Home / Opinião / Que se irá passar no imobiliário?
António_Nogueira_Leite_Hipoges imobiliário
António Nogueira Leite, board member da Hipoges

Que se irá passar no imobiliário?

Por: António Nogueira Leite, board member da Hipoges

Muita gente fora do setor imobiliário olha para este de uma forma global, esquecendo que esconde múltiplas realidades com dinâmica própria, seja por razões geográficas seja pela natureza específica de cada segmento.  É certo que há questões de natureza geral que tenderão a afetar o setor como um todo, nomeadamente as relacionadas com o crescimento da economia, a disponibilidade de crédito ou a política monetária. Só que a forma como estas afetam o setor varia de acordo com o segmento. Estas simples constatações mantêm-se quando tentamos perspetivar os próximos tempos.

Assim, não podemos ignorar alguns aspetos fundamentais que se foram materializando na última década.  Em primeiro lugar, as regras seguidas pelos bancos, por vontade própria e política de supervisão quanto ao crédito à promoção imobiliária, contribuíram e contribuem para uma redução significativa da nova construção no sector residencial, sobretudo quando comparada com a década anterior. Esta tendência, mantendo-se a quase exclusividade do financiamento bancário, tenderá a continuar e mesmo a ganhar forma ainda mais marcada com o futuro pacote de regras prudenciais. Por outro lado, algumas regiões, incluindo Lisboa e Porto, entraram claramente no mercado internacional, pelo que a procura relevante não se confina aos clientes de base nacional. Está dependente da sofisticação da oferta e da manutenção, ou não, das políticas públicas seguidas desde a crise de 2011-13. É sobre uma realidade com estas características estruturais e de enquadramento legislativo e fiscal que deveremos analisar as consequências das alterações de política macroeconómica em curso.

Neste capítulo, e em primeiro lugar, há que contar com uma mudança da política monetária. Nos últimos anos, a zona euro seguiu uma política monetária extremamente acomodatícia, assente no estabelecimento de taxas diretoras historicamente baixas e uma política de compra de ativos que quase triplicou o tamanho do balanço do BCE entre 2014 e 2021. Por outro lado, desde abril de 2021 que os preços estão a subir na zona euro, na sequência da subida dos preços das matérias-primas, energia e alguns produtos intermédios, como resultado dos estrangulamentos causados pela crise pandémica.

“Nos últimos anos, a zona euro seguiu uma política monetária extremamente acomodatícia, assente no estabelecimento de taxas diretoras historicamente baixas e uma política de compra de ativos que quase triplicou o tamanho do balanço do BCE entre 2014 e 2021. Por outro lado, desde abril de 2021 que os preços estão a subir na zona euro.”

Com a guerra na Ucrânia e suas consequências diretas e indiretas e a ressurgência da Covid-19 na China, os bancos centrais encontram-se, como referia o FMI em abril último, num equilíbrio delicado, tentando controlar a inflação sem estrangular a retoma por que todos ansiamos. O Relatório de Estabilidade Financeira Global do FMI refere que “O equilíbrio de riscos para o crescimento passou a pender, ainda mais firmemente, para o lado negativo”, ou seja, é maior a probabilidade de a evolução económica surpreender pela negativa do que pela positiva. A que deve juntar-se uma já anunciada subida das taxas de referência do BCE logo no início do segundo semestre, como admitiu a presidente Lagarde.

Esta subida de taxas tenderá a contrabalançar as vantagens que o investimento em imobiliário tem em períodos de inflação, nomeadamente como alternativa ao investimento em ativos financeiros de baixo risco. Se se concretizar a subida das taxas de juro em função de uma política monetária mais restritiva, o efeito sobre a evolução positiva do mercado imobiliário em Portugal levará a um decréscimo do crescimento que a generalidade dos analistas apontava no início do ano. O impacto sobre o crescimento económico e, consequentemente, o rendimento disponível em função das consequências da guerra na Ucrânia e dos efeitos na economia chinesa da vaga da variante ómicron moderarão inevitavelmente as perspetivas de crescimento, nomeadamente no setor residencial, com que iniciámos o corrente ano.

Por outro lado, alguns dos fatores que levaram a uma boa performance no início do ano permanecem relevantes. O crescimento da inflação e os baixos ritmos de nova construção concedem ainda elevada liquidez no mercado, com elevada fluidez de transações a despeito dos elevados preços praticados, sobretudo nos centros urbanos mais dinâmicos e zonas turísticas mais procuradas. Acontece ainda que a subida dos preços dos materiais e fatores de produção tem levado a um importante crescimento dos custos de construção, com reflexos nos preços de saída a mercado do produto novo, contribuindo assim para a perspetiva de manutenção de elevados preços de transação por comparação com os praticados em 2021.

Ou seja, é agora inevitável que o setor, no seu conjunto, seja afetado por fatores externos que o irão fazer abrandar em 2022, fatores que podem penalizar a procura e complicar a vida das famílias que têm créditos no limite da taxa de esforço.  Porém, estou confiante que continuam a existir segmentos que não serão ainda influenciados visivelmente pela política monetária – o segmento dos clientes mais abastados, incluindo estrangeiros, que não compram imóveis a crédito ou, se o fazem, fazem-no porque decidiram fazer assim e não por precisarem de financiamento. Ainda assim, de um modo geral, sobretudo a partir da segunda metade deste ano, é previsível que os dados comecem a mostrar a tal desaceleração. O ano, tomado no seu conjunto, poderá ainda não ser de perda, sobretudo no setor residencial, mas não deixará de acomodar os efeitos da subida das taxas de juro e do aumento relevante dos custos de construção.