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João Moreira, CEO da Abaco Consulting
João Moreira, CEO da Abaco Consulting

“Pandemia serviu para nos pôr à prova” – João Moreira

Por: Afonso Godinho

Um ano depois da chegada da pandemia a Portugal, o país enfrenta um novo confinamento geral, o que tem acrescentado várias dificuldades à realidade económica das empresas. Ao longo do último ano, um maior esforço de adaptação e resiliência tem sido exigido a organizações e colaboradores, que necessitam de definir planos estratégicos para fazer face à crise pandémica.

Em entrevista à PME Magazine, João Moreira, CEO da Abaco Consulting, aborda a conjuntura atual e os novos modelos de trabalho na empresa, falando-nos de temáticas como gestão de mudança, adaptação, desafios atuais e transição para um novo paradigma laboral onde a comunicação e as ferramentas digitais são cada vez mais importantes.

PME Magazine – Como tem sido a evolução da Abaco ao longo dos últimos anos?

João Moreira – Tem sido bastante positiva. A Abaco Consulting foi fundada em 2004 e tem a sua sede no Porto, bem como escritórios em Lisboa, São Paulo, Londres e Genebra. Somos considerados uma referência a nível nacional na consultoria de software de gestão SAP e temos uma equipa composta por cerca de 200 consultores. O negócio da Abaco está focado em três áreas-chave: implementação e manutenção de sistemas de informação SAP (líder mundial em software de gestão), formação em SAP através da nossa unidade Academy e desenvolvimento de soluções próprias. Relativamente a esta última, no ano passado e em plena pandemia, autonomizámos uma unidade que desenvolveu, de raiz, um produto na área da Segurança e Saúde no Trabalho, através da criação de uma nova empresa, a Safemed Solutions. Desde sempre que a Abaco tem vindo a realizar uma aposta no desenvolvimento de competências que permitam implementar projetos em todo o mundo, sendo que já desenvolvemos mais de 500 projetos, para além de Portugal, Brasil e Reino Unido, onde temos escritórios, a países como Espanha, Suíça, Alemanha, Bélgica, Holanda, Angola, Cabo Verde, África do Sul, Canadá, Estados Unidos da América, Colômbia, Argentina, Turquia e Singapura. O crescimento internacional, suportado, principalmente, através da sua operação no Brasil, tem permitido consolidar a sua estratégia de enfoque no mercado “Manufacturing & Operations”, que se consubstancia no endereçamento vertical de setores estratégicos como a confeção, calçado e têxtil, engenharia e construção, automóvel e alimentar. Por outro lado, a Abaco detém, em Portugal e no Brasil, o mais elevado nível de parceria SAP: Gold Partner como Value Added Reseller. Para os clientes, este reconhecimento significa que a Abaco é um parceiro SAP de topo para as áreas de desenvolvimento, implementação, serviços e suporte. Para além disso, a empresa tem apostado ainda nas áreas de investigação, de forma a implementar projetos inovadores e criar novos produtos, nomeadamente no desenvolvimento de soluções verticais por área de negócio. 

PME Mag. – Quais as principais alterações que a pandemia veio provocar na empresa?

J. M. – Desde sempre que convivemos com a mudança e a flexibilidade e, por isso, a Abaco é uma empresa que se adapta rapidamente. Por inerência dos serviços que presta, já tinha equipas a trabalhar no escritório ligadas remotamente a alguns dos seus clientes, bem como alguns colaboradores já trabalhavam a partir de casa, em atividades de suporte num modelo nearshore. Por isso, já dispúnhamos de algumas ferramentas de software, sistemas e infraestruturas de comunicação para apoio a trabalho remoto, o que nos permitiu encarar esta situação de uma forma mais rápida e proativa, colocando de imediato os nossos colaboradores em home office. No entanto, ao aplicar esse modelo a toda a organização, rapidamente e sem preparação, apesar de estarmos habituados a conviver com processos de mudança, foi necessário suprir algumas dificuldades criadas por esta situação de emergência. Esta pandemia serviu para nos pôr à prova. Sentimos que a equipa se mobilizou (e continua a mobilizar) em torno dos clientes.

A empresa tem apostado ainda nas áreas de investigação, de forma a implementar projetos inovadores e criar novos produtos.

PME Mag. – Como é que encara a adaptação das PME a um novo modelo de trabalho, ao longo do último ano?

