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Pedro Pinto de Jesus, presidente da Gebalis (Foto: Divulgação)

“Projeção permite-nos alargar as nossas redes” – Pedro Pinto de Jesus

Por: Maria Inês Jorge

A Gebalis, empresa municipal de responsabilidade pública que garante a gestão do parque público habitacional e assegura o desenvolvimento local e social dos territórios e comunidades por ele abrangidos, foi recentemente admitida no Housing Europe – a Federação Europeia de Habitação Pública, Cooperativa e Social.

Na altura em que comemora 25 anos de atividade, a admissão da Gebalis à Housing Europe faz com que esta seja a primeira empresa portuguesa a ser admitida na elite europeia dos providers de habitação pública, social e cooperativa. Em entrevista à PME Magazine, Pedro Pinto de Jesus, presidente do conselho de administração da Gebalis, explica quais têm sido os principais desafios e o que levou à entrada no projeto a nível europeu.

PME Magazine – 25 anos volvidos, quais foram as principais mudanças que a Gebalis teve de enfrentar para conseguir dar resposta aos pedidos de ajuda da população?

Pedro Pinto de Jesus – Ao longo destes 25 anos foram vários os momentos de crescimento da empresa e do seu volume de negócio. Em 2003, por exemplo, com a transferência dos bairros municipais até essa data geridos pelo município, registámos um aumento de cerca de 50% do património gerido. Esse momento representa um marco no crescimento dos recursos humanos. Em 2017, com a transferência das frações municipais em regime de renda convencionada, a empresa teve novamente de se ajustar do ponto de vista organizacional. O facto de termos uma estrutura muito ágil e pouco hierarquizada permite respostas rápidas aos desafios com que nos vamos deparando. A proximidade aos residentes é um fator competitivo, que se materializa através da instalação de gabinetes nos bairros municipais e que foi reforçado através da expansão do atendimento ao público nas Lojas do Cidadão, com um horário mais alargado. Por outro lado, tem sido feito um investimento num atendimento ao público de qualidade, com a renovação das instalações e a transferência de competências para os gabinetes, transformando-os em microunidades de gestão, e que contribui para respostas mais rápidas face às necessidades detetadas. Outra área que merece um grande investimento da nossa parte é o reforço e estabelecimento de parcerias estratégicas com entidades locais, que vão desde organismos públicos a entidades do terceiro setor, e que compõem a rede social de Lisboa, permitindo um acompanhamento multidimensional de famílias de elevada vulnerabilidade social. Nos últimos dois anos tem havido uma aposta na simplificação de procedimentos, na capacitação dos recursos humanos e também na digitalização ao nível da comunicação com os residentes. Em termos de intervenção no património edificado, a passagem do tempo e as transformações demográficas, como o envelhecimento da população residente nos 66 bairros que gerimos, conduziu-nos a novas formas de reabilitar as frações, adotando materiais e técnicas que nos permitam adaptá-las a residentes de mobilidade reduzida, eliminando, sempre que possível, obstáculos à circulação dentro de casa – remodelação de instalações sanitárias com a remoção de banheiras, aumento da largura das portas, uso de piso adequado a andarilhos.

Nos últimos dois anos tem havido uma aposta na simplificação de procedimentos, na capacitação dos recursos humanos e também na digitalização ao nível da comunicação com os residentes.

Outro desafio que enfrentamos está relacionado com a necessidade de habitações preparadas para pessoas com deficiência profunda. A nossa resposta passou pela conceção do Programa LIFE. O Programa LIFE, criado em 2010, incorpora princípios de inovação na requalificação de habitações. Testa novas soluções económicas e funcionalmente eficientes. Ao mesmo tempo, responde a uma lacuna na indústria da construção de casas para uso universal: adapta-as a qualquer realidade concreta e às necessidades especiais dos moradores com deficiências profundas, apostando no recurso as novas tecnologias, nomeadamente a domótica, com operacionalidade dos equipamentos via wireless e a chamada internet of things. As casas são equipadas com as mais recentes soluções tecnológicas, algumas das quais inovadoras, como as cozinhas dinâmicas, instalações sanitárias isentas de qualquer barreira de mobilidade, zona de duche na laje, recurso a automatizações diversas, domótica, sensores de movimento térmicos, estores elétricos, revestimentos acústicos e térmicos. A palavra-chave é a inovação. Quer seja procurando novas metodologias junto da academia, ao nível da sociologia urbana, da ciência comportamental ou das mais recentes e sustentáveis técnicas de reabilitação de edifícios, quer seja promovendo a discussão sobre o futuro das políticas públicas de habitação, procuramos e experimentamos constantemente novas abordagens aos desafios que nos vão sendo colocados.

PME Mag. – Que balanço faz destes 25 anos?

