Home / Empresas / “Portugal pode ser relevante na produção de bioetanol residual” – Lucas Coêlho
Lucas Coêlho Administrador STEX
Lucas Coêlho, Administrador da Stex (Foto: Divulgação)

“Portugal pode ser relevante na produção de bioetanol residual” – Lucas Coêlho

Por: Afonso Godinho

A Stex, startup portuguesa a operar a maior unidade-piloto de produção de bioetanol residual, foi recentemente distinguida com o prémio Born from Knowledge Award, atribuído pela Agência Nacional de Inovação, pelo trabalho que tem sido desenvolvido ao nível do projeto da empresa na área do bioetanol.

Em entrevista à PME Magazine, Lucas Coêlho, administrador da Stex, desvenda um pouco do que tem sido o desenvolvimento da empresa, explicando-nos em que consiste o projeto e quais são os objetivos para o futuro próximo.

PME Magazine – Seria possível descrever, de forma mais pormenorizada, a nova solução desenvolvida pela STEX à base de bioetanol?

Lucas Coêlho (L. C.) – Conseguimos retirar açúcares solúveis e não solúveis de diversos resíduos. Os não solúveis são açúcares na forma de hemicelulose e celulose. A partir desses podemos obter alguns produtos. Neste momento, o processo que está validado de ponta a ponta e que tem uma maior segurança do ponto de vista do negócio é a obtenção do bioetanol. O bioetanol a partir de resíduos é igual ao etanol obtido da uva ou a qualquer outro etanol. A diferença é no modo de se produzir. Por ser de resíduos é, atualmente, a forma mais inteligente de se fazer etanol, por ser um processo que torna a cadeia circular produtiva. Desta maneira, as empresas que estão a gerar resíduos e que têm um problema, ou aquelas que apenas não estão a valorizar os resíduos ao máximo, podem apostar no bioetanol para obter melhores resultados financeiros e ainda contribuir para as metas de descarbonização da sociedade.

PME Mag. – Como caracteriza os dois primeiros anos da empresa?

(L. C.) – Os dois primeiros anos foram dedicados à criação da base da empresa. Viemos do Brasil e não conhecíamos ninguém. Foi um trabalho muito importante de prospeção de três atores: quem estaria a atuar na regulamentação ou na política do assunto, quem poderia consumir o bioetanol e quem teria resíduos para um projeto. Neste sentido, acabamos por conhecer o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e o Dr. Francisco Gírio, Head do Departamento de Bioenergia. Descobrimos que, em 2017, o LNEG elaborou o Plano Nacional para a Promoção das Biorrefinarias (PNPB) por solicitação da Secretária de Estado da Energia do Ministério da Economia. Este plano visava reforçar a aposta de Portugal na valorização das diversas fontes de energias renováveis e o comprometimento com as metas europeias de promoção das fontes de energias renováveis. Assim, estabelecemos uma parceria para trazer o nosso projeto piloto do Brasil em container e instalá-la no campus do Lumiar do LNEG para desenvolvimento de projetos em conjunto. De seguida, conversámos com as empresas distribuidoras de combustíveis em Portugal e descobrimos que todas já estavam a importar bioetanol para misturar na gasolina e que, em diferentes graus, estavam interessadas em discutir o assunto. Neste sentido, percorremos o país para falar com empresas que possuíam resíduos florestais nas suas atividades, centrais de geração de energia à biomassa, empresas gestoras de resíduos urbanos, empresas envolvidas na indústria dos bagaços de azeitonas e podas de oliveiras, de bagaços de uvas, palhas e cascas, e resíduos alimentares.

Estabelecemos uma parceria para trazer o nosso projeto piloto do Brasil em container e instalá-la no campus do Lumiar do LNEG.

PME Mag. – Como encara a distinção Born from Knowledge Award?

(L. C.) – A distinção Born from Knowledge Award, atribuída pela Agência Nacional de Inovação, causa-nos uma dupla satisfação e orgulho. Primeiro por que o prémio destaca projetos que nasceram do conhecimento e nós, além de empreendedores, somos investigadores. Eu, particularmente, desenvolvi parte do doutoramento sob orientação do Dr. Alírio Rodrigues no Laboratório de Processos de Separação e Reação liderado pela Profª. Madalena Dias na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), sendo que nos dois anos antes de abrir a STEX fiz um pós-doutoramento no mesmo laboratório. E segundo porque a distinção é concedida pela Agência Nacional de Inovação e mostra-nos que o nosso projeto é relevante para uma agência nacional que acaba por conhecer diversos projetos anualmente e que tem um papel fundamental no apoio à inovação de Portugal.

