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João Dias Coelho, Tratolixo, Presidente Comissão executiva
João Dias Coelho, presidente da Tratolixo (Foto: divulgação)

“Desemprego fomentou desvio dos resíduos com valor de mercado” – João Dias Coelho

Por: Ana Rita Justo

Responsável pelo tratamento de resíduos nos concelhos de Cascais, Sintra, Mafra e Oeiras, a Tratolixo assume-se hoje, depois de tempos turbulentos de endividamento, como uma empresa equilibrada e empenhada na promoção da sustentabilidade ambiental. Com a inauguração do Ecoparque da Abrunheira à vista e depois da crise económica nacional que também chegou ao setor dos resíduos, João Dias Coelho, presidente do conselho de administração da empresa, mostra-se satisfeito e confiante no futuro.

 

PME Magazine – O tratamento de resíduos urbanos ainda está envolto em mitos. O que é que a Tratolixo tem feito para inverter esta tendência junto da população dos concelhos de Mafra, Cascais, Oeiras e Sintra?

João Dias Coelho – A Tratolixo ao longo da sua existência tem preconizado inúmeras iniciativas de sensibilização junto de distintos tipos de públicos, seja em escolas, praias, feiras e outros eventos bem como campanhas de informação associadas a vários projetos implementados no âmbito das recolhas seletivas (recolha porta-a-porta e recolha de resíduos orgânicos).

Através da Sensibilização e Educação Ambiental pretende-se comunicar proporcionando à comunidade educativa sessões de ambiente nas escolas do Sistema AMTRES [Associação de Municípios de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra para Tratamento de Resíduos Sólidos] e na Tratolixo através de atividades lúdicas e promoção de visitas às instalações, preservando sempre a articulação com os municípios, mantendo uma mensagem uníssona em termos de regras de gestão de resíduos e potenciando sinergias de ação neste sentido, com o objetivo de esclarecer os munícipes sobre a sua atividade e as etapas a jusante do ciclo de gestão de resíduos – tratamento, valorização e deposição final.

A comunidade educativa tem manifestado uma apetência crescente em receber a Tratolixo nas suas escolas, atividade que temos vindo a desenvolver de forma articulada na área de intervenção da Tratolixo e que pensamos manter, melhorar e proporcionar a um maior número de alunos de várias faixas etárias, professores e auxiliares de ação educativa.

A sensibilização ambiental é uma ferramenta fundamental para a mudança comportamental relativamente ao meio ambiente. Sensibilizar é procurar atingir uma predisposição da população para uma mudança de atitudes e é o que a Tratolixo faz quando, para além de estar perto da comunidade educativa, está presente em feiras, eventos e seminários.

 

PME M. – Também fazem ações junto das empresas? São estas as que dão mais dores de cabeça?
J. D. C. – A Tratolixo está sempre disponível para participar nessas ações com prazer, nunca são uma dor de cabeça, somos uma empresa que presta um serviço público de qualidade. Aliás, temos igualmente essa responsabilidade e objetivo no sentido de promover a sustentabilidade ambiental e o entendimento do nosso trabalho – tratamento e valorização de resíduos.

 

PME M. – Em que fase de execução está o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU) 2014-2020?
J. D. C. – No que à Tratolixo diz respeito, estamos muito perto de cumprir e até em cumprimento integral nalgumas metas que nos foram atribuídas neste plano estratégico. Evidentemente que o processo de triagem e valorização por metanização e compostagem é um modelo ambientalmente sustentável, mas bastante oneroso e carece ainda de uma renovação de equipamentos, situação de estamos a criar no Ecoparque de Trajouce (com mais de 25 anos, face à nova unidade de Abrunheira-Mafra).

No caso da deposição de resíduos urbanos biodegradáveis (RUB) em aterro, em 2015 enviámos apenas 3% de RUB para este destino quando a percentagem máxima imposta para 2020 para o Sistema AMTRES é de 16%. Em termos de preparação para reutilização e reciclagem, obtivemos no ano passado 55% sendo que a percentagem mínima que consta da nossa meta é de 53%. Apesar de já estarmos a cumprir estas duas metas e considerarmos estes resultados como muito positivos, pensamos que é possível fazer melhor e estamos a trabalhar para isso mesmo.

