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Sofia Pereira
Sofia Pereira, Founder & CEO do Sowise Time Lab (Fonte Divulgação)

Síndrome do Trabalhador Incansável (Sisifemia): um novo fenómeno emergente no contexto de trabalho

Por: Sofia Pereira, Founder & CEO do Sowise Time Lab


Já ouviu falar do mito de Sísifo?
Trata-se de uma narrativa da mitologia grega, que conta a história de Sísifo, fundador e rei de Éfira, condenado pelos Deuses a empurrar eternamente uma pedra até o topo de uma colina, apenas para a ver rolar de volta para baixo todas as vezes que se aproximava do topo. Esta punição eterna foi imposta devido à sua astúcia e engano contra os Deuses. O mito simboliza o esforço inútil e a futilidade da existência humana, retratando a incessante busca por significado num ciclo interminável de esforço e fracasso. 

A sisifemia, assim como o mito de Sísifo, reflete a luta constante por objetivos inalcançáveis, simbolizando a fadiga do trabalhador incansável que, apesar do esforço contínuo, enfrenta a repetição de tarefas sem encontrar significado ou conclusão satisfatória. Este fenómeno emergente no ambiente de trabalho, caracterizado pela exaustão e uma busca constante por validação profissional, reflete a repetição interminável da tarefa de Sísifo, destacando a necessidade crítica de repensarmos a nossa relação com o trabalho e com o tempo.

-Sisifemia ou Síndrome do Trabalhador Incansável
A Sisifemia ou Síndrome do Trabalhador Incansável manifesta-se através de um compromisso excessivo com o trabalho, onde o indivíduo se envolve numa rotina de trabalho ininterrupto, frequentemente colocando em causa as outras esferas de vida: pessoal e familiar. Esta condição é muitas vezes exacerbada pela autoexigência e pelo perfeccionismo, que impulsionam uma busca incessante por resultados perfeitos, independentemente do custo pessoal.

Eis alguns sinais de alerta:
– a sensação de que nunca há horas suficientes no dia para completar todas as tarefas;
– um descuido com a saúde, hobbies e relações pessoais;
– tendência para estabelecer padrões irrealisticamente altos para si mesmo e para o seu trabalho;
– uma busca incessante pela perfeição em tarefas e projetos, muitas vezes a ponto de comprometer a saúde mental e física;
– tendência para a autocritica dura por erros ou falhas percebidos, mesmo que pequenos;
– dificuldade em delegar tarefas, por acreditar que ninguém pode corresponder aos seus padrões elevados;
– medo do fracasso e como este pode ser percecionado pelos outros;
– sentir que o trabalho ou o esforço nunca são suficientemente bons, independentemente do sucesso ou reconhecimento obtido;
– sentir-se frequentemente exausto física e mentalmente devido ao esforço contínuo para corresponder a expectativas pessoais elevadas;
– níveis elevados de ansiedade e stress;
– dificuldade em relaxar e desfrutar do tempo livre;
– tendência para o isolamento social.

Estes comportamentos não só alimentam um ciclo de trabalho sem fim mas também criam um ambiente no qual, apesar do esforço contínuo, o indivíduo raramente sente progresso ou satisfação verdadeira. O perfecionismo, em particular, pode levar a uma análise excessiva e à procrastinação, pois o medo de falhar ou de não corresponder às expectativas autoimpostas pode paralisar a ação. Assim, mesmo dedicando um número significativo de horas ao trabalho, a eficácia pode ser comprometida, perpetuando um estado de estagnação e insatisfação.

Impactos na Saúde e Bem-estar
Os efeitos da Sisifemia sobre a saúde física e mental podem ser profundos. A longo prazo, este estado de hiperatividade laboral pode resultar em problemas como ansiedade, depressão, distúrbio do sono e Burnout. O bem-estar geral é comprometido, afetando negativamente as relações pessoais e profissionais, uma vez que o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho é desconsiderado, conduzindo a um isolamento e deterioração da qualidade de vida.

Causas Culturais e Sociais
O ambiente de trabalho, atualmente, espelha as complexidades e desafios inerentes ao contexto do mundo BANI, acrónimo para Brittle (Frágil), Anxious (Ansioso), Nonlinear (Não linear), e Incomprehensible (Incompreensível).

