Home / Opinião / Patentes ucranianas: do passado ao presente
Vítor Sérgio Moreira, coordenador de patentes da Inventa e Anna Shcherbyna, paralegal de PI da Inventa (Foto: Divulgação)
Vítor Sérgio Moreira, coordenador de patentes da Inventa e Anna Shcherbyna, paralegal de PI da Inventa (Foto: Divulgação)

Patentes ucranianas: do passado ao presente

Por: Vítor Sérgio Moreira, coordenador de patentes da Inventa e Anna Shcherbyna, paralegal de PI da Inventa

O primeiro sistema de patentes do Império Russo remonta a 1812, ano em que o czar Alexandre I, através da publicação do “Manifesto sobre os privilégios para Diversas Invenções e Descobertas no Artesanato e nas Artes”, o instaurou.

Passado mais de um século, após a Revolução de outubro de 1917, todo o sistema legal colapsou num território tão vasto desde os Cárpatos até ao Oceano Pacífico, afetando e ameaçando em especial os latifundiários, os industriais, os artesãos e os camponeses das regiões do interior.

No ano seguinte, em 1918, a República Popular da Ucrânia (UPR) proclamou a sua independência. Foi nessa altura que o Ministério do Comércio e da Indústria estabeleceu o Departamento Técnico das Invenções, sendo responsável pelas primeiras patentes do Estado ucraniano e funcionando com base na antiga legislação do Império Russo.

Requisitos para um pedido de patente

Na altura, para depositar um pedido de patente, os inventores tinham de escrever uma descrição detalhada da invenção, pagar um imposto de selo entre 31 a 34 rublos (na época, uma quantia acessível mesmo para um pequeno artesão) e fornecer desenhos bem definidos da sua invenção, no caso de haver desenhos.

A emissão de um certificado de concessão da patente poderia levar alguns meses pelo que, durante esse período, o proprietário da invenção utilizava um certificado de proteção que permitia divulgar a invenção, realizar os testes necessários, proceder a uma demonstração pública e até comercializar o produto da invenção.

A patente, quando concedida, dava o direito de usar e distribuir, e até alienar, a propriedade de quem usasse ilegalmente a invenção durante 15 anos, mas obrigava o seu proprietário a implementar e melhorar a tecnologia no território do antigo Império Russo.

Deste modo, em 1918, comboios inteiros de refugiados russos de industriais, aristocratas, jornalistas, atores e empresários chegaram a uma Ucrânia relativamente estável. As autoridades locais taxavam os titulares de patentes emitidas por instituições do Império Russo.

Curiosamente, o primeiro certificado de concessão de patente na história da UPR foi para a cidade russa de Rostov-on-Don. A 27 de junho de 1918, uma patente ucraniana decorada com um tridente de filigrana foi recebida pelos empresários russos Grunthal e Antoshevsky que produziram uma sola especial de madeira para substituir o uso de galochas e sandálias de madeira.

Calçado, dispositivos de aquecimento e babits

Na sua maioria, as patentes da UPR diziam respeito a necessidades domésticas: fabricação de calçado e dispositivos de aquecimento, mas também há exemplos de invenções com aplicações industriais, como métodos de fabricação de babits (ligas especiais utilizadas em carris de ferrovias), um motor a óleo e até uma bicicleta hidráulica. Os pedidos de patente que deram entrada no Departamento de Invenções foram depositados por vários tipos de inventores, tais como engenheiros, comerciantes e até mesmo estudantes. No entanto, a UPR não resistiu e o seu governo foi forçado ao exílio quando os bolcheviques tomaram Kyiv. Mas a liderança da UPR sonhava com uma nova campanha de libertação. A 4 de junho de 1920, o diretor do Departamento de Invenções, Zenon Hornytskyi, escreveu um memorando ao Ministério com críticas ao novo sistema de patentes e propõe reestruturar o seu departamento num “Departamento de Proteção da Propriedade Industrial” global. Na sua opinião, isso deveria “elevar o prestígio do Estado aos olhos do mundo industrial e dar à patente ucraniana o estatuto e o respeito necessários.

Domínio soviético

A Ucrânia, no entanto, estava destinada a fazer parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Durante este período, foi criado um sistema sui generis de certificado de inventor, utilizado em larga escala pelos cidadãos soviéticos: uma patente poderia ser propriedade do inventor ou de alguém a quem o inventor escolhesse ceder a mesma. Mas o certificado do inventor, correspondente à titularidade da invenção, seria sempre atribuído ao Estado.

Os inventores eram encorajados através de vários incentivos, como recompensas monetárias, recebendo melhores casas do Estado ou um título de “Inventor Distinguido”, muito apreciado na sociedade soviética. Assim, cerca de 790 000 certificados de inventores foram depositados na URSS com uma tendência de depósitos substancialmente constante desde o final dos anos 70 ao final dos anos 80.

Instituto Ucraniano de Propriedade Intelectual

Após o colapso da URSS em 1991, o Instituto Ucraniano de Propriedade Intelectual (Ukrpatent) adotou um sistema de patentes semelhante ao sistema europeu. Embora numa fase de transição, a Ucrânia tenha reconhecido a validade de antigas patentes soviéticas no seu território para preservar os direitos sobre as invenções ucranianas obtidas em Moscovo.

O número de pedidos de patente depositados no Ukrpatent sofreu várias oscilações nos anos seguintes, relacionadas com fatores de natureza político-económica, sem que se observe uma tendência de crescimento no número de pedidos de patente. É de notar também que mais de 90% dos pedidos de patente que reivindicam uma prioridade ucraniana tenham sido depositados na sua maioria apenas na Ucrânia.

Oportunidade de recuperação

Os inventores ucranianos tinham sem dúvida, algo pelo que lutar mesmo antes dos infelizes eventos desencadeados a 24 de fevereiro de 2022. Em 2018, a Ucrânia ficou em primeiro lugar entre 153 países na categoria “Ciência e Tecnologia” no ranking do Good Country Index, superando mesmo os EUA. Por sua vez, empresas líderes na indústria como a Oracle, a Ring, a Siemens, a Cisco, a Samsung estabeleceram as suas instalações de Investigação & Desenvolvimento na Ucrânia. O setor de Tecnologias de Informação (TI) ucraniano possui um dos maiores números de engenheiros de TI na Europa Central (130 000 licenciados em engenharia e 16 000 licenciados em TI, anualmente).

Apesar das circunstâncias atuais, a Ucrânia promove a cooperação internacional das instituições de ensino superior ucranianas com ênfase no trabalho em projetos e investigação científica conjuntos. Os jovens ucranianos revelam ter uma impressionante apetência para o desenvolvimento e a inovação, apesar da instabilidade política e económica e até mesmo da guerra.

Não sabemos o que o futuro reserva para a Ucrânia. Certo é que, caso o país ganhe a disputa que se desenrola no seu território, a ciência e a tecnologia poderão tornar-se importantes aliados na reconstrução da sua economia em conjunto com o histórico ucraniano de respeito pela propriedade industrial.