J. M. – 2020 foi, de facto, um ano totalmente inesperado. Nunca pensámos vir a viver uma realidade como esta e sem dúvida que muitas empresas, sobretudo PME, não estavam ainda preparadas para suportar e ultrapassar todos os desafios que nos foram colocados. Este novo ano, que está ainda no início, já nos começa a mostrar que, para já, nada será diferente do que vivemos até agora e será, sem dúvida, mais digital, quer na forma de fazermos negócios, quer nos processos organizacionais, sendo que a tecnologia desempenhará um papel ainda mais preponderante na vida das organizações. Apesar da evolução tecnológica que tem ocorrido nos últimos anos, foi possível comprovar que ainda existem muitos entraves que limitam a nossa ação e que, na verdade, sempre fizeram parte do nosso dia-a-dia, mas nós nunca parámos para pensar neles. Só agora, com as limitações que todos tivemos por causa da pandemia, é que realmente percebemos o quanto o digital é importante. Isto para dizer que é urgente eliminar tudo o que não seja ágil, de forma a que nos permita ter um modelo de negócio rápido a reagir. 

PME Mag. – De que forma pode ser feita a gestão desta mudança de paradigma laboral nas PME?

J. M. – Para muitas PME, ou quase todas, na verdade, esta pandemia teve um enorme impacto e este novo ano será bastante diferente daquilo que conheciam. É um facto que a Covid-19 veio impulsionar e, até mesmo, acelerar a transformação digital de muitas empresas e, neste sentido, tornou-se imprescindível que estas tenham capacidade para reinventar os seus processos e apostar ainda mais na transformação digital dos seus negócios, pois só assim conseguirão ultrapassar esta crise com que nos deparamos. Todas as PME enfrentam, neste momento, escolhas bastante difíceis na resposta a este novo “normal”. Saber antever novas mudanças e problemas, ser flexível, transparente e estar preparado para possíveis imprevistos é fundamental para que consigamos enfrentar o ano. Não nos podemos esquecer que, mais do que nos reinventarmos, temos de nos redescobrir e encontrar novas formas de criar valor para os nossos clientes, parceiros e colaboradores. Neste momento, é importante que se continue a dar primazia à comunicação interna e se passe mensagens que incentivem a tranquilidade e o respeito pelas regras impostas. Não obstante, a meta agora deve passar por dar continuidade ao crescimento da operação, sendo que é crucial atrair novos talentos. Esse será um dos grandes desafios, não só pelo facto de existir mais procura de profissionais qualificados no mercado do que oferta disponível, mas também pelo atual contexto que alterou, significativamente, os processos de recrutamento, seleção, integração e formação de novos quadros. O desafio é conseguirem definir e implementar medidas de forma a se adaptarem a esta nova realidade, fazendo evoluir os seus modelos de negócios e construindo soluções que não apenas sobrevivam, mas que também prosperem no novo cenário de negócios que irá advir. 

É urgente eliminar tudo o que não seja ágil, de forma a que nos permita ter um modelo de negócio rápido a reagir. 

PME Mag. – De uma forma geral, ao nível dos Recursos Humanos, de que forma analisa a gestão das PME ao longo do último ano? Como deve ser feita a transição eminente para a “normalidade”, no que a esta área diz respeito?

J. M. – Com uma liderança próxima, confiante e transparente, com algumas rotinas e envolvendo as pessoas (nas decisões, nas soluções, nas ações). A confiança nas nossas pessoas sempre foi parte integrante da nossa maneira de estar. A transparência na comunicação é agora um desafio maior. É preciso passar mais informação, dar mais contexto, ser mais claro. A gestão estratégica de Recursos Humanos passou a outro patamar, é o sistema circulatório e linfático da organização. A eficiência, a produtividade, a gestão de competências técnicas, são fundamentais, mas fazem parte do patamar mais básico da Gestão e Liderança. Permitem sobreviver. Mas se queremos um corpo mais saudável, mais rápido, mais forte, mais capaz de se adaptar rapidamente às mudanças no seu ambiente, precisamos dessa cultura forte e das pessoas certas e que, para além de comprometidas, vejam na organização uma extensão de si mesmas e da sua vida. E a parte difícil é que cada pessoa é única, tem experiências e expetativas diferentes, e pode contribuir de formas diferentes. É preciso conhecer bem as pessoas para as poder liderar. Um bom líder articula as suas pessoas abrindo-lhes o caminho para aquilo que elas fazem melhor e complementando os vários talentos numa equipa, focando-os num propósito. Se a isso aliarmos um mindset geral de foco nos talentos, de Humanity na organização, de processos desenhados para melhorar a experiência das pessoas (estejam juntas ou distribuídas, mas sempre conectadas) e de envolvimento para a contribuição, os talentos serão efetivamente as peças centrais no processo de adaptação constante a que uma empresa é obrigada nos dias de hoje. Não é possível avaliar a performance de uma organização no “vácuo”, ela está sempre inserida num contexto e, hoje em dia, esse contexto muda de forma rápida e, por vezes, imprevisível. São as empresas com uma cultura forte, que mais confiam nos seus talentos e lhes dão autonomia para (também) improvisarem, que se adaptam mais facilmente. Para isso, é fundamental ligar e aproximar os colaboradores em torno de discussões relevantes e partilhar informações críticas sobre a organização.