P.P.J. – Um caminho com muitos desafios, decorrentes dos nossos sucessos e da expansão da empresa, o que nos conduziu a uma centralidade e importância no setor público da habitação, da regeneração urbana e desenvolvimento local dos bairros municipais. O facto de sermos a maior empresa de gestão de habitação pública do país coloca-nos na linha da frente dos desafios, mas também das soluções. Poder testemunhar o crescimento social e cívico das comunidades dos bairros, a sua vivacidade, os projetos inovadores e empreendedores que nelas surgem ao mesmo tempo que assistimos a uma operação ímpar de requalificação do património habitacional, é ver a cidade crescer todos os dias.

PME Mag. – Quais são os principais desafios que a gestão de mais de 23 mil unidades de habitação social apresenta?

P.P.J. – Os desafios de gestão são permanentes para uma empresa cujas medidas de gestão têm impacto na vida de cerca de 64 mil pessoas e que gere um património tão vasto como cerca de 23 mil habitações, mais de 3 mil edifícios, mais de mil espaços não habitacionais, praticamente 1200 elevadores e plataformas elevatórias. São também uma consequência do nosso sucesso, pois à medida que vamos absorvendo novas unidades de negócio, um reconhecimento claro da nossa eficácia e eficiência, surgem novos desafios. Do ponto de vista da manutenção do património, e atendendo à antiguidade de algum edificado, teremos sempre de apostar na requalificação dos bairros, simultaneamente mantendo a execução do plano de intervenções preventivas, um investimento a médio e longo prazo. A requalificação do património é também encarada por nós como uma oportunidade para investirmos na vertente ambiental, de inovação e sustentabilidade.

(…) à medida que vamos absorvendo novas unidades de negócio, um reconhecimento claro da nossa eficácia e eficiência, surgem novos desafios.

Também em relação aos elevadores, vamo-nos deparando com necessidades específicas de intervenção profunda nos equipamentos, quer seja porque se encontram no final do seu ciclo de vida, quer seja por necessidade de atualização tecnológica ou por resposta ao vandalismo e má utilização. Esta é para nós uma preocupação face à qual foram desenvolvidas algumas estratégias que assentam na comunicação com os residentes. Complementarmente temos recorrido a metodologias inovadoras, como é o caso da ciência do comportamento, nomeadamente o Nudge. Importa ainda referir a dívida de rendas que têm diminuído e muito nos últimos três anos, fruto de uma aposta forte e contínua da empresa na combinação de uma estratégia integrada, assente em três eixos: a proximidade às famílias, o aumento do número de acordos de regularização de dívida e respetivo cumprimento e o recurso à metodologia Nudge com efeitos muito positivos.

PME Mag. – De que forma a colaboração entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Gebalis contribui para a melhoria da qualidade de vida da população residente nos bairros que gere?

P.P.J. – O resultado mais visível desta colaboração é a operação de requalificação de 30 bairros que decorrerá até 2020, através do programa “Aqui há Mais Bairro” um investimento ímpar do município de Lisboa, no valor de cerca de 52,5 milhões de euros. São obras profundas nos edifícios com uma forte componente de melhoria do desempenho energético dos edifícios, nomeadamente com a substituição integral das coberturas dos prédios; substituição integral do revestimento exterior das fachadas e aplicação de revestimento com isolamento térmico; substituição das janelas das frações, por vidro duplo com corte térmico.  Esta aposta no desempenho energético das habitações dará o mote para uma aposta da empresa, num futuro muito próximo em torno das questões do combate à pobreza energética. Esta operação, com forte impacto do ponto de vista urbanístico, beneficiará 9 439 frações com impacto direto na qualidade de vida de cerca de 26 500 pessoas. Atualmente temos um total de 139 edifícios com obra concluída, em 12 bairros. Em curso estão seis frentes de obra, algumas delas já perto de terminarem, em 112 edifícios. Estando já em curso os procedimentos concursais para os restantes bairros.

PME Mag. – Com o surgimento da pandemia, como foi a adaptação da empresa a esta nova realidade?