Sobre a meta de retoma de resíduos de recolha seletiva, obtivemos em 2015 o resultado de 33 kg/habitante/ano face aos 49 kg/habitante/ano que nos estão acometidos no PERSU 2020. Para atingirmos esta meta estamos, de certo modo, dependentes dos resultados das recolhas seletivas dos nossos municípios, mas apostamos fortemente na vertente da sensibilização para os ajudarmos neste domínio.

Para além disso, iremos construir uma nova central de triagem de resíduos de embalagem – alvo de candidatura a fundos de financiamento do POSEUR [Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos] e cujo processo de decisão está a decorrer – com maior capacidade e tecnicamente mais eficiente (outro dos requisitos do PERSU 2020 que precisamos dar resposta), para podermos dar cumprimento a esta última meta.

Estes resultados vêm, por isso, contrariar os resultados lamentáveis publicados pela APA [Agência Portuguesa do Ambiente] no Relatório Anual de Resíduos Urbanos relativamente ao ano de 2014 para a Tratolixo.

 

PME M. – A percentagem de recolhas de resíduos multimateriais caiu de 2014 para 2015. Qual a explicação para esta tendência?
J. D. C. – Esta tendência já vem desde o ano de 2008, último ano em que o país registou um crescimento na economia. Como se sabe, com a instabilidade socioeconómica que se gerou desde então no país, houve uma acentuada perda do poder de compra por parte dos cidadãos que conduziu à diminuição do consumo a nível nacional, facto que, por sua vez, se traduziu nos resultados do fim de linha desse consumo: a produção de resíduos. De 2008 a 2015 registou-se uma redução de cerca de 27% nesta tipologia de recolha, justificada, em primeiro lugar, com a menor produção de resíduos em virtude da alteração dos padrões de consumo (compras mais criteriosas, maior aproveitamento, etc.).

Por outro lado, o fenómeno do desemprego fomentou o desvio dos resíduos com valor de mercado – principalmente o papel/cartão – dos canais formais de gestão, ou seja, o material era subtraído dos ecopontos, não chegava às instalações da Tratolixo e por isso não era contabilizado para efeitos de recolha seletiva. Ambas as situações foram causadas pela crise económica.

 

PME M. – Que regras internas aplicam para melhorar a recolha e tratamento de resíduos recicláveis?
J. D. C. – A Tratolixo é uma empresa totalmente certificada pelos normativos da qualidade, ambiente e segurança. Assim sendo, todas as unidades e processos da empresa envolvidos nas atividades de gestão e tratamento de resíduos encontram-se abrangidos pelo Sistema Integrado de Gestão (SIG) implementado já há alguns anos.

Esta ferramenta permite analisar o desempenho da Tratolixo, acompanhar os resultados e propor as devidas melhorias que deverão ser implementadas para atingir uma maior eficácia do processo de tratamento de resíduos.

Em termos de recolha, apesar de esta atividade não ser da nossa competência, desenvolvemos todos os esforços possíveis em termos de sensibilização para potenciar a melhoria quantitativa e qualitativa da recolha de resíduos recicláveis.

Nós próprios, internamente, também promovemos a deposição seletiva de resíduos, nos quais se incluem os resíduos recicláveis de embalagem.

É um pequeno contributo, mas uma trata-se de uma atitude ambientalmente correta que não poderíamos deixar de pôr em prática.

 

PME M. – Quando começaram a produção de energia e que quantidades produzem atualmente?
J. D. C. – A Tratolixo iniciou a produção de energia eléctrica em 2009, com a captação e valorização do biogás do Aterro Sanitário de Trajouce, em Cascais. Mas com esta iniciativa voluntária – a empresa era apenas obrigada, por lei, a fazer a captação e drenagem do metano do aterro, a sua conversão em energia foi uma decisão de sustentabilidade tomada – os quantitativos produzidos atingiam apenas uma média de 1.500 MWh/ano. Com o início de exploração da Central de Digestão Anaeróbia na Abrunheira, em Mafra, atingiu-se uma dimensão completamente diferente neste domínio.

No primeiro ano – que contou apenas com dois meses de produção energética associados ao tratamento, ainda em teste, de quantitativos de resíduos muito reduzidos – obtiveram-se somente 138 MWh.