A gestão estratégica de Recursos Humanos passou a outro patamar, é o sistema circulatório e linfático da organização.

PME Mag. – Que boas práticas e/ou ferramentas pode destacar como úteis no apoio às PME, no sentido do regresso à normalidade?

J. M. – É essencial que as PME procurem acompanhar e auxiliar, ainda mais de perto, cada uma das equipas, fazendo reuniões de ponto de situação diárias ou sempre que se justifique, por exemplo. É também fulcral que sejam mantidas as rotinas que já tinham. Por exemplo, na Abaco sempre demos importância às rotinas das equipas, criar esses hábitos, manter objetivos e agendas claras, e isso tem-se mantido sem rutura. Estas rotinas revelam-se ao nível de cada projeto, de cada equipa de competência, de cada grupo de trabalho e na equipa de liderança e gestão e são fundamentais para estarmos alinhados. Por outro lado, temos algumas ferramentas que nos têm ajudado nesta tarefa: para além do trabalho que fazemos nas redes sociais, temos um jornal interno, semanal. Temos as ferramentas Microsoft, com os sites internos de partilha de informação, partilha de conhecimento e até sobre temáticas como o teletrabalho ou sobre Covid-19. Temos as videochamadas que desempenham também um papel importante na comunicação, possibilitando criar mais empatia do que uma simples chamada de voz, mais leitura e processamento de linguagem não verbal, tornando maior a ligação entre as pessoas e, consequentemente, aumentar a produtividade de uma equipa. No entanto, nesta matéria, não há tecnologia que substitua a proximidade física e a magia de uma equipa junta. Nós estamos certos de que a crise vai passar e sairemos mais fortes da mesma, mas é preciso passar essa tranquilidade à equipa. Se mantivermos um comportamento cauteloso e fizermos tudo o que está ao nosso alcance para minimizar os riscos, se tivermos a criatividade para saber ler as oportunidades, e soubermos continuar a seguir o nosso rumo, a nossa estratégia, com as correções necessárias que advêm desta situação, e se soubermos aproveitar o capital humano que temos, seguramente sairemos todos mais motivados, após a superação desta crise. Por último, é igualmente importante que, entre cliente e fornecedor, parceiro e concorrente, se estabeleçam laços de solidariedade ao invés de cada um procurar estratégias de sobrevivência individual. O sucesso na superação desta crise só pode ser coletivo, nunca individual. Mais que nunca, cuidemos uns dos outros e estejamos atentos aos mais frágeis. 

PME Mag. – Este novo modelo de trabalho veio para ficar? Quais os próximos desafios?

J. M. – Acho que já conseguimos todos perceber que somos igualmente eficientes em modo remoto, pelo que considero que o teletrabalho aumentará consideravelmente e assistiremos a uma diminuição do espaço útil de trabalho nos escritórios. Com isto não quero dizer que os escritórios físicos deixarão de existir, até porque continuarão a ser necessários. Todos nós somos seres humanos e, por isso, necessitamos de conviver, trocar ideias entre equipas e muitas vezes é importante fazê-lo de forma presencial e o mesmo se aplica aos clientes. Contudo, considero é que já não faz sentido existir aquela obrigação “das 9h00 às 18h00 no escritório”, porque a principal prioridade não é voltar “ao que era antes”, mas sim, adaptar-nos a uma nova realidade, com novas exigências, sendo que o mais importante é continuarmos a entregar, aos nossos clientes, o nosso trabalho com o mesmo nível de qualidade. Contudo, o maior desafio prende-se com a questão da motivação e como conseguimos manter uma equipa motivada mesmo estando afastados fisicamente. Embora a motivação não dependa tanto da forma de trabalho presencial ou remota, esta depende da união da equipa (não tanto da presença física). Depende de uma liderança próxima, confiante, transparente. 

O maior desafio prende-se com a questão da motivação e como conseguimos manter uma equipa motivada, mesmo estando afastados fisicamente.

PME Mag. – Qual o papel da Abaco para esta complexa gestão do novo paradigma das PME?

J. M. – O papel da Abaco Consulting é essencialmente no apoio à transformação digital das PME, tirando partido das suas competências técnicas, da sua experiência e conhecimento dos processos de negócio nas indústrias em que se especializou. A beleza da nossa atividade está na oportunidade de conhecer diferentes organizações, diferentes formas de trabalho, processos de decisão, diferentes culturas, estando permanentemente num processo de aprendizagem, por um lado, e por outro ter a oportunidade de partilhar esse conhecimento com os nossos clientes criando “Customer Experiences” únicas. É desta forma que acreditamos poder ter um contributo decisivo, aliando o nosso conhecimento e experiência ao foco na atividade dos nossos clientes.