P.P.J. – Em bom rigor saber sempre responder, mesmo em panoramas imprevisíveis e em contextos desafiantes, é o ADN da empresa e dos seus trabalhadores. A criatividade, dedicação, profissionalismo e resiliência acompanhado de um forte sentido de serviço público permitiu que mantivéssemos, com as devidas restrições impostas pela pandemia, a proximidade através de contato telefónico a todas as famílias em situação de vulnerabilidade social, que continuaram a ser acompanhadas em estreita articulação com a Rede Social de Lisboa. Esta foi e é a nossa prioridade – as famílias mais vulneráveis. Internamente temos sabido adaptarmo-nos. O facto de sermos desde final de 2019 uma empresa certificada na NP 4552:2016 – Sistema de Gestão da Conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal, trouxe-nos grandes vantagens uma vez que a prática do trabalho já tinha um componente flexível muito forte. Dizer ainda que a interligação entre as unidades orgânicas bem como a tomada de decisões em equipa é uma constante e, como tal, tivemos condições para rapidamente implementarmos novos métodos de trabalho. As medidas extraordinárias de apoio às famílias, às empresas e ao emprego aprovadas pela Câmara Municipal de Lisboa e aplicadas pela Gebalis permitiram também aos residentes e comerciantes encarar este momento com mais tranquilidade. A concessão de moratória de 18 meses, para o pagamento das rendas dos meses de abril, maio e junho em todos os fogos municipais. Esta medida abrangeu a totalidade das famílias residentes em habitação municipal, cerca de 24 000 famílias e 70 000 pessoas. Desta forma, as famílias podem liquidar o valor das rendas, sem juros ou penalizações, até dezembro de 2021. De referir ainda que, em qualquer momento, as famílias no regime de arrendamento apoiado poderão solicitar a reavaliação do valor das rendas, seja por diminuição de rendimentos do agregado, seja por desemprego ou outras situações. A isenção integral do pagamento das rendas dos meses de abril, maio e junho dos estabelecimentos comerciais e das instituições de âmbito social, cultural, desportivo e recreativo instalados em bairros municipais. Esta medida foi aplicada pela Gebalis a 695 estabelecimentos comerciais e instituições. Recentemente, o lançamento do Programa de Apoio Económico e Social, do município, que alarga a vigência de algumas das medidas, nomeadamente as rendas para os espaços não habitacionais em bairros municipais, e que visa proteger os setores económicos mais atingidos e mais vulneráveis, terá um impacto positivo no comércio local dos bairros. Acrescentar ainda que a lei do arrendamento apoiado prevê que, caso os agregados tenham alteração na composição do agregado familiar ou de rendimentos, podem e devem, em qualquer momento, solicitar revisão de renda, uma vez que a renda em regime de arrendamento apoiado é calculada em função dos rendimentos das famílias.

PME Mag. – Com a recente admissão na Housing Europe, qual é a sensação de ser a primeira empresa portuguesa a aderir ao projeto?

P.P.J. – É muito prestigiante integrar a Federação Europeia de Habitação Pública, uma rede de 44 federações nacionais e regionais que reúne cerca de 43.000 providers de habitação pública, social e cooperativa de 23 países, abrangendo 26 milhões de habitações. Para além do orgulho que temos nesta admissão, ela representa também um grande momento de reconhecimento para uma empresa pública de âmbito municipal que se rege pelos mais rigorosos critérios de gestão da causa e da coisa pública e reforça a nossa centralidade no sector da habitação pública.

PME Mag. – Qual vai ser o impacto desta nova colaboração internacional nos projetos que neste momento têm em desenvolvimento?

P.P.J. – Julgamos que esta parceria permitirá à Gebalis e ao município ter uma voz mais forte tanto a nível da União Europeia como a nível nacional, mantendo-se atualizada dos desenvolvimentos importantes das políticas europeias nos domínios da energia, regulamento financeiro e assuntos urbanos, tendo acesso a evidências de apoio ao desenvolvimento da intervenção a nível local e nacional, partilhando metodologias de trabalho já testadas no terreno com resultados comprovadamente positivos, integrando projetos europeus, sendo uma voz ativa e representativa de Portugal. Neste momento o programa LIFE, do qual falei anteriormente, integra o “Housing Evolutions Hub”, uma plataforma online do Housing Europe que destaca as evoluções no setor da habitação a nível europeu, apresentando as mais recentes inovações no campo da habitação social, pública, acessível e responsável. Esta projeção permite-nos alargar as nossas redes de parceria e transferir conhecimento e experiência para outros organismos.

PME Mag. – E ao nível das políticas públicas em vigor? O que vai mudar?

P.P.J. – Os relatórios do Observatório de Habitação Europeu apresentam dados que revelam que vivemos uma crise habitacional desde 2015 com impacto na vida concreta das pessoas, aumentando o risco de pobreza e exclusão social. Em 2017, 10,2% dos agregados familiares na União Europeia gastaram mais de 40% do seu rendimento disponível em custos de habitação, mas esta percentagem aumenta para 37,8% quando se considera os agregados familiares em risco de pobreza. É inquestionável a necessidade do apoio social ao nível da habitação na Europa, mas também o desenvolvimento de abordagens urbanas integradas e universalistas. O papel das cidades na determinação de políticas habitacionais e, em última instância, das condições habitacionais dos seus habitantes tornou-se um tópico político importante nos últimos anos. O contexto pandémico, por certo, trará impactos e influência na próxima geração de políticas habitacionais, sendo por isso ainda mais premente estabelecer inter-relações entre iniciativas estruturais globais e abordagens locais que mitiguem desigualdades espaciais e segregação e que ao mesmo tempo, de forma sustentável, promovam o exercício da cidadania nas nossas cidades.

