Por: Mariana Barros Cardoso
São várias as empresas que, todos os dias, têm de reinventar-se para dar continuidade ao seu negócio numa altura em que o mundo encara uma pandemia. A Covid-19 trouxe a capacidade de os empresários perceberem o que é que podiam fazer para manter postos de trabalho, as empresas a funcionar e muitos perceberam como é que podiam ajudar. O álcool gel esteve em falta durante algum tempo e a Casa Ermelinda Freitas e a Black Pig Gin foram duas das empresas que reinventaram o álcool para produzir um bem fundamental na luta contra a propagação da doença.
Durante muito tempo faltou solução de álcool desinfetante em Portugal, situação que levou ao aumento astronómico de preços deste que acabou por tornar-se num bem essencial. Cientes deste problema, algumas empresas que lidam diretamente com o álcool arranjaram forma de o transformar… em gel.
Foi na procura de empresas que se tenham reinventado que vimos sentido em falar com a Casa Ermelinda Freitas que, juntamente com o Instituto Politécnico de Setúbal (IPS), está a produzir álcool gel e viseiras.
Na iniciativa de reinvenção que junta a empresa vitivinícola e o IPS, o fabrico dos já cerca de seis mil litros de álcool gel está a ser desenvolvido nas instalações da Casa Ermelinda Freitas, em Fernando Pó, Palmela, embora tenha sido o IPS o responsável pelo desenvolvimento tecnológico que culminou na criação da solução antissética. Um trabalho que orgulha bastante a sócia-gerente da Casa Ermelinda Freitas, Leonor Freitas, que adianta que “nesta fase as preocupações devem estar centradas nas pessoas, depois nas pessoas, e ainda nas pessoas”.
Quem também pensou nas pessoas foi Miguel Ângelo Nunes, fundador da Black Pig Gin, que conta que a ideia de produzir álcool gel surgiu do sentimento de ajudar a comunidade, afirmando que não podia “virar a cara à situação”, prevalecendo a vontade de “fazer algo pela região” (Santiago do Cacém), num momento em que se vive uma situação nova.
No caso de Miguel, o desinfetante foi produzido na destilaria onde produz gin e rum, não havendo uma necessidade de readaptação, uma vez que a estrutura leve com que conta tem vários níveis de formação, o que permitiu reconverter o processo produtivo para álcool gel e desinfetante. Embora tivesse o conhecimento para o fazer, a destilaria do litoral alentejano esteve em contacto permanente com entidades competentes para o controlo total do produto final que começou logo a ser oferecido e distribuído ao Hospital do Litoral Alentejano e, segundo foi apurado pelo município de Santiago do Cacém, a distribuição foi feita a cerca de 1300 empresas. Na génese desta ação está o estímulo para a reabertura dos negócios do concelho, que se depararam com uma quebra na receita e com os custos com equipamentos de segurança, conta-nos Miguel.
Também a produção do álcool gel pela Casa Ermelinda Freitas foi distribuída em hospitais e IPSS do distrito de Setúbal, onde é sediada a empresa vinícola. Leonor Freitas sentiu necessidade de colaborar com instituições mais desfavorecidas, como lares, prisões e outras instituições carenciadas de idosos.
“Nesta fase as preocupações devem estar centradas nas pessoas”, diz Leonor Freitas
Ambas as iniciativas tiveram o apoio dos seus municípios.
“Não há dúvida que, juntando vontades, saberes, colaboradores podemos ser solidários e, com um pequeno gesto, fazer uma grande mudança e ajuda para a vida das pessoas e instituições”, sublinha Leonor Freitas.
A Black Pig Gin também quis fazer um pequeno gesto para uma grande mudança e, dessa forma, juntou-se à causa de ajuda do Badoca Safari Park – um parque do concelho de Santiago do Cacém que conta com mais de 400 animais de 75 espécies – em que, na compra de cada garrafa no site da empresa, a marca oferece dez quilos de cereais para a alimentação dos animais do Badoca Park.
Quando questionado sobre o valor de mercado que comporta todo o álcool gel que já doou, Miguel prefere não o mencionar.
“Achamos que, no contexto atual, não é o mais importante. O importante é ajudar o próximo e não os custos financeiros.”
No entanto, e de alguma forma, os clientes da Black Pig Gin quiseram ajudar o fundador da empresa e começaram por comprar uma garrafa de gin por cada doação feita pela destilaria, o que Miguel releva ter tido uma importância “crucial”.
“O importante é ajudar o próximo e não os custos financeiros”, diz Miguel Nunes
Também para a Casa Ermelinda Freitas foi importante a colaboração da destilaria Vinisol, que facultou álcool a um preço mais baixo numa altura em que os custos estavam bastante elevados devido à procura. Leonor Freitas acredita que “unindo esforços podemos fazer muito mais do que isoladamente”, reconhecendo a importância de toda a ajuda técnica que foi dada pelo IPS, e que, não olhando a “valores apurados”, sabe que ao pensar nos seis mil litros, o valor é elevado, mas com a colaboração entre as três instituições foi possível.
Para a responsável, o mais importante neste momento é o que se passa com a sociedade. Embora esteja “preocupada com a economia”, está “muito mais preocupada com as pessoas”.
“Quando estivermos bem lutaremos pela economia, agora vamos lutar pelas pessoas”, assevera.
A Black Pig Gin rege-se pela paixão, perseverança e resiliência e é nessa base que tem ajudado as empresas, IPSS e o Hospital do Litoral Alentejano.
A Covid-19 chegou a Portugal em março deste ano e desde então foram várias as empresas que tiveram de se reinventar, quer para garantir a sustentabilidade do seu próprio negócio quer para ajudar empresas cuja receita não permitia que se reinventassem. Também à escala humana foram várias as empresas que uniram esforços para produzir os “bens essenciais” para a luta contra a Covid-19, como máscaras, luvas, álcool gel, viseiras e desinfetantes, que durante algum tempo estiveram esgotados.
O Governo Português criou um microsite de acesso a orientações para a colocação de produtos no mercado por parte de fabricantes nacionais que habitualmente não fazem este tipo de produção. No site, as empresas encontram direções específicas, técnicas e procedimentos administrativos que devem seguir para produzir estes materiais que podem fazer a diferença no combate à pandemia.
Artigo originalmente publicado na edição de Julho de 2020