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Vasco Catarino Soares, autor de "Exercícios para Recarregar o Cérebro" (Foto: Divulgação)

“Um cérebro exercitado é um cérebro mais apto a responder a tudo o que fazemos no dia-a-dia” – Vasco Catarino Soares

Por: Sara Fonseca

Vasco Catarino Soares, co-fundador da Insight-Psicologia, neuropsicólogo, formador e autor do bestseller 150 Exercícios para Um Cérebro Activo, lançou o seu mais recente livro Exercícios para Recarregar o Cérebro. A obra contém um programa de 66 dias (o tempo necessário para solidificar um hábito, segundo o autor) com um total de 264 exercícios para treinar 12 competências do cérebro. Em entrevista à PME Magazine, Vasco Catarino Soares falou-nos do principal objetivo do  livro, a atenção que o cérebro dá a tudo o que acontece, e realçando que este livro dirige-se a todas as pessoas que queiram “melhorar a sua performance cerebral”. 

PME Magazine (PME Mag.) Qual foi o seu principal objetivo ao escrever este livro?

Vasco Catarino Soares (V. C. S.) – Toda a minha atividade profissional como psicoterapeuta e neuropsicólogo tem sido pautada por um princípio essencial: ajudar o ser humano a ultrapassar as dificuldades com que se confronta na sua vida. Assim, aponto que a minha prática de 20 anos em ajudar pessoas a superar as suas dificuldades cognitivas levou-me a querer expandir para um público mais vasto os benefícios que observei em prática clínica privada. O principal objetivo é que a população em geral, em qualquer idade, possa obter um melhor rendimento do seu cérebro, exercitando as suas funções cognitivas com o plano de treino diário, o mais completo editado em livro, com 12 competências cerebrais, que proponho; um cérebro exercitado é um cérebro mais apto a responder a tudo o que temos de fazer no nosso dia-a-dia. Também visei responder aos pacientes que recuperam de avc, traumatismo craniano, cirurgias ao cérebro e processos demenciais, que se encontram entre os meus leitores atuais.

PME Mag. – Em que se inspirou para escrever o livro?

V. C. S. – A inspiração para este livro surgiu de alguns fatores, a minha prática de 20 anos em ajudar pessoas a superar as suas dificuldades cognitivas levou-me a querer expandir para um público geral os benefícios que observei em prática clínica privada; o facto de surgirem queixas de uma população cada vez mais jovem, a qual tradicionalmente não tem uma resposta para o seu problema, levou-me igualmente a pensar na criação de um programa de exercícios que vai ao encontro das suas necessidades; continuar a dar resposta às pessoas que vão sentindo alguma fadiga cerebral e algumas dificuldades de concentração, memória e flexibilidade mental, entre outras; responder, com exercícios poderosos, aos pacientes que recuperam de avc, traumatismo craniano e cirurgias ao cérebro; expandir o conhecimento que o público tem acerca do funcionamento do cérebro e formas de cuidar deste nosso maravilhoso órgão; por fim, ir ao encontro das solicitações dos leitores – devo dizer atletas do cérebro – dos meus livros anteriores, que querem continuar a exercitar o seu cérebro.

PME Mag. – Quais os principais exercícios que as pessoas precisam ter em conta para exercitar o cérebro? Porquê?

V. C. S. – Eu recomendo fazer todos os que estão no livro. Mas se tivesse que escolher, como principais indicaria os de focar atenção, memória, flexibilidade mental e criatividade. A razão desta escolha é a de que estes exercícios ajudam bastante na ativação do cérebro e capacidade para mudar de tarefas rapidamente (exercícios de flexibilidade mental); Capacidade de prestar atenção ao que se passa à nossa volta e focar a atenção no que temos de aprender/fazer (exercícios de atenção); aquisição de informação e sua recuperação nas alturas necessárias (exercícios de memória); capacidade para observar nuances da realidade e criar soluções criativas para os problemas que temos de resolver na vida (exercícios de criatividade).

PME Mag. – A quem se dirige este livro?

V. C. S. – Este livro, com um programa de exercícios cerebral de 66 dias, destina-se a todos os interessados em melhorar a sua performance cerebral: desde crianças em idade escolar até pessoas reformadas ou que sofrem de défice cognitivo leve, passando por pessoas ativas, que necessitam de combater os efeitos do stress e cansaço cerebral e também aqueles que se encontram em processo demencial inicial. Foi, também, desenhado para ser útil a pessoas que recuperam de avc, traumatismo craniano e cirurgias ao cérebro. Vai progredindo em grau de dificuldade, o que permite que qualquer pessoa possa sempre ir melhorando as suas capacidades cerebrais progressivamente, sem se sentir desencorajada. Outra vantagem é a de ser um programa que ocupa muito pouco tempo para realizar: cerca de 10 minutos diários. Quem pode beneficiar do livro são estudantes; reformados que querem manter o cérebro ativo; pessoas ativas que sentem cansaço cerebral; pessoas que sentem dificuldades de concentração, memória e agilidade mental; vítimas de avc; vítimas de traumatismo craniano; vítimas de processo demencial inicial; pessoas que sofrem de défice cognitivo ligeiro; pessoas que recuperam de cirurgia ao cérebro.

