De diferentes formas, mas todos os setores económicos foram afetados pela pandemia do Covid-19. O setor artístico é um deles, quiçá dos mais fustigados. Raquel Alves Coelho, sócia-gerente da empresa cultural Sons & Ecos e presidente da Cantiga D’Alba – Associação Cultural, fala à PME Magazine das dificuldades passadas por quem trabalha no meio e das estratégias tomadas para aliviar os prejuízos.
Raquel Coelho criou a empresa Sons & Ecos em 2007, com o “propósito de criar e produzir projetos culturais no âmbito da recriação histórica, animação turística”, releva a responsável, contando atualmente com dois trabalhadores com contrato permanente, entre eles o da própria sócia-gerente, sendo a restante equipa composta por trabalhadores independentes.
O crescimento do trabalho desenvolvido, nomeadamente com a Câmara Municipal de Oeiras, com quem desenvolve “projetos integrados na programação do Serviço Educativo do Palácio Marquês de Pombal e do Departamento de Artes, Cultura e Turismo” levou à criação, em 2012, da Cantiga D’Alba – Associação Cultural, da qual é presidente.
“A Cantiga D’Alba, para além das produções culturais, propõe-se promover o trabalho de formação teórica e prática em artes e educação patrimonial, teatro, dança e música no âmbito da recriação histórica. Ampliámos as produções de criação artística; espetáculos de teatro, design de som, como visitas sonoras para a descoberta do património histórico e artístico, entre outros que se enquadrem nos domínios da nossa formação e experiência profissional. Neste momento, a Cantiga D’Alba conta também com duas trabalhadoras com contrato de trabalho e uma estagiária, sendo os restantes elementos, que integram a equipa, trabalhadores independentes, todos artistas, maioritariamente atores”, revela Raquel Coelho.
A pandemia caiu como um balde de água fria na vida desta empresária e promotora cultural, que viu cancelados todos os projetos previstos para 2020, tanto na Sons & Ecos como na associação Cantiga D’Alba.
“Tínhamos, nessa altura, a agenda preenchida com trabalho semanal regular até ao final do ano. Estes projetos incluíam, nas ações com menos elementos envolvidos, como as visitas encenadas a museus e monumentos, entre quatro a sete pessoas, e, nas produções maiores, entre vinte a quarenta elementos. Neste momento, estamos todos em casa, sem trabalho e sem rendimentos”, adianta.
Projetos digitais para “manter a relação” com o público
O recurso ao lay-off tornou-se num mal necessário, mas a vontade de dar a volta por cima tem sido maior e a ideia agora é tentar “manter relações entre os públicos e a arte” através de projetos para as plataformas digitais.
“Recebemos o convite, por parte da Câmara Municipal de Oeiras, para realizar um trabalho que consistiu em transpor para vídeo uma animação com personagens de um conto que estava previsto realizar-se em abril, no Palácio Marquês de Pombal. Aceitámos de imediato o desafio”, conta Raquel Coelho.
Este foi o primeiro passo, que levou depois à conceção de outros projetos com o intuito de manter a arte acessível a todos por via digital.
“Concebemos alguns projetos, também visando a apresentação em plataformas digitais, que apresentámos junto dos programadores culturais com os quais trabalhamos mais regularmente, com o intuito de colmatar o vazio de ações neste domínio gerado pela pandemia. Algumas propostas consistem em visitas virtuais, realizadas em vídeo, interpretadas pelos atores, áudio-livros ilustrados, para a infância, visitas sonoras, incluindo paisagens sonoras dos espaços a explorar através do som.
Raquel reconhece que “a relação com os espaços e o objeto artístico perde-se quase na sua totalidade e a relação do ator com o público é muito diversa através de uma gravação ou em presença”, contudo, lembra que esta é uma forma de manter “a relação entre os públicos e os espaços, as suas coleções e os atores e intérpretes que os desvelam, mas à distância, pese, embora, a ausência da aura e das emoções geradas pelo contacto através dos sentidos”.
“Consegue-se, pela internet, manter relações entre os públicos e a arte, o que consideramos fundamental, neste momento em que estamos privados de vida cultural, que tanto contribui para a saúde e equilíbrio mental das pessoas e da humanidade.”
Um setor em risco
Apesar dos novos projetos digitais, a preocupação com o dia de amanhã continua a ser uma constante para Raquel Coelho.
“Neste setor, sempre debilitado, seis meses sem trabalho provocarão o desmoronamento de projetos que demoraram muitos anos a edificar, pela dedicação, pelo esforço, pela perseverança, pela coragem dos que a ela dedicam as suas vidas. Esta indústria será, provavelmente a última a conseguir reerguer-se, pelas características que lhe são intrínsecas, como as que acabámos de esboçar”, lamenta, apelando à entidades competentes para que criem “um plano de apoio financeiro adequado a este setor e a estes profissionais, cujas características laborais são muito específicas e singulares”.
“É recorrente a pergunta: ‘E para além deste trabalho, fazem o quê?’. Ou: ‘Vivem disto?’. Sim. Vivemos disto, estudámos para isto, dedicamos as nossas vidas a isto e lutamos por isto. É o nosso trabalho. Trata-se de uma indústria como qualquer outra, embora a que mais convive com a precariedade e dificuldades por vezes intransponíveis. O que seríamos nós se todos os profissionais da cultura deixassem de produzir?”