Os profissionais de todos os setores enfrentam um ambiente hipercompetitivo, no qual a quantidade de tarefas e as expectativas de respostas rápidas criam uma dinâmica na qual as listas de tarefas parecem intermináveis e, por outro lado, o tempo dedicado ao trabalho nunca é suficiente. Esta realidade, marcada pela fragilidade das estruturas organizacionais, ansiedade crescente, não linearidade dos processos e incompreensibilidade dos desafios futuros, exige uma resiliência e adaptabilidade sem precedentes dos trabalhadores.

Para enfrentar os desafios impostos pelo mundo BANI e contrapor os efeitos nocivos do Síndrome do Trabalhador Incansável é imperativo capacitar e fomentar uma cultura organizacional de produtividade consciente. Esta cultura deve ser fundamentada na aceitação e respeito pelos ritmos e limites individuais, incentivando uma avaliação adequada e priorização das tarefas que reconheça a importância das pausas conscientes e restauradoras. Uma abordagem que valoriza o relacionamento interpessoal saudável entre os membros da equipa é crucial, pois através da construção de laços fortes e apoio mútuo, as organizações podem alcançar bons resultados sem comprometer a saúde e o bem-estar dos seus colaboradores.

Adotar esta abordagem significa reconhecer que a verdadeira produtividade não se mede pela quantidade de horas trabalhadas ou pela capacidade de estar sempre disponível, mas sim pela qualidade do trabalho realizado e pela capacidade de manter um equilíbrio saudável entre a vida profissional e pessoal. Ao promover uma cultura que valoriza o descanso, a reflexão e a conexão humana, as organizações podem criar um ambiente no qual os trabalhadores se sintam valorizados e compreendidos e a produtividade surge como resultado de um ambiente de trabalho equilibrado e consciente, sem colocar em causa a saúde e bem-estar das pessoas.

7 Estratégias práticas para ultrapassar a Síndrome do Trabalhador Incansável

1. Estabelecer prioridades claras
Identifique as suas tarefas mais importantes e concentre-se nelas, aprendendo a diferenciar entre o que é urgente e o que é importante.

2. Definir limites saudáveis
Aprenda a dizer “não” a tarefas que não se enquadrem como tarefas importantes e prioritárias ou que ultrapassem a sua capacidade de trabalho.

3. Incorporar pausas e tempo de descanso
Estabeleça horários específicos para o trabalho e para o descanso, garantindo que existe um equilíbrio entre as diversas esferas de vida.

4. Praticar a autocompaixão e reduzir a autocrítica
Reconheça e valorize os seus esforços e sucessos, em vez de se focar exclusivamente nos erros ou no que poderia ter sido melhor. Pratique exercício físico, meditação e a gratidão para cultivar uma atitude mais positiva em relação a si mesmo e ao seu trabalho.

5. Desenvolver uma mentalidade de crescimento
Veja os desafios como oportunidades de aprendizagem, em vez de falhas ou obstáculos intransponíveis.
Invista no seu desenvolvimento pessoal e profissional contínuo para melhorar as suas competências e capacidades para lidar com as adversidades.

6. Fomentar relacionamentos interpessoais saudáveis no trabalho
Construa uma rede de suporte com colegas e lideranças que possam oferecer orientação e apoio.

7. Adotar técnicas de desconexão
Pratique atividades que promovam a desconexão do trabalho, como hobbies ou passatempos relaxantes.
Defina momentos off-line, que lhe permitam usufruir e saborear do momento presente.


Confrontados com a realidade do Síndrome do Trabalhador Incansável num mundo cada vez mais desafiador, torna-se imperativo repensar e alterar a nossa abordagem ao trabalho e à gestão do tempo. Adotar estratégias de produtividade consciente, estabelecer limites saudáveis e cultivar um ambiente organizacional que valorize o bem-estar são passos essenciais para garantir que não só evitamos o destino de Sísifo, como também encontramos significado e satisfação nas nossas vidas profissionais e pessoais. Ao fazê-lo, temos a oportunidade de converter o ciclo de esforço infrutífero num processo de evolução, conhecimento e satisfação.