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Mineral Organic Crafts
Cláudia Gomes, fundadora e diretora criativa da Mineral Organic Crafts (Foto: Divulgação)

“Quando fundei a marca, um dos alicerces era o princípio da sustentabilidade” – Cláudia Gomes

Por: Marta Godinho 

A Mineral Organic Crafts é um negócio que surgiu em plena pandemia e que cria peças de artesanato em cerâmica perfumada no mercado nacional e internacional. Em entrevista à PME Magazine, Cláudia Gomes, fundadora e diretora criativa da Mineral Organic Crafts, conta-nos um pouco sobre a marca e o seu crescimento nestes dois anos, os principais desafios da empresa, a participação na Maison & Objet e os planos futuros.

PME Magazine (PME Mag.) – Como surgiu esta marca?

Cláudia Gomes (C. G.) – A Mineral Organic Crafts surgiu em 2020, em plena pandemia. Com a pausa forçada devido à Covid-19, surgiu a oportunidade de experimentar o artesanato em cerâmica perfumada, sendo que o objetivo à data passava por criar uma pequena linha de lembranças para a minha Peculiar Comunicação, o projeto de consultoria de comunicação e organização de eventos que fundei em 2017. A ideia já era antiga e já sabia exatamente qual a matéria-prima que queria explorar (gesso cerâmico). No entanto, a falta de tempo acabava sempre por ser dissuasora e, em todos os eventos particulares e corporativos que desenvolvia, acabava por adjudicar os “gifts” a parceiros externos, apesar de raramente encontrar o que realmente queria. Estava na altura de ter uma proposta com a minha assinatura, onde conseguisse controlar o processo de produção do início ao fim. Lancei a Mineral em maio de 2020 com um plano de negócios simples que passava por desenvolver cerca de 20 modelos para testar o mercado, sem imaginar que um dia o volume de negócios da Mineral se sobreporia ao da Peculiar Comunicação e que, três anos depois, tivesse mais de 200 modelos no catálogo, dezenas de revendedores em Portugal e no estrangeiro e várias participações nas maiores feiras mundiais de decoração de interiores. Eu e o meu marido, Paulo Santos, que agora trabalha comigo a tempo inteiro na Mineral, nunca imaginámos que este projeto (agora um projeto conjunto) nos iria proporcionar uma reconversão profissional desta magnitude, mas fomo-nos sempre adaptando ao crescimento e às mudanças de forma muito natural. Na realidade, quando fundei o projeto sabia que ele teria vida própria e independente dos restantes projetos que já fundara e que a marca tinha potencial para escalar, daí ter optado por um nome em inglês para evitar limitações de idioma. Não sabia é que seria tão rápido e que iria transformar-se num negócio de família e com um raio de abrangência tão grande em termos de nicho de mercado.

PME Mag. – Quais foram a dificuldades de dar seguimento a um projeto nascido em tempo de pandemia?

C. G. – Na realidade, a pandemia potenciou o negócio já que proporcionou um enorme crescimento da venda online e uma maior afinidade do consumidor às redes sociais como forma de atenuar as distâncias causadas pela pandemia. Com este clima favorável ao e-commerce, aliado ao movimento de apoio que se gerou em torno de tudo o que era nacional e feito à mão, as páginas do Instagram e do Facebook foram crescendo em conteúdos e ganhando cada vez mais seguidores. Em paralelo, o website da marca ia sendo alimentado por mim com novas coleções e fotografias das novidades, acompanhadas dos conteúdos sobre as mesmas e sobre o processo produtivo, o que transmitia ao cliente uma sensação de segurança e de “savoir faire”, que reconheciam e identificavam nas grandes marcas. Esse background devo-o à minha formação e aos muitos projetos que integrei enquanto profissional de marketing e comunicação, mas também na área dos eventos, que me permitiram construir uma marca de raiz apenas com recurso a capitais próprios. Como complemento ao meu trabalho e dedicação quase integral a este projeto, o Paulo, sendo mestre em química com especialização em recursos renováveis e bio refinarias, e tendo trabalhado sempre em grandes indústrias como a corticeira ou a têxtil, ajudou-me a melhorar tecnicamente o processo produtivo, valorizando cada vez mais o produto final. Isto só foi possível porque na pandemia não havia vida social e todo o tempo livre que tínhamos era investido neste “bebé” chamado Mineral Organic Crafts.