O contexto pandémico, por certo, trará impactos e influência na próxima geração de políticas habitacionais (…)

Estes, aliás, foram os centrais da conferência internacional “Habitar o Futuro”, que assinala os 25 anos da Gebalis e que contou com a participação de especialistas em habitação e sociologia urbana, académicos, tanto nacionais como internacionais, prova que esse é um tema de alcance global, nas suas dimensões locais, nacionais, europeias e mundiais.

PME Mag. – Acredita que a admissão na Housing Europe e a partilha de metodologias com outros países europeus vai facilitar as decisões futuras?

P.P.J. – Estou convicto de que sim, essencialmente pelo acesso a novas abordagens em contextos similares e com bons resultados. Esta procura constante de conhecimento sempre norteou a empresa e é especialmente relevante no período de atravessemos. O acesso a estudos académicos promovidos pelo Housing Europe constituem instrumentos fundamentais para a definição futura de novas estratégias e metodologias.

PME Mag. – Com esta nova parceria europeia, quais são as perspetivas para o futuro? E que objetivos ainda estão por atingir?

P.P.J. – Penso que o principal é o desenvolvimento de abordagens urbanas integradas que permitirão promover a coesão territorial e social das cidades europeias, construindo uma Europa mais equitativa, justa e solidária.

PME Mag. – A Gebalis também se juntou à plataforma Radar. Em que consiste essa colaboração?

P.P.J. – Ainda que só tenhamos formalizado o protocolo de colaboração com o programa Radar, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, em setembro, logo em março juntámo-nos ao programa e em apenas 15 dias, contatámos quase 5000 idosos e sinalizámos 143 casos de vulnerabilidade social mais grave. Com esta parceria, a Gebalis passa a integrar os radares de base comunitária de modo a detetar situações de risco nas pessoas com mais de 65 anos e agilizar uma intervenção ajustada a cada situação.

PME Mag. – Em tempos de pandemia, quais foram as principais dificuldades encontradas no apoio à população mais idosa?

P.P.J. – A Rede Social de Lisboa já estava em funcionamento pleno antes da pandemia e, portanto, o foco esteve no intensificar da atuação da rede da deteção, acompanhamento e encaminhamento das pessoas em maior dificuldade. Importa deixar aqui uma importante palavra de reconhecimento às juntas de freguesia da cidade que rapidamente se mobilizaram em torno deste desígnio prestando um apoio inestimável, só possível a quem conhece, como ninguém, as suas comunidades.  Destacar também o apoio multidisciplinar do município, através da plataforma Fórum Urbano que agrega organizações, serviços e projetos BIP-ZIP que têm atividades de combate à pandemia e apoio solidário à população. Relevar igualmente a resposta positiva das associações de moradores dos bairros municipais à convocatória que lhes foi lançada. Disseram “presente” e têm sido determinantes no combate à pandemia, mostrando a força das comunidades locais da cidade de Lisboa. Quanto à Gebalis, tem ao longo destes meses rastreado, via telefone e, sempre que as normas em vigor permitem, presencialmente os residentes com mais de 65 anos, e o resultado foi muito recompensador até do ponto de vista humanitário. Detetamos que muitos deles se sentiam isolados e ansiosos com a situação pandémica e que o nosso contato telefónico contribuía para atenuar os efeitos da solidão.

PME Mag. – Com os recentes desenvolvimentos, prevê contratar mais trabalhadores?

P.P.J. – O plano de crescimento dos recursos humanos da empresa para 2020 tem vindo a ser implementado, e assim continuará, uma vez que a nossa atividade empresarial não abrandou, bem pelo contrário. Uma vez que a nossa política de gestão integra as vertentes social, patrimonial e financeira, é nestes períodos que a vertente social assume preponderância.

PME Mag. – Numa sociedade cada vez mais globalizada, como imagina a Gebalis daqui a cinco anos?

P.P.J. – A Gebalis tem todas as condições para daqui a cinco anos ser um player central na definição de políticas de habitação pública, mantendo-se fiel aos seus valores basilares, a proximidade e orientação para os residentes e sendo um agente inequívoco do desenvolvimento social e urbano de Lisboa. Estando a gerir habitação de nova geração, de elevada qualidade, tanto ao nível dos projetos arquitetónicos como das características de construção, por certo que todas as operações de requalificação que realizará alinharão por este patamar, onde a qualidade da habitação pública pode, e deve, ombrear com a do setor privado.