Nick Cave and the Bad Seeds, Post Malone, Muse, Anitta, Metallica, The Strokes, Imagine Dragons, A$AP Rocky ou Hot Chip que fizeram as delícias dos fãs portugueses.
Felizmente, tivemos oportunidade de estar presentes em alguns destes festivais. Como tal, vamos por partes:
NOS Primavera Sound: Um dos mais bem delineados recintos, com palcos cobertos por árvores que lhe dá um certo misticismo e uma ampla área que permite que em qualquer parte haja uma excelente visualização dos palcos. Foi aqui que Pablo Vittar despertou e conquistou fãs, que Nick Cave and the Bad Seeds levou quem estava presente a uma viagem bela e instrospetiva e que Gorillaz fecharam o festival com chave de ouro ao trazer vários convidados para um concerto há muito esperado pelo público português.
Rock in Rio: A grandiosidade do Parque da Bela Vista permite uma extensão de área permeável a vários palcos e há que tirar o chapéu, tudo correu da melhor maneira e a inclusão de espaços como o Continente Chef’s Garden ou o Worten Game Square foi muito apreciada pelos visitantes. Apesar de tudo, tendo em conta a magnitude, importa referir que é preciso fazer quilómetros para conseguir chegar a todo o lado. Apenas mais um reparo, a falta de artistas internacionais no Galp Music Valley (um dos palcos secundários) foi algo que a redação da PME Magazine ouviu (mais que uma vez) numa das muitas deslocações entre espaços.
NOS Alive: O regresso do gigante adormecido (devido às circunstâncias que todos conhecemos) e desta feita com um dia extra. Arrepiante é o adjetivo ideal para atuações de bandas como Metallica, The Strokes, Florence + the Machine, Jorja Smith ou Imagine Dragons que fizeram estremecer o Passeio Marítimo de Algés. Contudo, o retorno dos Da Weasel aos palcos, ainda que, naturalmente, enferrujados, passado mais de uma década, foi memorável. Já haviam repetido a receita com Ornatos Violeta (que, por sinal, fizeram-nos vibrar no Kalorama), a receita não mudou e o sucesso continuou. Equipa que ganha não mexe, não é, NOS Alive?
Apesar de não termos estado presentes, é importante fazer uma menção honrosa também ao Super Bock Super Rock e ao Vodafone Paredes de Coura que mantiveram a qualidade e trouxeram nomes icónicos a Portugal.
Aparecer na hora certa
A 1ª edição do MEO Kalorama, cujo nome é uma referência ao recinto, (em grego, significa Bela Vista) surgiu de forma inesperada, por todas as circunstâncias acima referidas. Ainda assim, a aparição de um novo festival de verão é um ótimo sinal da vitalidade do setor e do quanto o público português gosta destes eventos.
A mesma localização do Rock in Rio faz com que inadvertidamente façamos sempre alguma comparação e a verdade é que a maioria das pessoas com quem falámos não sentiu que este fosse o parente pobre do festival de Roberta Medina. Mas sim, uma agradável surpresa devido à dimensão reduzida e daí a maior facilidade de deslocação entre espaços e à forma como não encheu o recinto de marcas, mantendo a essência do que deve ser um festival de verão. A capacidade de cumprir horários foi igualmente apreciada.
Claro que não foi perfeito, houve muitas filas de espera, tanto para o WC como para refeições, assim como a sobreposição de som entre os concertos de Kraftwerk e Too Many Dj’s + Tiga que levou ao cancelamento destes últimos, mas atribuímos estas questões a dores de crescimento de um evento que tem pernas para andar nos próximos anos.
O cartaz foi de sonho, os artistas não desiludiram e as atuações de Chemical Brothers, Arctic Monkeys e Nick Cave and the Bad Seeds foram o perfeito final para um verão cheio de bons e memoráveis momentos musicais.