PME Mag. – Sendo uma aposta inovadora no setor da produção de biocombustíveis em Portugal, como encara o desafio?

(L. C.) – É importante destacar que o Governo Português, alinhado com a estratégia europeia e com intuito de preparar a transição para os biocombustíveis avançados, aprovou, em 2017, o Decreto-Lei n.º 152-C/2017 de 11/12/2017. Entre outras orientações, determinava a incorporação de 0,5% de biocombustíveis avançados até 2020. Em 2018, o Governo Português elaborou o Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC-2030), bem como o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050), com o objetivo de explorar a viabilidade de trajetórias que conduzam à neutralidade carbónica, a atingir em 2050. Ou seja, Portugal está alinhado com o desafio. Do nosso lado em específico, posso dizer que tanto o empreendedor, como o investigador são movidos pelo desafio. É intrínseco. E nós temos o prazer de viver essas duas vertentes e apostar no melhor dos dois mundos. Contudo, vejo, particularmente, a questão do bioetanol como uma questão de cultura e de tempo. Eu vivo aqui há 4 anos e posso dizer que é o suficiente para afirmar que Portugal tem todas as condições de se tornar um player relevante e de destaque no cenário internacional de tecnologia de produção de bioetanol a partir de resíduos. Há infraestrutura de primeira linha, há logística e biomassa disponível, há distribuidores de combustíveis a importar bioetanol para misturar na gasolina, há a nossa tecnologia e, recentemente, legislação europeia específica para biocombustíveis que vêm de resíduos. O desafio está mais na criação do modelo de negócio. E temos a certeza de que vamos encontrar outras empresas e pessoas com a coragem para avançar com o projeto.

Tanto o empreendedor, como o investigador são movidos pelo desafio. É intrínseco. E nós temos o prazer de viver essas duas vertentes e apostar no melhor dos dois mundos.

PME Mag. – Quais as metas e os projetos que estão em desenvolvimento?

Neste momento, estamos a trabalhar para a implementação da primeira biorrefinaria. Estamos envolvidos em projetos para alguns clientes, que por questões contratuais não podemos especificar, porém, podemos dizer que empresas de resíduos florestais, resíduos agrícolas e resíduos sólidos urbanos, estão a cooperar connosco. Também temos iniciativas próprias, para não depender de outras empresas, para se poder entregar à sociedade a primeira biorrefinaria. 

PME Mag. – De que forma é que a atual situação pandémica veio alterar os projetos e objetivos da STEX?

(L. C.) – A pandemia foi, por um lado, muito delicada para nós, porque as empresas com quem estávamos a trabalhar precisaram de diminuir a atenção nos projetos novos ou até mesmo adiá-los. Por outro lado, não parámos. Continuámos com iniciativas próprias e pudemos validar a tecnologia para resíduos sólidos urbanos e bagaços de azeitona, bem como estabelecer novos contatos empresariais.

O foco é criar uma base na península ibérica, com olhos para o futuro na Europa.

PME Mag. – Quais as perspetivas de crescimento internacional?

(L. C.) – O foco é criar uma base na península ibérica, com olhos para o futuro na Europa. A nossa tecnologia não produz qualquer bioetanol: produz bioetanol de resíduos e, por isso, é 100% alinhada com o objetivo da Europa para 2050. Além disso, a nossa tecnologia foi, especialmente e arduamente, desenvolvida para atuar num nicho de projetos que consumam entre 100 a 700 toneladas de resíduos por dia. É um valor pequeno para países como Brasil, EUA, China e Índia, mas é muito bom para países europeus. Assim, podemos criar, em alguns anos, uma indústria, como as indústrias de biodiesel de Portugal, ou seja, várias “pequenas” biorrefinarias espalhadas pelo país. Mas não só, pois esse modelo é escalável e replicável também noutros países europeus. Por fim, por ser modular, a nossa tecnologia pode ser utilizada em outras geografias “maiores”. Por exemplo, recentemente fomos contatados para um projeto inicial em África, onde o volume de biomassa disponível e o modelo de negócio aplicável se encaixa na nossa tecnologia.

PME Mag. – Existem outros projetos a ser desenvolvidos pela STEX que nos possa desvendar?

(L. C.) – Estamos a trabalhar com dois parceiros que querem apenas o açúcar para fazerem projetos internos. Desses açúcares ainda estamos a trabalhar em projetos para produzir proteínas, fibras de alta digestibilidade (para ração animal), pré-bióticos e plástico renovável. Destes mencionados, os pré-bióticos são os que estão mais evoluídos, pois já estão com as bases desenvolvidas pelo LNEG.