“Quando fundei o projeto sabia que ele teria vida própria e independente dos restantes projetos que já fundara e que a marca tinha potencial para escalar, daí ter optado por um nome em inglês para evitar limitações de idioma.”

PME Mag. – Quais são os principais produtos que podemos encontrar na Mineral Organic Crafts?

C. G. – A Mineral Organic Crafts é especializada na produção artesanal de ambientadores de gesso cerâmico (conhecido por cerâmica perfumada), sendo estes incomparavelmente mais ecológicos do que os comuns ambientadores e difusores que encontramos no mercado. Para além do processo ser ético e consciente, as matérias-primas orgânicas e cuidadosamente selecionadas, packaging reciclado e 100% reciclável, os ambientadores da Mineral são, ainda, reutilizáveis por toda a vida, bastando aplicar umas gotas de essência sobre a peça (que também revendemos), que irá absorver e difundir o perfume por evaporação passiva. A difusão passiva reutilizável é a mais indicada para pessoas (e animais) com sensibilidades olfativas ou alergias, já que a libertação do aroma não invade o ar como os ambientadores comuns. Para além das coleções de ambientadores com diversas aplicações (para pousar em superfícies, pendurar no roupeiro/colocar em gavetas, para o carro ou até jarras com arranjos de flores preservadas), temos também uma linha de bijuteria perfumada e perfumável e telas integralmente pintadas com recurso a espátula e a muitas horas de trabalho, igualmente perfumadas e perfumáveis. Iremos lançar, em breve, uma gama com mais um artigo inovador, o “Glass Tube” da “Glass Collection”, que consiste num kit DYI com um copo tubular assente numa base de madeira iluminada que se enche de peças nossas (existem quatro modelos diferentes) e que é indicado para perfumar espaços grandes. O kit tem um manual e o utilizador final monta o seu ambientador.

PME Mag. – Qual foi o ponto de viragem da marca?

C. G. – Um dos pontos de viragem foi em abril de 2022, com a obtenção da Carta de Artesão e da Carta de Unidade Produtiva Artesanal pelo CEARTE, o sistema oficial de reconhecimento dos produtores artesanais em Portugal, cuja entidade responsável é o Instituto do Emprego e Formação Profissional, competindo ao CEARTE a instrução e avaliação técnica das candidaturas. Com este reconhecimento e certificação foi possível solicitar o selo “Portugal Sou Eu” à AEP (Associação Empresarial de Portugal), da qual sou associada, conseguindo, desta forma, uma validação relativamente à qualidade e inovação dos produtos. Já, em fevereiro de 2022, tinha dado um grande passo no que respeita à notoriedade da marca quando fui selecionada pela APCC (Associação Portuguesa dos Centros Comerciais) para integrar o Programa de Incubação de Retalho (de entre 99 startups foram selecionadas apenas cinco), graças à componente de inovação em sustentabilidade da minha marca, o que também representou um grande impulso no negócio. Ainda no início de 2022, o Paulo juntou-se a mim de forma permanente no projeto, o que se traduziu num aumento e melhoria de capacidade de produção, mas também na rapidez de procedimentos relacionados com gestão, logística e contabilidade. As nossas competências aliaram-se mais do que nunca – o Paulo numa ótica mais técnica e tecnológica; eu com a vertente criativa e de comunicação/gestão de marca – e, hoje em dia, somos a dupla que dá corpo e alma à marca registada Mineral Organic Crafts. Ademais, a requalificação de uma pequena moradia de 1960 para converter no nosso atelier (com capitais próprios e com recurso à banca), que inaugurámos em junho do ano passado e que nos deu muito mais capacidade de organização, produção e nos permite ter uma equipa de apoio externa sempre que necessário, o que não acontecia no primeiro atelier que era no salão de festas da nossa casa, em Arcozelo, Vila Nova de Gaia. Ao novo atelier, inserido numa zona de verdes prados, em Sermonde, Vila Nova de Gaia, chamamos Maison Mineral porque é, afinal, a casa de todos os que apreciam o que fazemos, já que aqui acontece não só a produção e entrega de encomendas no showroom, como os dias da “Casa Aberta”, onde todos podem aparecer sem marcação e onde a casa se enche de pessoas, de música, gastronomia e boa energia. Este ano, no verão, iremos fazer a Casa Aberta em modo sunset, já que a vista do jardim sobre o pôr-do-sol é hipnotizante! Inspirámo-nos no estilo de construção mediterrânea, com muros arredondados que contrastam com a geometria de uma escada assimétrica, muito minimalista e com foco em materiais sustentáveis. Muito mais havia a dizer sobre esta enorme aventura que começou há quase três anos, mas, acima de tudo, os ingredientes do sucesso da Mineral Organic Crafts são: o amor pela arte e pela missão da sustentabilidade e muito trabalho, foco e dedicação permanente, praticamente sem folgas e sem férias. Só com muito amor pelo projeto se consegue manter o entusiasmo e percebi que o meu propósito de vida era este quando, mesmo no extremo do meu cansaço físico, continuava animada e a querer fazer mais e mais. Foi isso que me levou a apostar todas as fichas na marca e a redirecionar o rumo da minha carreira profissional.