Desde então, o processo foi evoluindo, a empresa teve de resolver diversas questões que se colocaram num período financeiramente complexo, e desde 2014 todos os biodigestores já se encontram em funcionamento em pleno e a carga de resíduos tratados foi gradualmente aumentando, com níveis muito positivos no ano passado.

Os resultados que se têm vindo a registar demonstram, de ano para ano, um franco crescimento e superam todas as previsões apontadas pelo tecnólogo da Centro de Divulgação Ambiental.

Em 2015 voltou-se a bater um recorde de produção energética na curta história desta infraestrutura: atingiram-se 22.798 MWh de energia elétrica produzida, um valor 165 vezes superior ao registado em 2012, o ano de arranque. E a expectativa de produção energética para este ano mantém-se nesta ordem de grandeza, o que nos deixa muito orgulhosos.

 

PME M. – Para quando está prevista a inauguração do Ecoparque da Abrunheira e que melhorias irá trazer para o trabalho realizado pela Tratolixo?
J. D. C. – Em termos práticos, o Ecoparque da Abrunheira já funciona com o início de funcionamento da Central de Digestão Anaeróbica em dezembro de 2012 (primeiro biodigestor), progressivamente a melhorar até 2014. Depois, em 2014, entrou em funcionamento a Estação de Tratamento de Águas Residuais Industriais (ETARI), que permite tratar as águas residuais das várias infraestruturas e instalações de apoio existentes no Ecoparque ao ponto de possibilitar a sua reintrodução no processo industrial, com notórias vantagens ambientais e financeiras.

Estão apenas a faltar as Células de Confinamento Técnico – Aterro Sanitário – que se preveem entrar em operação no último trimestre deste ano e que irão possibilitar a independência da empresa face ao exterior, no que diz respeito ao encaminhamento para destino final dos refugos dos seus processos operacionais.

A utilização desta infra-estrutura permitirá igualmente obter uma importante redução de custos no domínio da gestão de resíduos. Deste modo o Ecoparque da Abrinheira será inaugurado enquanto tal neste ano de 2016.

 

PME M. – Em 2015 produziram-se quase 400 mil toneladas de resíduos urbanos. A tendência é para aumentar?
J. D. C. – As quantidades de resíduos que recebemos do Sistema AMTRES estão intimamente ligadas ao poder económico que os cidadãos têm para adquirir e consumir produtos e à forma como esse consumo é efetuado.

Os resultados do primeiro quadrimestre deste ano demonstram um incremento nas quantidades de resíduos recebidas para tratamento nas nossas instalações face ao mesmo período do ano anterior.

Como em 2015 já se tinha registado, pela primeira vez desde 2008, um crescimento no total de resíduos recebidos, é muito provável que esta tendência se mantenha em 2016.

Esta expectativa é corroborada com dados provenientes de outras vertentes da sociedade – de emprego, por exemplo – que registam uma melhoria face a anos anteriores e que nos permitem acreditar numa possível retoma económica do país.

 

PME M. – Quais os objetivos em termos de sustentabilidade ambiental que pretendem atingir este ano?
J. D. C. – Em virtude da implementação de várias medidas de racionalização e da sensibilização dos colaboradores para as boas práticas de consumo, obtiveram-se, em 2015, reduções significativas nos consumos de água e energia, dois recursos ambientais essenciais para a empresa e seus processos. Queremos continuar a ter esta postura, mantendo a eficiência do serviço prestado.

 

PME M. – Os resultados financeiros obtidos pela Tratolixo em 2015 eram os esperados? Que esperar em 2016?
J. D. C. – Os resultados financeiros que alcançámos foram extremamente positivos – um resultado líquido de 3,3 milhões de euros em 2015 e uma redução da dívida a fornecedores de 18 milhões de euros entre fevereiro de 2014 e abril deste ano – e resultam de uma gestão rigorosa baseada num plano de racionalização de custos e internalização de serviços, que permitiu liquidar dívidas existentes e consolidar o reequilíbrio financeiro da empresa.

As sinergias que se estabeleceram com os diversos intervenientes deste processo – municípios, banca, fornecedores e trabalhadores – em muito contribuíram para a recuperação económica da empresa.

Encontramo-nos perante uma clara tendência para a estabilidade, pelo que em 2016 se espera precisamente que seja dada continuidade a este caminho, com resultados ainda mais promissores.