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Elsa Neto escreve sobre o estado da saúde mental em pandemia

Saúde mental e pandemia

Por: Elsa Gomes Neto, psicóloga clínica e da saúde, psicoterapeuta e psicanalista

“The truth is out there, somewhere”, ​é o sugestivo título do editorial do dia 1 de agosto de uma das mais prestigiadas publicações de saúde, a revista The Lancet.

A dificuldade em distinguir a verdade da ficção, a chamada infodemiologia (pela Organização Mundial de Saúde) transformou-se numa enorme ameaça à saúde pública, uma vez que as taxas de infeção terão tendência a subir à medida que as pessoas se sentirem confusas acerca das restrições e os pacientes forem prejudicados com tratamentos desadequados.

Uma crescente perda de confiança na ciência e nos especialistas, respostas pobres e confusas por parte dos líderes políticos e governamentais e uma forte sustentação nos media como fonte de informação fez com que, lidar com a ​infodemiologia (OMS), se tornasse tão complexo quanto lidar com a própria Covid-19.

Haverá algo pior para a saúde mental do ser humano do que perder a confiança naqueles que dele devem cuidar? A perda de referências é para muitos insuportável… Alguns ansiolíticos SOS estão esgotados até ao final do ano e a procura de consultas de psicoterapia continua a crescer…

Por outro lado, a pandemia, ao exigir o isolamento social dos indivíduos, veio criar um conjunto diversificado de novas realidades de vida. Alguns ficaram completamente sozinhos… outros acompanhados apenas pelos seus animais de estimação.

As famílias viram-se perante um incremento da convivência em grupo e uma gestão dos espaços família/trabalho/escola totalmente novas, o que em alguns casos se tornou um campo potenciador de descobertas e de partilha, em outros casos pode ter-se transformado num verdadeiro “inferno” familiar, com alguns elementos da família a adoecer psicologicamente, sobretudo os adolescentes, mas também os próprios casais, tendo disparado o número de divórcios.

Aos que puderam manter-se em teletrabalho, a partilha de experiências online permitiu recriar uma espécie de sentimento de proximidade simultaneamente contentor.

Da mesma forma, os jovens que continuaram a relacionar-se com os amigos com recurso a plataformas online não se viram tão ansiosos, em geral, como aqueles que apenas puderam interagir com a família.

Aqueles que tiveram de continuar a trabalhar no terreno para que o mundo continuasse a funcionar, correndo os riscos inerentes a tal exposição, terão talvez sentido algum orgulho por se sentirem peças fundamentais de uma engrenagem, sentimento este que pode ter ajudado a mitigar, em alguns casos, o medo e o cansaço.

Vivemos circunstâncias muito especiais que constituem uma oportunidade privilegiada para refletir sobre aspectos fundamentais da nossa vida em sociedade.

O novo “normal”, como já lhe chamam, trará certamente revolta e angústia para alguns, enquanto para outros representará desenvolvimento e expansão sobretudo possibilitados pelo teletrabalho.

Onde muitos verão crise, outros verão oportunidades. Será sobretudo desse olhar, feito (ou não) de confiança, desejo e esperança, mais até do que da realidade em si, como na célebre história do copo meio cheio/meio vazio, que dependerá o futuro pós-Covid19 dentro de cada um de nós.