“Acima de tudo, os ingredientes do sucesso da Mineral Organic Crafts são: o amor pela arte e pela missão da sustentabilidade e muito trabalho, foco e dedicação permanente”

PME Mag. – Como explica o crescimento exponencial da marca que já opera em mercados internacionais?

C. G. – Atualmente é relativamente acessível a um projeto de artesanato estar em plataformas de venda B2B internacionais, desde que cumpra alguns requisitos relacionados com design de produto, diferenciação no mercado, faturação e suportes de comunicação de qualidade. Existem várias plataformas que agregam marcas e as dão a conhecer a revendedores espalhados por todo o mundo (como Ankorstore ou Faire, por exemplo), o que representa um apoio nas primeiras vendas fora de fronteiras. Com a expansão da marca e com o aumento de seguidores nas redes sociais, também começaram a perguntar-nos se enviávamos produtos para o estrangeiro diretamente e se podiam representar a nossa marca noutros países, pelo que foi acontecendo com naturalidade. A última “estreia” foi agora em janeiro, com a entrada de um novo revendedor em Angola (Luanda), cujo transporte é feito por via marítima. Pela primeira vez, vimos as nossas caixas serem acondicionadas em palete e seguirem viagem no contentor marítimo rumo ao continente africano. Que emoção.

“Com a expansão da marca e com o aumento de seguidores nas redes sociais, (…) o envio de produtos para o estrangeiro diretamente foi acontecendo com naturalidade”

PME Mag. – Quais são as expetativas de participar na Maison & Objet, a maior feira de decoração e design de interiores do mundo?

C. G. – É a segunda vez que estamos expostos na Maison & Objet, já que no ano passado, na edição que decorreu em março (devido à Covid aconteceu mais tarde do que o habitual), estivemos expostos no stand Made in Portugal, Naturally, da APIMA (Associação Portuguesa do Mobiliário e Afins), tendo repetido a mesma presença em junho, na Tortona Design Week, em Milão. As expectativas de participar neste tipo de certames são sempre elevadas, não propriamente em contactos comerciais imediatos, mas sobretudo numa esfera social, já que conhecemos sempre pessoas e projetos interessantes que, mais tarde, se convertem em vendas e em notoriedade para a marca. Este tipo de interações ajuda-nos a abrir portas a novos públicos e mercados, sendo fundamentais para posicionar o produto num segmento premium. Sai valorizada a marca, os artigos que produzimos (quer pela funcionalidade de ambientador, quer pelo design sofisticado e minimalista) e, ainda, o próprio artesão de arte, que dá a cara pelo projeto e trabalha a sua marca pessoal junto deste nicho.

PME Mag. – Acredita que o sustentável é apenas tendência ou cada vez mais as marcas procuram o ecológico?