PME Mag. – O que quer dizer com “o cérebro também precisa de ser treinado”?

V. C. S. – O cérebro é um órgão que sofre alterações ao longo da vida. Com o decorrer dos anos, em especial na idade adulta, e porque vamos criando um estilo de vida pessoal e profissional, que nos leva a usar mais algumas capacidades cerebrais do que outras e a criar rotinas que ativam essas redes cerebrais em detrimento de todas as outras, temos como resultado a fraca ativação do cérebro como um todo. Há redes neuronais que são pouco ativadas e vão perdendo força (capacidade). Do mesmo modo que uma pessoa que não faz exercícios físico não consegue completar uma maratona, uma pessoa que não exercite o seu cérebro vai perdendo capacidade de concentração, memória, flexibilidade mental e muitas outras competências. O treino cerebral assenta em dois mecanismos cerebrais: a neurogénese (nascimento de novos neurónios, matéria bruta que tem de ser gerida) e a neuroplasticidade (capacidade de modificar ligações neuronais, que também podem ser geridas). Esta gestão em nosso favor é possibilitada através do treino cerebral. Os efeitos do exercício cerebral são, por um lado, o de provocar um aumento da velocidade com que as células (os neurónios) trocam informação entre si e, por outro, o de promover o aumento das ligações que cada uma destas células estabelecem com outras dentro do cérebro. Como já se deve ter apercebido, o que caracteriza um cérebro mais ativo e eficaz na sua interação com o meio é a velocidade com que faz circular a informação e o grau de interação entre neurónios. O princípio é muito semelhante ao do exercício físico, mas não exatamente o mesmo. No exercício físico reforça-se o músculo promovendo o aumento de tamanho e força. No exercício cerebral trata-se de reforçar a capacidade de interação e velocidade de comunicação (milissegundos) entre células dentro do cérebro. E tal como no caso do exercício físico, aqui também se vão perdendo os efeitos benéficos do treino quando se deixa de exercitar o cérebro. Em ambos os tipos de exercício (físico e cerebral) a ideia é começar com um determinado nível de dificuldade (ao critério e interesse de cada um), ir aumentando progressivamente o desafio e persistir na tarefa. Estas são as condições sine qua non para obter resultados com este método. Nunca é tarde para exercitar o cérebro porque temos sempre, em qualquer idade, uma reserva cerebral, em novos neurónios que vão nascendo ao longo dos anos, para serem usados (se não forem usados acabam por morrer). Vou dar um exemplo: quando compramos iogurtes eles têm um prazo de validade. Nós podemos comê-los e beneficiamos dos seus efeitos. Também podemos não os comer e o prazo passa e vão para o lixo. É isto que se passa com o cérebro: vão nascendo neurónios que podem ser aproveitados (se exercitarmos o cérebro) ou, caso não os aproveitemos, passam de prazo e perdem-se. Mas este é um processo cíclico e contínuo e por isso sempre disponível e que podemos usar em qualquer altura. Claro que um cérebro melhor exercitado tira maior proveito desta reserva.

PME Mag. – Tendo em conta os tempos de hoje, considera cada vez mais difícil as pessoas concentrarem-se nas suas tarefas?

V. C. S. – A capacidade das pessoas de se concentrarem permanece essencialmente a mesma que sempre foi. Agora, sabemos que quanto mais solicitações exteriores uma pessoa tiver mais difícil é ignorá-las e manter-se concentrado, uma vez que a concentração é exatamente isso: manter a atenção num determinado acontecimento ou tarefa. Por isso, diria que há mais distratores, hoje, com as solicitações das redes sociais e os avisos sonoros dos telemóveis, do que antes, mas que cabe a cada um não se deixar levar por estes distratores e focar-se no que realmente interessa. De um modo geral, podemos dizer que sim. Podemos afirmar que é mais difícil as pessoas concentrarem-se, hoje, mas tal acontece não tanto por incapacidade como por cedência fácil às solicitações do exterior. De qualquer modo este estado das coisas pode ser revertido por cada indivíduo;  treinando a sua capacidade de atenção e concentração com exercícios específicos; criando o hábito de se desligar dos distratores em momentos em que tem de usar a sua atenção e concentração.