C. G. – O planeta Terra é a grande casa de todos nós e, infelizmente, o seu estado não é o melhor devido às más decisões tomadas por nós, sociedade industrializada, ao longo de décadas. Essa realidade é cada vez mais evidente e indiscutível, pelo que existe uma maior consciência global sobre como iremos atenuar a nossa pegada ecológica daqui em diante e isso reflete-se nos nossos hábitos de consumo (felizmente). Antes de sermos responsáveis por marcas, somos seres humanos dotados de ética, responsabilidade e memória, o que leva muitos de nós a procurarmos alternativas mais sustentáveis para os nossos negócios, assim como para as nossas vidas enquanto consumidores. Penso que o movimento a que assistimos atualmente, que se tornou simultaneamente numa tendência, representa esse “despertar” para o problema e a noção de que temos pouco tempo para reverter a situação do planeta que nos acolhe, por isso acredito que seja uma nova forma de estar na vida que veio para ficar. Uma adaptação genuína da sociedade a um estilo de vida mais simples e mais ecológico que visa salvaguardar as gerações futuras, dos nossos filhos e netos. Quando fundei a marca, um dos alicerces basilares era precisamente o princípio da sustentabilidade e passou por criar uma proposta de valor que, quando comparada com o que existe no mercado na mesma categoria de produtos, fosse incomparavelmente mais amiga do ambiente (quer na perspetiva da formulação do produto, quer no que respeita à reutilização e à vida útil do mesmo, quer ainda do ponto de vista do descarte por forma a este ser o mais inócuo possível quando libertado na natureza). Esta componente de responsabilidade social do projeto representa aquilo a que chamo “missão” e passa por promover a conversão do consumo de difusores produzidos industrialmente, descartáveis, de vida útil muito reduzida, envoltos em “carapaça” e embalagens de plástico, para ambientadores de base mineral, reutilizáveis e produzidos artesanalmente, sem recurso a energia fóssil.

“Antes de sermos responsáveis por marcas, somos seres humanos dotados de ética, responsabilidade e memória, o que leva muitos de nós a procurarmos alternativas mais sustentáveis para os nossos negócios, assim como para as nossas vidas enquanto consumidores.”

PME Mag. – Quais são os planos futuros?

C. G. – Os planos futuros para a marca passam por continuar a trabalhar para manter a qualidade e para chegar a mais pessoas espalhadas pelo globo, com a mesma proposta de valor que temos vindo a apresentar ao mercado. Iremos manter a nossa aposta em matérias-primas de fonte europeia, de qualidade e altamente regulamentadas como a essência, os pigmentos minerais ou o pó cerâmico, assim como o investimento em embalagens recicláveis, plastic free e num processo produtivo cada vez mais otimizado para zero desperdício, ou seja, eco-friendly. No que respeita a expansão da marca, não vemos as distâncias geográficas como limite, apenas queremos crescer de forma sustentada e firme, sem devaneios e sem perder a essência que nos caracteriza. Somos um projeto de produção artesanal em pequena escala e, por essa razão, os produtos são ainda mais exclusivos e carecem de tempos de produção que não se coadunam com “massificação” e ainda bem, pois não pretendemos vender “a grosso” nem banalizar a nossa arte. Estaremos sempre disponíveis para colaborar com revendedores que partilhem da nossa forma de estar, geralmente concept stores que representam projetos com alma, que se disponibilizem para perpetuar a nossa mensagem e bebam da mesma inspiração que nós. Temos todo o gosto em colaborar com empresas, para as quais desenvolvemos gifts corporativos, ou com instituições de todos os tipos, desde que o conceito das marcas esteja alinhado e faça sentido essa parceria. Independentemente do crescimento que tenhamos em número de pontos de venda ou projetos conceptuais, o nosso foco será sempre a satisfação do cliente final, o utilizador final das peças, pelo que pretendemos manter a nossa filosofia enquanto marca democrática, com preços ao alcance de qualquer pessoa, por forma a promover o hábito de consumo de um ambientador passivo, mais ecológico e mais saudável, em detrimento dos difusores industrializados, sem nos tornarmos numa marca de nicho, só acessível a uma franja da população. Prova disso é o facto de mantermos os preços inalterados desde a fundação, em 2020, mesmo tendo sofrido tantos aumentos de fornecedores, fazendo atualmente um esforço para absorver os custos de forma que o nosso cliente não sinta que agora lhe somos inacessíveis. Consideramos que essa postura de tolerância e contenção – numa época tão difícil para todos como a que o mundo atravessa atualmente – é a melhor forma de demonstrar empatia perante os nossos clientes, que nos ajudaram a chegar até aqui e precisam, mais do que nunca, que sejamos acessíveis. Para que todos possamos embarcar nesta viagem chamada sustentabilidade, é necessário que haja uma consciencialização e uma análise realista à viabilidade das soluções apresentadas pelo mercado neste domínio, pois, infelizmente, o que concluímos é que, em muitos casos, as opções mais ecológicas são as mais dispendiosas (o packaging biodegradável é um exemplo disso, com valores astronómicos face às alternativas de plástico), por isso é urgente que cada um de nós faça o que estiver ao seu alcance para mudar este paradigma. Só assim conseguiremos resgatar o nosso planeta e garantir a sua biodiversidade, essencial à vida humana.